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Que evolução se espera para a anorexia nervosa? Revisão dos estudos de follow-up

Para facilitar o paralelismo entre os critérios definidos por Russell e os que vigoram na actualidade apresentaremos desde já, nas figuras 3.2 e 3

3.5. CURSO E TRATAMENTO DA ANOREXIA NERVOSA

3.5.3. Que evolução se espera para a anorexia nervosa? Revisão dos estudos de follow-up

3.5.3.1. Recuperação

As taxas de recuperação na anorexia nervosa são consideradas moderadas. A compilação dos resultados dos estudos de follow-up aponta que, em média, menos de metade dos sujeitos com esta patologia recuperam, um terço melhoram ao nível da sintomatologia e 20% se mantêm-se doentes crónicos (Fisher, 2003; Fichter & Quadflieg, 1999; Garfinkel & Garner, 1982; Steinhausen, 1991, 2002; Steinhausen & Glanville, 1983a).

Numa análise comparativa, os estudos de follow-up realizados com anorécticas cujo início da doença se registou na adolescência apresentam taxas de recuperação ligeiramente superiores (Fisher, 2003). Os resultados são consistentes entre as várias investigações, revelando uma boa recuperação em cerca de metade dos sujeitos (Morgan, Purgold, & Welbourne, 1983; Sunday, Reeman, Eckert, & Halmi, 1996; Walford & McCune, 1991). Ainda assim, e comparativamente com outros problemas psiquiátricos, a recuperação no grupo das perturbações do comportamento alimentar parece ser menor (Hsu, 1996).

Em termos de tempo de evolução, os dados disponíveis sobre esta questão apontam para um ligeiro declínio da recuperação nos dois primeiros anos após o tratamento, seguindo-se um novo progresso entre o terceiro e o sexto ano (Fictcher & Quadflieg, 1999). Vários estudos referem que existe uma diminuição de anorécticas com pior prognóstico se se considerar este período de tempo mais alargado (cf. Lõwe et al., 2001; Ratnasuriya, Eisler, Szmukler, & Russell, 1991; Steinhausen, 2002). Por conseguinte, a taxa de recuperação das anorécticas parece diminuir a partir do sexto ano (Eckert, Halmi, Marchi, Grove, & Crosby, 1995).

A persistência de outras perturbações psiquiátricas (Steinhausen, 2002) e a elevada frequência e cronicidade dos comportamentos bulímicos têm sido outros dois pontos destacados nos estudos follow-up. Relativamente a este último, Eckert et ai. (1995) concluíram, com base na revisão de 119 trabalhos que, em média, 64% das anorécticas desenvolviam episódios de alimentação compulsiva nalgum momento da sua doença e que 4 1 % das anorécticas com comportamentos bulímicos durante o tratamento, os tinham mantido no follow-up.

A mobilidade entre os diferentes diagnósticos alimentares também tem sido documentada. Fichter e Quadflieg (1999) verificaram que 9.9% das anorécticas da sua amostra tinham mudado, num período de seis anos, para um quadro de bulimia

nervosa tipo purgativa e 2.0% para o diagnóstico de EDNOS. De forma semelhante, Eckert et ai. (1995) observaram que, 10 anos após a participação num programa de tratamento, 17% das anorécticas tinham desenvolvido comportamentos de ingestão alimentar compulsiva. Curiosamente, parece que o percurso inverso é pouco frequente, ou seja, os indivíduos com comportamentos bulímicos raramente desenvolvem anorexia nervosa restritiva. É provável que os comportamentos bulímicos uma vez instalados tendam a permanecer, mas este dado necessita ainda de mais investigação.

Em suma, tendo em conta os resultados analisados ao longo desta exposição é possível concluir que o prognóstico da anorexia nervosa não é muito favorável. No entanto, pode-se levantar a hipótese destas taxas de recuperação calculadas com base em amostras comunitárias evidenciarem um panorama mais positivo (Johnson, Lund, & Yates, 2003), apesar do recente estudo de Rastam, Gillberg e Wentz (in press cit in Steinhausen, 2003), com estas características, ter constatado também uma fraca recuperação destes casos.

