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1ª Subsecção Tipicidade.

VI. Exercícios

1º exercício: A partir do caso nº 3, suponha que i) A, devido a hemorragia, desmaia na ambulância que o transporta ao hospital, vomita e morre; ii) durante o trajecto para o hospital, a ambulância choca com um camião que vinha fora de mão e A sofre ferimentos mortais; iii) após uma operação levada a efeito com êxito, A morre por infecção dos ferimentos; iv) momentos antes de deixar o hospital, A morre devido a um incêndio que se declara no quarto em que se encontra.

Tenha-se em atenção que o facto de uma pessoa ferida perder a consciência como consequência da perda de sangue e vomitar, seguindo-se-lhe a asfixia, não é improvável, é antes previsível. Isto vale também para a infecção da ferida. A morte de B, provocada por estas circunstâncias, deve imputar-se objectivamente a A. Nos outros casos, o resultado mortal fica a dever-se a um processo completamente inusitado e atípico, e nele não chega a concretizar-se o risco criado por A ao atirar o cutelo, mas um risco de outra natureza, que não tem nenhuma relação com a acção de A. O perigo, correspondente ao risco geral da vida, de ser vítima de um acidente de trânsito ou de ficar intoxicado pelo fogo não se cria nem aumenta sensivelmente por ter havido a agressão com o cutelo. Conforme à experiência geral, é improvável, sem mais, que uma lesão como essa tenha como consequência um resultado dessa espécie. Por conseguinte, a morte por acidente de B não deverá imputar-se a A como obra sua, mas ao condutor do camião. A só responde por homicídio tentado. O mesmo critério vale para a intoxicação mortal, a qual deverá imputar-se ao autor do incêndio como obra sua.

2º exercício: Durante uma festa que meteu bebidas em abundância, A, um dos convidados, deitou fogo ao andar superior da moradia. Em elevado estado de embriaguez, o filho do dono da casa subiu ao andar em chamas, para salvar alguém que por ali estivesse sem dar acordo de si, ou para retirar umas coisas valiosas, mas veio a morrer asfixiado, devido aos fumos. O primeiro problema que aqui intervém é o da livre e responsável auto-exposição ao perigo em relação com a imputação objectiva. Uma auto-exposição ao perigo plenamente responsável quebra a imputação aos outros intervenientes? Será que neste caso a intervenção do filho do dono da casa foi inteiramente livre? Cf. I. Puppe, p. 30. Outros casos de participação da vítima: o parceiro sexual que conscientemente tem relações com um infectado pelo HIV sem as cautelas próprias do safe sex; o caso de

quem vende a porção de heroína que causa a morte do viciado que com ela se injecta. Cf. Schünemann GA 1999, p. 222.

3º exercício: Ainda a propósito dos processos causais hipotéticos. Até que ponto a causalidade hipotética se sobrepõe à consequencialidade? pergunta a Prof. F. Palma. Veja-se o exemplo da derrocada na RPCC 9 (1999), p. 544, e as suas implicações. E leia- se Curado Neves, p. 394: "A verificação do curso hipotético dos eventos em caso de comportamento lícito alternativo do agente não desempenha qualquer papel na determinação da responsabilidade do autor do facto. Não influi sobre a caracterização da conduta típica ou sobre a existência de um desvalor de perigo; não é, também, relevante para a imputação do resultado."

4º exercício: Ainda os processos causais não verificáveis e certos casos de causalidade cumulativa. Pergunta, de novo, a Prof. F. Palma, loc. cit., p. 549: "Como se delimita a imputação objectiva nas situações em que uma pluralidade de causas concorre num evento? As causas cumulativas não anularão a possibilidade da própria imputação objectiva, paralisando o juízo de imputação em situações típicas das sociedades complexas (responsabilidade dos produtores e das empresas relativamente a danos ambientais, por exemplo)?". Como tratar a poluição dum rio, desde que haja muitos a contribuir para o efeito, como normalmente acontecerá? O legislador "foge" a estas questões criando crimes de dever e crimes de perigo que prescindem da imputação do resultado. Cf. Fernanda Palma, loc. cit., e Direito Penal do Ambiente — uma primeira abordagem, in Direito do Ambiente, 1994, p. 431.

VII. Indicações de leitura

• Acórdão do STJ de 29 de Julho de 1932, Col. Of., vol. 31: dando-se como demonstrado que a impossibilidade de trabalhar por toda a vida do ofendido era efeito de doença de que estava atacado — sífilis — e não efeito necessário do traumatismo, que simplesmente podia intervir como causa adjuvante, não deverá o ofensor ser incriminado pela infracção mais grave.

• Acórdão do STJ de 15 de Janeiro de 2002, CJ 2002, tomo I, p. 37: processo atípico; menor que quando brincava com outros dois num edifício em adiantado estado de construção, no 2º andar tocou num tijolo que, caindo, atingiu um deles, que se encontrava no rés-do-chão. A falta de sinalização do estaleiro não pode considerar-se causa adequada das lesões sofridas pelo menor.

