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Qual o sentido da norma penal? Quem são os destinatários das normas penais:

2ª Secção O facto doloso por acção na forma consumada.

III. Estrutura e elementos do ilícito

2. Qual o sentido da norma penal? Quem são os destinatários das normas penais:

apenas aqueles que têm capacidade para lhes desobedecer, ou a generalidade dos cidadãos? O carácter “impessoal” do ordenamento jurídico objectivo em contraposição com a culpabilidade.

Com a bibliografia relativa ao tema do correcto destinatário da norma pode formar-se uma pequena biblioteca. A. Kaufmann, Teoría de las normas, Buenos Aires, 1977, p. 162.

À primeira vista, a norma penal nada mais representa do que um comando — é uma

norma de determinação. O artigo 131º determina: “não deves matar”; o artigo 200º

exprime uma ordem com o seguinte sentido: “deves prestar auxílio”. Compreende-se por isso que uma doutrina muito difundida encare as regras jurídico-penais como imperativos. ”A fórmula quer dizer que as regras jurídicas exprimem uma vontade da comunidade jurídica, do Estado ou do legislador. Esta vontade dirige-se a uma determinada conduta dos cidadãos e exige esta conduta com vista a determinar a sua realização. Enquanto vigorarem, os imperativos jurídicos têm força obrigatória. (…). A partir daqui, a teoria imperativa proclama que, de acordo com a sua substância, o direito consiste em imperativos e só em imperativos”. Cf. Engisch, Einführung, p. 22. Para uma teoria destas, a ameaça da pena pretende determinar, motivar os cidadãos para que se abstenham de cometer crimes. Todavia, deste modo não se explica o carácter ilícito das condutas de inimputáveis e em geral dos que actuam sem culpa, tornando impossível a distinção entre ilicitude e culpa, já que numa tal perspectiva o imperativo dirige-se apenas e vincula unicamente a vontade daqueles que “são capazes de o conhecer, de o compreender e de o seguir” (Luzón Peña, p. 340; cf., também, Bockelmann / Volk, p. 34).

Numa outra concepção, os imperativos e as proibições cominadas penalmente vão dirigidos à generalidade dos cidadãos, sem distinguir se estes são susceptíveis de culpa ou não, “não só para deixar claro qual é a conduta de modo geral proibida, como também entre outras coisas porque por vezes e em certa medida também os inimputáveis se deixam determinar ou motivar pela norma penal. Mas em qualquer caso, embora os não culpáveis só anormalmente sejam acessíveis ou praticamente inacessíveis à norma penal (problema de culpa), isso não significa que não actuem de modo contrário à mesma, já que os respectivos comportamentos estão proibidos para todos. Portanto, a norma a que

o acto antijurídico se opõe é também norma — objectiva, geral — de determinação” (Luzón Peña). Esta perspectiva tem a vantagem de possibilitar a distinção entre ilicitude e culpa, essencial para a moderna teoria do crime.

Na realidade, as normas penais são normas de determinação (tu não deves matar), mas são igualmente normas de valoração (não se deve matar): são modelos de comportamento, na medida em que contêm uma ordem objectiva para a vida em sociedade. Ao exprimirem aquilo que a ordem jurídica tem como juridicamente correcto e, simultaneamente, aquilo que é desaprovado, dão aos seus destinatários indicações a respeito da forma como se devem comportar. E porque assim exprimem também um juízo sobre a conduta humana, as normas de direito penal contêm juízos de desvalor: a desaprovação que comportam exprime-se por sua vez através da cominação de uma pena. Naturalmente que, como se começou por acentuar, a norma —que não desaprova factos, mas condutas— tem igualmente um elemento imperativo, e a conjugação destas duas ideias merece ser um pouco mais desenvolvida. Seguindo a exposição de Bockelmann / Volk: a norma não diz, por ex.: “as pessoas não devem morrer antes da sua hora”, pois se assim fosse entendida, a vida de uma pessoa aniquilada por um raio, por ocasião dum desabamento de terras ou numa avalanche, seria também objecto desse desvalor. Mas não é assim que compreendemos a norma, os acontecimentos naturais não comportam este tipo de valoração penal. Só assim valoramos os comportamentos humanos, mas nem todos, como já se viu. Por isso mesmo, a norma também não pode ser entendida com o seguinte sentido: “As pessoas não devem dar causa a resultados lesivos”, pois nela ficaria incurso todo aquele que num simples movimento reflexo, por ex., num ataque de epilepsia, partisse um vaso de flores alheio. A norma deverá antes comportar um sentido como este: “As pessoas devem fazer isto e não aquilo, devem actuar assim ou não devem actuar assim”. Uma tal norma será portadora não só de uma valoração como também de um imperativo, será uma norma de proibição ou um comando. Ora, “os comandos e as proibições do Direito têm as suas raízes nas chamadas normas de valoração”, de modo que a força de imperativo da norma penal, ao não reflectir uma pura arbitrariedade, obedece a um prius lógico, “obedece normalmente a prévias reflexões ou valorações” (Luzón Peña; Mezger) — “um prius lógico do Direito como norma de determinação é sempre o Direito como norma de valoração, como