3.5.3.2. Factores de Prognóstico

Os factores associados a uma boa ou má recuperação na anorexia nervosa têm sido analisados com relativa frequência em estudos de follow-up, apesar dos resultados espelharem, ainda, muitas contradições. Seguidamente, propomo-nos a abordar, de forma sucinta, as principais variáveis analisadas nestes trabalhos, realçando o seu valor prognóstico.

A idade de início da doença tem sido um dos factores mais estudados, mas também um dos mais controversos. Alguns estudos sugerem que a anorexia nervosa de início mais tardio, ou seja, após a adolescência, está relacionada com uma pior recuperação (Hsu et ai., 1979; Ratnasuriya et ai., 1991; Theander, 1970). No outro extremo, encontram-se investigadores que consideram que o início precoce33 conduz

a uma menor recuperação física (Walford & McCune, 1991). Ao nível da adolescência em si, alguns autores defendem que o início deste problema neste período é um factor clínico favorável (Steinhausen, 2002; Suematsu, Kuboki, & Itoh, 1985; Theander, 1996). Por fim, encontram-se também estudos que não encontram qualquer relação entre estas duas variáveis, pois não detectam diferenças entre os

33 Os autores não têm utilizado os mesmos critérios para definir anorexia precoce. Uns consideram como

critério o limite etário, variando entre os que defendem a idade inferior a 11 anos e os que consideram a idade inferior a 15 anos e, outros assumem como critério a pré-puberdade. No geral, o termo "anorexia precoce" reporta-se à infância e pré-adolescência.

casos com início precoce e os casos com desenvolvimento tardio (e.g. Casper & Jabine, 1996; Hsu, 1996; Sunday et al., 1996). É de acrescentar que os trabalhos centrados na anorexia precoce têm utilizado amostras reduzidas, dificultando a testagem destas hipóteses. Assim sendo, o peso desta variável, bem como o sentido da sua influência prognóstica, continuam em aberto.

Mais clara é a relação entre a recuperação e o intervalo de tempo que medeia o início da anorexia nervosa e a procura de tratamento. Um maior período de tempo tem-se revelado um factor clinicamente desfavorável (Hall, Slim, Hawker, & Salmond,

1984; Morgan et ai., 1983; Zipfel, Lówe, Reas, Deter, & Herzog, 2000).

A severidade da doença é outro factor alvo de atenção, na medida em que nas perturbações mentais surge associado a um mau prognóstico. Na anorexia nervosa podemos referir que existem vários indicadores da severidade da patologia que têm sido considerados prejudiciais à sua recuperação. Entre eles inclui-se um maior número de internamentos, ou de dias de internamento, e a longa duração da doença. Este último tem-se revelado um preditor inequívoco: os casos crónicos apresentam um curso mais desfavorável (Fictcher & Quadflieg, 1999; Steinhausen, 2002; Steinhausen et ai., 1991). A sua significância prognóstica justifica-se pelo desenvolvimento dum conjunto de aspectos que dificultam a recuperação, tais como a auto-perpectuação da patologia, o acentuado isolamento social e o desenvolvimento de uma "identidade anoréctica" (Garfinkel & Garner, 1982).

Considerando alguns indicadores mais específicos do problema alimentar, podemos afirmar que há uma tendência para considerar a bulimia, o uso do vómito e o uso de purgantes como factores clínicos desfavoráveis (Eckert et ai., 1995; Garfinkel et ai., 1980; Hsu et ai., 1979; Selvini Palazzoli, 1985; Steinhausen, 2002; Steinhausen et ai., 1991; Suematsu et ai., 1985; Zipfel et ai., 2000). Entretanto, as opiniões são mais difusas em relação às variáveis perda de peso e hiperactividade. Alguns autores defendem que a perda acentuada de peso prediz uma fraca recuperação, podendo mesmo estar associada às recaídas (Casper & Jabine, 1996; Fichter & Quadflieg, 1999; Hsu et ai., 1979; Lówe et ai., 2001; Steinhausen et ai., 1991; Zipfel et ai., 2000), mas outros não comprovam esta relação (Hall et ai., 1984). A prática de exercício físico excessivo e a hiperactividade também não geram consenso, sendo possível encontrar estudos que lhe atribuem significado prognóstico (Casper & Jabine, 1996) e outros que não (Steinhausen et ai., 1991).