• Acórdão da Relação de Lisboa de 2 de Dezembro de 1999, BMJ-492-480: não havendo na lei nada que faça presumir que a morte ocorrida após um acidente de viação é consequência deste, não tem cabimento a pretensão de que se considere verificado o referido nexo de causalidade por força das disposições legais relativas à prova por presunção, nomeadamente o artigo 349º do Código Civil. Numa área de grande melindre, em que são requeridos particulares conhecimentos científicos, a conclusão de que a morte do ofendido foi causada pelos ferimentos por ele sofridos no acidente há-de resultar da prova que constar dos autos e não do recurso a meros juízos de normalidade. Se da prova resultarem incertezas quanto às causas da morte não poderá estabelecer-se o nexo de causalidade por obediência ao princípio in dubio pro reo. Se o julgador divergir do estado de dúvida do perito (que no fundo afirmou que face aos elementos técnicos e científicos disponíveis não é possível estabelecer o nexo de causalidade), optando pela existência do nexo de causalidade, deverá fundamentar a divergência nos termos impostos pelo artigo 163º, nº 2, do CPP.

• Acórdão da Relação de Coimbra de 2 de Abril de 1998, CJ, 1998, tomo II, p. 56: crime de homicídio por negligência, prova pericial, falecimento por embolia pulmonar durante o tratamento de fracturas ósseas sofridas em acidente de viação.

• Acórdão do STJ de 7 de Dezembro de 1988, BMJ-382-276: homicídio qualificado; interrupção do nexo causal. A adequação a exigir não se deve estabelecer só entre a acção e o resultado, mas em relação a todo o processo causal.

• Acórdão da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 2000, CJ ano XXV (2000), tomo I, p. 215: artigo 563º do Código Civil; causalidade indirecta; concurso real de causas.

• Acórdão do STJ de 2 de Junho de 1999, BMJ-488-168: causalidade adequada e perda de

instrumentos do crime de tráfico de estupefacientes.

• Alfonso Serrano Maíllo, Ensayo sobre el derecho penal como ciencia, Madrid, 1999. • Bernardo Feijóo Sánchez, Teoria da imputação objectiva, trad. brasileira, 2003. • Bernd Schünemann, Über die objektive Zurechnung, GA 1999, p. 203. • Bockelmann/Volk, Strafrecht. Allgemeiner Teil, 4ª ed., 1987.

• Carlota Pizarro de Almeida, Imputação objectiva. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 1988, in Casos e materiais de direito penal, p. 299.

• Carmen Gómez Rivero, Zeitliche Dimension und objektive Zurechnung, GA 2001, p. 283.

• Claus Roxin, Reflexões sobre a problemática da imputação em direito penal, in Problemas fundamentais de direito penal, p 145 e ss.

• Cuello Calón, Derecho Penal, t. I (Parte general), vol. 1º, 16ª ed.

• Gimbernat Ordeig, Delitos cualificados por el resultado y causalidad, 1990.

E. Gimbernat Ordeig, Causalidad, omisión e imprudencia, in Ensayos penales, Tecnos, 1999.E. Gimbernat Ordeig, Qué es la imputación objetiva?, in Estudios de derecho penal, 3ª ed., 1990. • Eduardo Correia, Crime de ofensas corporais voluntárias, CJ, ano VII (1982), tomo 1.

• Eduardo Correia, Direito Criminal, I, reimp., 1993.

• Eser/Burkhardt, Derecho Penal, Cuestiones fundamentales de la Teoría de Delito sobre la base de casos de sentencias, Ed. Colex, 1995.

• Haft, Strafrecht, AT, 6ª ed., 1994.

• Faria Costa, O Perigo em Direito Penal, especialmente, p. 471 e ss. e p. 542 e ss.

• Gomes da Silva, Direito Penal, 2º vol. Teoria da infracção criminal. Segundo os apontamentos das Lições, coligidos pelo aluno Vítor Hugo Fortes Rocha, AAFD, Lisboa, 1952.

• H.-H. Jescheck, Lehrbuch des Strafrechts: Allg. Teil, 4ª ed., 1988, de que há tradução espanhola. • Hans Welzel, Das Deutsche Strafrecht, 11ª ed., 1969, de que há tradução para o espanhol. • Ingeborg Puppe, Die Lehre von der objektiven Zurechnung, Jura 1997, p. 408 e ss.

• Ingeborg Puppe, La imputación objectiva. Presentada mediante casos ilustrativos de la jurisprudencia de los altos tribunales. Granada, 2001.

• Ingeborg Puppe, Strafrecht Allgemeiner Teil im Spiegel der Rechtsprechung, Band I, 2002.

• J. Seabra Magalhães e F. Correia das Neves, Lições de Direito Criminal, segundo as prelecções do Prof. Doutor Beleza dos Santos, Coimbra, 1955, p. 71 e ss.

• Joachim Hruschka, Regreßverbot, Anstiftungsbegriff und die Konsequenzen, ZStW 110 (1998), p. 581.

• João Curado Neves, Comportamento lícito alternativo e concurso de riscos, AAFDL, 1989.

