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EMOÇÕES E A ALEXITIMIA

4.2. A ALEXITIMIA 1 Conceito

4.2.3. Etiologia da alexitimia

Ao longo da última década tem-se registado um avolumar de estudos no campo da alexitimia, contribuindo para um melhor conhecimento deste construto. A investigação implementada em vários domínios da ciência tem evidenciado a influência de diferentes factores na sua génese: factores constitucionais na organização cerebral, aspectos psicofisiológicos, aspectos deficitários do meio familiar e social precoce e factores cognitivos no processamento das emoções (Taylor & Bagby, 2004).

Começando por este último, a perspectiva de que as características da alexitimia resultam de défices no processamento cognitivo das emoções tem levado ao desenho de vários estudos experimentais em torno desta questão. De uma forma geral, identifica-se a) a ausência de uma correcta integração dos elementos que compreendem os esquemas das emoções (Suslow & Junghanns, 2002), b) a dificuldade em recordar o significado de palavras emocionais (O. Luminet, não publicado cit in Taylor & Bagby, 2004), c) e um défice na simbolização e representação mental das emoções (Taylor, 2003 cit in Taylor & Bagby, 2004).

Ao nível neurobiológico, pode-se considerar que os modelos etiológicos propostos se distinguem, essencialmente, em duas linhas: uma que abarca os modelos centrados na integração dos processos corticais e sub-corticais (modelo vertical) e outra que associa a alexitimia ao funcionamento dos dois hemisférios (modelo transversal). No modelo vertical levanta-se a hipótese de haver uma desconexão entre a actividade do sistema límbico (associada às emoções) e a do neocortex (associada à representação consciente dos sentimentos e fantasias) (Sifneos, 1995).

Para Taylor et ai. (1997) não há uma evidência experimental que permita apoiar esta hipótese e é com base nesta crítica que surge o modelo transversal centrado no estudo dos hemisférios. Dentro deste modelo é possível distinguir duas perspectivas: uma reporta-se à disfunção do hemisfério direito e é apoiada por observações que indicam haver uma associação entre este hemisfério e a emocionalidade, contrariamente ao hemisfério esquerdo que parece mais associado ao pensamento concreto; a outra perspectiva sugere que a alexitimia está relacionada com um défice na comunicação entre os dois hemisférios cerebrais.

Esta última hipótese encontra suporte em vários estudos clínicos e experimentais. O mais citado é sem dúvida o de Zeitlin, Lane, O'Leary e Schrift (1989), realizado com uma amostra de doentes com perturbação pós-stress traumático, e cuja metodologia consistiu numa tarefa de localização táctil. Os resultados deste estudo sugeriram que os erros na transferência inter-hemisférica estavam fortemente correlacionados com a alexitimia, mas não estavam circunscritos a uma só direcção, enfraquecendo a hipótese da alexitimia resultar unicamente duma disfunção no hemisfério direito. Posteriormente Parker, Keightley, Smith e Taylor (1999), utilizando a mesma metodologia, retiraram conclusões idênticas com uma amostra de estudantes.

Em 2000, Lumley e Sielky aprofundaram esta questão, analisando distintamente ambos os géneros. Os resultados encontrados acrescentaram novos dados nesta área, sugerindo a existência de processos diferentes em cada um dos sexos. A lateralidade cerebral revelou-se mais assimétrica nos homens e a comunicação inter- hemisférica, por sua vez, demonstrou-se mais eficaz no sexo feminino. Perante estes dados, os Lumley e Sielky levantaram a hipótese da alexitimia nos homens ser essencialmente primária, resultante do desenvolvimento neurobiológico (e.g. assimetria hemisférica, deficiente integração inter-hemisférica), e nas mulheres ser mais secundária, em consequência de situações emocionais traumáticas.

Estas conclusões, apesar de interessantes, devem ser perspectivadas com alguma prudência, uma vez que a investigação diferencial (em função do género) em torno da .patogénese e das manifestações clínicas só agora começou a dar os primeiros passos e reclama-se ainda a avaliação de outras competências e o recurso a outras metodologias de investigação (e.g. tarefas emocionais e estímulos visuais e auditivos). É, ainda, provável que outros sistemas neuronais possam estar implicados.

Quanto aos aspectos psicofisiológicos apontados na etiologia da alexitimia, os estudos centrados na análise das reacções fisiológicas40 a estímulos emocionais têm

investigado, sobretudo, as mudanças na actividade simpática, concluindo que estas contribuem para as diferenças individuais na expressão e regulação dos afectos (Porges, 1991 cit in Taylor & Bagby, 2004). No entanto, as variações nos padrões da actividade neuronal e simpática associadas à alexitimia deixam em aberto a existência de outros factores que possam igualmente contribuir estas fontes de variação. Tal como sugerem Taylor e Bagby (2000, p.55) "...we must consider the possibility that

As reacções psicofisiológicas mais estudadas são o batimento cardíaco, a pressão sanguínea, a condutância da pele e a tensão muscular.

individual differences in alexithymia and the associated variations in brain organization are both caused by something else. Findings from developmental research are pointing in this direction."

No âmbito da Psicologia Desenvolvimental têm sido vários os factores etiológicos focados. Alguns investigadores destacam as consequências das experiências traumáticas na infância considerando que os traumas psíquicos numa fase precoce interferem com os aspectos neuroanatómicos e psicológicos do desenvolvimento dos afectos (Krystal, 1988 cit in Taylor & Bagby, 2004). Especificamente, alguns estudos encontram descrições de abuso sexual e físico nos indivíduos alexitímicos (Berenbaum, 1996; Kooiman et ai., 2004), apesar dos resultados na sua generalidade serem inconsistentes (Taylor & Bagby, 2004).

As experiências emocionais com a mãe poderão também influenciar o desenvolvimento da consciência dos afectos e de competências para a regulação dos mesmos. As expressões emocionais da mãe, que funcionam como espelho, e as interacções afectivas favorecem o desenvolvimento afectivo da criança (Taylor et ai., 1997). Por outro lado, o próprio estado emocional da mãe é outro factor influente; uma mãe emocionalmente expressiva irá comunicar mais sinais diferentes do que uma mãe pouco expressiva, deprimida, ansiosa ou alexitímica (Taylor & Bagby, 2000).

Na área da vinculação, considera-se que as experiências da infância influenciam o desenvolvimento dos esquemas das emoções e de outras competências cognitivas envolvidas na regulação dos afectos. Padrões de vinculação inseguros, bem como estilos évitantes ou altamente preocupados dificultam o desenvolvimento destas competências (Cassidy, 1994 cit in Taylor & Bagby, 2004).

Outros factores sociais na infância também têm sido também apontados. O estudo de follow-up de Joukamaa et ai. (2003), num período de 31 anos, associou a alexitimia a três características: 1) o facto da criança não ter sido desejada; 2) a pertença a uma família com muitas crianças; e c) a educação do meio rural.

Em suma, é comummente aceite que a alexitimia resulta da interacção de diversos factores que impedem o processamento cognitivo e a regulação dos estados emocionais.