A presença de comorbilidade psiquiátrica (Eckert et ai., 1995; Fictcher & Quadflieg, 1999; Lówe et ai., 2001; Sunday et ai., 1996), em especial a sintomatologia

obsessiva-compulsiva (Steinhausen, 2002), tem sido descrita como outro factor prejudicial à recuperação da anorexia nervosa. Em termos psicológicos, o fraco ajustamento psicossocial (Lówe et ai., 2001; Ratnasuriya et ai., 1991; Zipfel et ai., 2000) e a baixa auto-estima (Button, 1983 cit in Button, 1990) apontam no mesmo sentido.

No rol dos factores familiares, o bom relacionamento entre as anorécticas e os pais é caracterizado, pela maioria dos estudos, como um factor de evolução positiva (Hsu et ai., 1979; Morgan et ai., 1983; Steinhausen et ai., 1991; Suematsu et ai., 1985). No entanto, um trabalho mais recente não confirma esta relação (Fichter & Quadflieg, 1999).

Por último, ao nível sócio-demográfico, podemos referir que a investigação é escassa, tornando-se prematuro tirar conclusões. O género não tem sido sistematicamente avaliado nos estudos de follow-up, devido ao reduzido número de rapazes presente nas amostras. Relativamente à classe social, os autores assumem posições contraditórias: uns associam a pior recuperação às classes sociais mais baixas (e.g. Hsu et ai., 1979) e outros não encontram qualquer relação entre estes dois factores (e.g. Morgan & Russell, 1975 cit in Gafinkel & Garner, 1982; Steinhausen &Glanville, 1983b).

Em suma, ao longo desta exposição encontrámos alguns factores que, com alguma consistência, se assumem de mau prognóstico na recuperação da anorexia nervosa, mas também podemos depreender alguma indefinição relativamente à possível influência doutros neste mesmo processo. Outra observação que decorre desta revisão é que os estudos mais recentes levantam algumas dúvidas relativamente a alguns consensos gerados no passado. Tal como referem Fichter e Quadflieg (1999, p.376): "Predictors found in earlier studies (e.g. age of onset, severity of illness, degree of weight loss) have not been confirmed in more recent studies. What seemed clear decades ago appears unresolved today". Tal sugere que os preditores podem não ser universais, variando em função das amostras e dos intervalos de tempo de follow-up considerados. Deste modo, há uma parte da variabilidade dos estudos que é justificada pelas próprias características dos preditores, ou seja, pelo facto destes exercerem uma influência diferente em fases de recuperação também elas diferentes, sendo uns mais relevantes nos primeiros anos da anorexia nervosa e outros mais a longo-prazo (Fichter & Quadflieg, 1999).

3.5.3.3. Reincidência

A ocorrência de recaídas após a recuperação dos sintomas da anorexia nervosa é um facto comummente aceite entre clínicos e investigadores, apesar de haver pouca documentação sobre esta questão. Na base deste vazio empírico encontra-se provavelmente a dificuldade em avaliar este conceito, em consequência da inexistência duma definição concreta aplicada a esta doença. Segundo Eckert et ai. (1995) uma verdadeira reincidência caracteriza-se pela redução do peso a valores abaixo do normal, associada à recorrência de outros sintomas típicos da anorexia nervosa. Todavia, para que se possa falar em recaída, é também fundamental que a recuperação de todos estes sintomas se tenha mantido pelo menos durante um ano.