• Johannes Wessels, Strafrecht, AT-1, 17ª ed., 1993: há tradução para português de uma edição anterior.

• Jorge de Figueiredo Dias, Textos de Direito Penal. Doutrina geral do crime. Lições ao 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, elaboradas com a colaboração de Nuno Brandão. Coimbra 2001.

• Jorge Ferreira Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, dissertação de doutoramento, 1989, esp. p. 267 e ss.

• José Carlos Brandão Proença, A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, dissertação de doutoramento, 1997, esp. p. 425 e ss.

• José Cerezo Mir, Curso de Derecho Penal Español, parte general, II, 5ª ed., 1997.

José Henrique Pierangeli, Nexo de causalidade e imputação subjectiva, in Direito e cidadania, ano V, nº 15 (2002), Praia, Cabo Verde.

• José Manuel Paredes Castañon, El riesgo permitido en Derecho Penal, 1995. • Juan Bustos Ramírez, Manual de derecho penal español. Parte general, 1984, p. 170. • Kienapfel, Grundriß des österreichischen Strafrechts, BT, I, 3ª ed.

• Kristian Kühl, Strafrecht, Allgemeiner Teil, 1994. • Luzón Peña, Curso de Derecho Penal, PG I, 1996.

• Miguel Díaz y García Conlledo, "Coautoria" alternativa y "coautoría" aditiva, in Política criminal y nuevo Derecho Penal. Libro Homenaje a Claus Roxin, 1997.

• Mir Puig, Derecho Penal, parte especial, Barcelona, 1990.

• Rui Carlos Pereira, Crimes de mera actividade, Revista Jurídica, nº 1 (1982).

• Stefan Amsterdamski, Causa/Efeito, na Enciclopédia Einaudi, volume 33. Explicação. • Udo Ebert, Strafrecht, AT, 2ª ed., 1992.

• v. Heintschel-Heinegg, Prüfungstraining Strafrecht, Band 2, 1992.

§ 5º O tipo subjectivo: o dolo e outras características subjectivas.

I. Generalidades.

Ao dolo, entendido como elemento subjectivo geral, chamamos dolo-de-tipo.

Tomemos de novo o exemplo do artigo 131º: “Quem matar outra pessoa…”, pondo-o em confronto com o artigo 137º: “Quem matar outra pessoa por negligência…”. Tanto num caso como no outro, o legislador descreve o resultado típico, a morte de outra pessoa, contentando-se com acentuar no artigo 137º que a correspondente reacção criminal (pena de prisão até 3 anos ou pena de multa) cabe ao crime cometido por

negligência.

Se agora repararmos no teor do artigo 13º: “só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”, detectamos desde logo o carácter de numerus clausus (princípio da excepcionalidade da punição das condutas

negligentes) reservado aos crimes cometidos por negligência. Por outro lado, o dolo

forma a característica geral do tipo subjectivo do injusto e a base para a imputação subjectiva do resultado típico. Ora, o legislador, tratando-se de crime doloso, qualquer que ele seja, limita-se a descrever os correspondentes elementos objectivos —o lado subjectivo fica implicitamente reservado ao dolo como elemento subjectivo geral, i. e como característica geral do tipo subjectivo do ilícito. Por isso mesmo, o artigo 131º deverá ser lido como se rezasse: “Quem [dolosamente] matar outra pessoa…”, mas dá no mesmo dizer: “Quem matar outra pessoa…”.

Certos tipos de crime descrevem determinadas características subjectivas específicas, que não se confundem com o dolo. Ainda assim, por vezes, no tipo

descrevem-se certas circunstâncias subjectivas, como a intenção de apropriação no furto (artigo 203º, nº 1), que se não identificam com o dolo, entendido como elemento subjectivo geral, quer dizer: como dolo de tipo. A opinião geral é que elementos

subjectivos como estes formam parte integrante do tipo de ilícito como características que aí têm o seu carácter próprio e se situam de forma autónoma ao lado do dolo de tipo (Wessels, AT, p. 61). O legislador serve-se desses elementos subjectivos que contribuem para caracterizar a vontade do agente contrária ao direito e que se repercutem nos modos de cometimento do crime, no objecto da acção e no próprio bem jurídico (cf. Jescheck, p. 284; Wessels, AT, p. 61; e Teresa Serra, Homicídio qualificado, p. 32). São elementos subjectivos específicos de certas classes de crimes dolosos. Veja-se igualmente a

intenção de obter enriquecimento ilegítimo, que é própria da burla (artigo 217º, nº 1) ou

da extorsão (artigo 223º, nº 1), e a intenção de obter benefício ilegítimo, que caracteriza o crime de falsificação documental (artigo 256º, nº 1). No furto, a ilegítima intenção de apropriação é a circunstância de ordem subjectiva que, uma vez presente, faz com que tanto a subtracção de uma viatura como a dum livro possam envolver-se no ilícito consumado do artigo 203º, nº 1, mas que, faltando —e concorrendo os restantes factores do crime de furto de uso—, atira a situação para o artigo 208º (furto de uso de veículo) no caso da subtracção da viatura, deixando impune a do livro.

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