No entanto, é precisamente a recaída precoce, isto é, logo no primeiro após a recuperação, que tem revelado valores superiores. Dez anos depois do tratamento, Eckert et ai. (1995) observaram que 37% das anorécticas que tinham alcançado um peso normal tinham recaído em menos de um ano. Comparativamente, a recaída tardia ocorreu em apenas 8% da amostra total; valor inferior ao de Theander (1970) com 94 anorécticas (12%). A taxa de reincidência mais elevada que encontrámos foi de 48%, obtida seis anos após o tratamento por Norring e Sohlberg (1993). Em tom de conclusão Eckert e seus colaboradores (1995) consideraram que os sujeitos que mantivessem o seu peso normal pelo período mínimo de um ano, teriam uma probabilidade menor de recorrência.

Outra questão que se levantada neste tipo de estimativa diz respeito à ausência de confirmação da prévia recuperação total. É possível que os sintomas mais evidentes como o peso e o período menstrual estejam compensados, mas persista a preocupação com o peso e a imagem corporal. Dificilmente se poderão considerar estes casos como recuperações absolutas, e consequentemente, não estarão em causa processos de recaída.

Sobre este tema fica então esta dúvida, à qual se pode ainda acrescentar outra interrogação ao nível das causas das reincidências.

3.5.3.4. Mortalidade

Há uma concordância geral relativamente ao facto da anorexia nervosa acarretar um risco considerável de morte. A discordância surge quando se pretende definir a magnitude desse risco. Em termos práticos, para que os estudos sejam comparáveis entre si, é necessário que todos confrontem o número de mortes

registadas, com o número de mortes esperadas na população saudável (i.e. ajustada ao sexo, idade e duração do estudo), obtendo assim a razão padronizada de mortalidade - a SMR34 (Patton, 1988; Sullivan, 1995).

A não utilização de valores padronizados pode estar na origem da grande variabilidade das taxas de mortalidade bruta (entre 0%-20%), detectada por Sullivan (1995) numa análise comparativa de 42 estudos. Nesta revisão, a taxa de mortalidade média calculada com base em todos os trabalhos e sem distinguir as causas de morte, foi de 5.9% de anorécticas35; a estimativa da taxa de mortalidade foi

aproximadamente 0.56% por ano. Procurando padronizar os resultados, Sullivan concluiu que a taxa de mortalidade anual foi duas vezes superior à dos doentes psiquiátricos (sexo feminino; 10-39 anos) e 12 vezes superior à população geral (sexo feminino; 15-24 anos).

Só mais recentemente é que as investigações começaram a estandardizar os resultados incluindo uma ponderação das mortes esperadas. O trabalho de Patton (1988) foi dos primeiros a ter este rigor e a SMR obtida indicou que a mortalidade na anorexia nervosa tinha sido seis vezes superior à da população padrão. A taxa de mortalidade bruta foi mais baixa relativamente à maioria dos trabalhos: 3.3%.

Ao longo da última década destacaram-se vários estudos que procuraram calcular a SMR com base em períodos de follow-up muito variáveis, entre 6 a 21 anos. Nos estudos com períodos mais extensos, de aproximadamente 20 anos, as SMR variaram entre 1.36 - 9.836 e as taxas de mortalidade bruta entre 4%-16% (Crisp,

Callender, Halek, & Hsu, 1992; Lõwe et ai., 2001). Nos períodos de follow-up mais curtos, entre 6 a 11 anos, as SMR dos estudos apresentaram valores entre 8.35 -17 e mortalidades brutas na ordem dos 5.1%-7.4% (Crow, Praus, & Thuras, 1999; Eckert et ai., 1995; Fichter & Quadflieg, 1999; Herzog et ai., 2000; Keel et ai., 2003).

Que conclusões se podem retirar destes resultados? De uma forma geral, denota-se que a mortalidade padronizada tende a aumentar à medida que o período de follow-up também se estende, indo de encontro a expectativa defendida por vários autores (e.g. Eckert et ai., 1995). Tal como salienta Sullivan (1995, p. 1073): "Because death is a probabilistic event, more deaths are expected over longer periods of time".

34 Tradução do termo "Standardized Mortality Ratio" (Stone et al., 1996/1999; traduzido por H. Barros). 35 Esta taxa média de mortalidade bruta foi semelhante à obtida recentemente por Steinhausen (2002), a

partir da revisão de 119 estudos - 5%.

36 O valor 9.8 de SMR significa que as anorécticas têm uma taxa de mortalidade 9.8 vezes superior à

esperada para a população padrão em questão (i.e., mulheres, com da mesma idade, do mesmo país e durante o mesmo período de tempo).

Todavia, é de considerar que a análise da SMR pode não ser suficiente para definir as taxas de mortalidade, uma vez que existem outros factores que podem influenciar o seu cálculo, como por exemplo, a severidade da doença nos sujeitos que compõem a amostra. A hospitalização pode ser associada a uma maior SMR (Harris & Barraclough, 1998) e, nesta linha de raciocínio, a selecção preferencial de amostras em contextos clínicos pode conduzir a uma sobre-estimativa da taxa de mortalidade (Korndorfer et ai., 2003; Palmer (2003).

Para além deste factor, poderão ainda interferir outros, tal como a idade dos sujeitos e a taxa de mortalidade da população (Emborg, 1999). Estes aspectos dificultam obviamente a comparabilidade dos valores padronizados.

Mesmo ponderando a hipótese das taxas estarem sobre-estímadas, existem poucos estudos que contrariam a percepção de que mortalidade é relativamente elevada na anorexia nervosa (Steinhausen, 2002). A consolidar esta percepção a mortalidade nesta doença tem-se revelado superior à observada na maioria das perturbações psiquiátricas (Harris & Barraclough, 1998; Keel et ai., 2003). Adicionalmente, o risco parece ser maior comparativamente com a bulimia nervosa (Crow et ai., 1999; Herzog et ai., 2000).

Relativamente às principais causas de morte na anorexia nervosa, entre elas destacam-se: a) o suicídio (Crisp et ai., 1992), por auto-envenenamento (Patton,

1988) e, em menor escala, por enforcamento e afogamento (Emborg, 1999); b) algumas complicações da doença, como a inanição, o desequilíbrio electrolítico e a desidratação (Crisp et ai., 1992; Zipfel et ai., 2000); c) a morte súbita, que se estima estar associada a taquiarritmias ventriculares (Herzog, Deter, Fiehn, & Petzold, 1997; Isner, Roberts, Heymsfield, & Yager, 1885); e d) o abuso crónico de álcool (Herzog et ai., 2000).

As novas evidências sobre as causas de morte sugerem que existem mais mortes por suicídio e menos mortes relacionadas com a patologia alimentar, contrariamente ao que previamente se pensava (Nielsen et ai., 1998). O estudo longitudinal de Herzog et ai. (2000) detectou uma SMR por suicídio de 58.1, que indica que o número de suicídios foi significativamente mais elevado do que o esperado. Este dado reforça a percepção de que as anorécticas têm taxas acrescidas de ideação e de tentativas de suicídio (Apter et ai., 1995; Favaro & Santonastaso, 1997).

No entanto, existem outros trabalhos que contestam estas conclusões, defendendo que as anorécticas não cometem mais suicídio comparativamente com

outros grupos não-anorécticos (Coren & Hewitt, 1998) ou psiquiátricos (Bulik, Sullivan, & Joyce, 1999).

Actualmente desconhece-se a verdadeira dimensão deste fenómeno, bem como os factores que o motivam (Favaro & Santonastaso, 1997). Pensa-se apenas que o suicídio nesta população possa constituir uma forma de rejeição da vida (não influenciada pela depressão), e não tanto uma contemplação ou atracção pela morte (Bachar et ai., 2002).

Retomando a questão da mortalidade em geral e focando agora os seus factores preditivos, os mais referenciados são o baixo peso (Herzog et ai., 1997; Nielsen et ai, 1998; Patton, 1988), a necessidade de internamento (Harris & Barraclough, 1998) e a admissão hospitalar recorrente (Patton, 1988). Entretanto, coloca-se a hipótese de existirem outros factores relacionados, como a longa duração da doença, a presença de comportamentos bulímicos e a comorbilidade do uso de substâncias e de perturbações afectivas, pois na sua globalidade têm sido altamente prevalentes em sujeitos com anorexia nervosa que faleceram (Herzog et ai., 2000).

3.6. REFLEXÕES FINAIS

Neste capítulo descrevemos o quadro clínico, o curso, o tratamento e a co- ocorrência de outras perturbações na anorexia nervosa. Do primeiro ponto podemos retirar duas conclusões principais: a primeira é que esta patologia alimentar tem um quadro clínico específico, com características singulares; a segunda é que a sua sintomatologia parece reforçar a sua própria continuidade. De facto, hoje teoriza-se que existe um ciclo vicioso na anorexia nervosa, segundo o qual as consequências da sub-nutrição perpetuam o comportamento patológico. Neste ciclo operam as alterações neuroendócrinas, as quais se estima terem um papel activo ao nível do apetite e das perturbações comportamentais (Kaye, 1992), mas outros factores, nomeadamente psicológicos, também parecem estar envolvidos: "The cognitive and behavioral effects of starvation are significant perpetuating factors in anorexia nervosa..." (Kaplan & Woodside, 1987, p.647).

Provavelmente estes reforçadores internos desempenham um papel mais importante na continuidade da doença, comparativamente com os reforçadores sociais. A motivação para a mudança é anulada pelos ganhos experienciais percebidos e o sofrimento subjacente parece estar diminuído pelo medo de se perder as sensações de valorização, protecção e auto-controlo que a anorexia proporciona

(Serpell, Treasure, Teasdale, & Sullivan, 1999). Hilde Bruch (1978) e Dulce Bouça (2000), ao trabalharem de perto com estes casos, espelharam muito bem esta dimensão nos títulos dos seus livros "The golden cage" e "Anorexia nervosa minha amiga", respectivamente.

Ainda a propósito do quadro clínico procurámos perceber quais as principais consequências ao nível físico e psicológico. A principal conclusão que retirámos é que são várias as possíveis complicações e que estas, na sua maioria, derivam das carências alimentares crónicas. Neste sentido, uma grande parte dos problemas físicos gerados re-equilibram-se com a recuperação ponderal e nutricional. No entanto, alguns podem persistir deixando danos irrecuperáveis. Estas situações são mais frequentes quando: a) a severidade da anorexia nervosa é mais acentuada, b) quando esta persiste por um maior número de anos, e c) quando o seu desenvolvimento decorre na infância ou na adolescência. Neste último caso, a perturbação alimentar pode comprometer o desenvolvimento pubertário, dando origem a uma retardação no crescimento e impedir, igualmente, a maturação neuronal, resultando consequências comportamentais e intelectuais para o sujeito.

Em termos psicológicos, os estudos que abordam as consequências a longo- prazo escasseiam, mas as evidências actuais apontam para a permanência de várias características de base, como a preocupação em torno da alimentação e do peso. Na nossa opinião, este facto sugere que mesmo após a recuperação sintomática da anorexia nervosa, a má relação com a alimentação mantém-se e, provavelmente, será algo com que a pessoa tenha que aprender a lidar durante toda a sua vida.

Neste capítulo abordámos também a comorbilidade da depressão e da ansiedade nesta doença. Concluímos que existem várias questões em aberto, desde a verdadeira extensão da comorbilidade até à natureza da relação existente, passando também pelas implicações ao nível do prognóstico.

Analisando o primeiro ponto, os estudos que utilizam grupos de controlo revelam a presença significativa da depressão em anorécticas e, consequentemente, a existência de comorbilidade entre ambas. No grupo geral das perturbações de ansiedade, os estudos comparativos têm reflectido resultados menos claros, mas ainda assim apontando para uma relação de comorbilidade, sobretudo, com a POC.

Analisando o segundo ponto - a natureza das relações de comorbilidade com a anorexia nervosa - a principal conclusão que se pode avançar é que existe um grande