“ordenação objectiva da vida” (Engisch, p. 28), ou, como escreve Jorge de Figueiredo Dias, O problema da consciência da ilicitude em direito penal, 3ª ed., 1987, p. 129, “a norma imperativa ou de determinação supõe sempre logicamente uma norma de valoração que a antecede ou, quando menos, coexiste com aquela, sendo a determinação proposta, uno acto, com a valoração”. Assim entendida, a norma é “um imperativo generalizador” (Bokelmann / Volk, p. 35), o seu destinatário é, por conseguinte, e em primeira linha, o conjunto dos que integram uma comunidade jurídica, estabelecendo-se uma máxima de carácter geral donde resulta, por assim dizer, a dedução das linhas directoras da conduta dos indivíduos (“Tu não deves fazer aquilo que se não deve fazer”). Nas palavras do Prof. Faria Costa, O perigo, p. 409, sendo a função de valoração um prius lógico e temporal relativamente à função de determinação, isso faz com que “o juízo sobre o ilícito esteja ligado à função de valoração de um modo objectivo, na medida em que subjaz a todas as acções humanas, a todos os factos da vida independentemente da sua capacidade”. Ora, se num determinado caso não for possível dirigir um juízo de censura ao agente, se não for possível censurar aquele que violou a norma penal, por ter actuado sem culpa, fica excluída a pena, mas continua a existir um juízo de desvalor sobre o facto —a conduta é uma conduta ilícita. Estas diferenças fazem com que tenhamos que separar os elementos que pertencem à ilicitude dos que pertencem à culpa. (9) Fazem parte da antijuridicidade todos aqueles factores (e só eles)

de cuja presença resulta ser a conduta concreta do agente alvo da desaprovação prevista na norma. Na categoria da culpa integram-se todos aqueles outros momentos que justificam dirigir-se um juízo de reprovação ao agente (cf. Bokelmann / Volk, p. 36). O deslindar conceptual entre as normas jurídicas como normas de valoração que se dirigem

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Quanto a esta matéria, uma das exposições mais conhecidas é a de Mezger, Derecho Penal, p. 133 e ss.), que distingue entre normas objectivas de valoração e normas subjectivas de determinação. As normas de direito aparecem como juízos a respeito de determinados acontecimentos e estados do ponto de vista do direito. Objecto desta valoração pode ser tanto a conduta de pessoas capazes ou incapazes de acção, culpáveis ou não culpáveis, os acontecimentos ou estados do mundo circundante, etc. A esta concepção do direito corresponde a antijuricidade (primeiro pressuposto da norma jurídico-penal), ou seja: o do ilícito como uma lesão das normas jurídicas de valoração. Das normas objectivas de valoração deduzem- se as normas subjectivas de determinação, que se dirigem ao concreto súbdito do direito. A lesão destas normas é de importância decisiva para determinar a culpa.

a “todos” e a norma de dever como norma de determinação que se dirige “só” a quem está obrigado, torna possível o contraste entre os pressupostos básicos do delito, entre a antijuricidade objectiva e a censura pessoal (cf. A. Serrano Maíllo, p. 325).

É na categoria do ilícito que se reflecte de modo directo a tarefa do Direito Penal: impedir as condutas socialmente danosas não evitáveis de outro modo. Já se observou que nem toda a conduta típica é uma conduta punível. Ainda que realizada, a proibição geral de matar (na manifesta simplicidade da expressão literal do artigo 131º: "Quem matar outra pessoa...") pode estar justificada por legítima defesa, por uma

causa de justificação, que em nada afecta a tipicidade da conduta, ainda que excluindo a sua ilicitude, ou

seja, a sua antijuridicidade ou contradição com o direito. Quem se defende realiza o tipo do homicídio mas não será punido porque não actuou de forma ilícita. Por conseguinte, ao analisarmos a punibilidade de uma conduta devemos examinar sempre, após a comprovação da tipicidade, se concorre no caso uma eximente da ilicitude. "O injusto implica a desaprovação do facto como socialmente danoso em sentido penal, enquanto que a afirmação da tipicidade comporta um mero indício — um indício provisório do juízo de antijuridicidade, que se pode refutar em cada caso concreto. Consequentemente, é na categoria do ilícito que se exprime de modo directo a tarefa do Direito Penal: impedir as condutas socialmente danosas não evitáveis de outro modo" (Roxin, in Introducción, p. 38).

3. O tipo objectivo. Consideremos o artigo 212º, nº 1: “Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia é punido…”. A palavra “quem” aponta o sujeito do crime, o seu autor. Para a acção e o resultado apontam os termos “destruir, danificar, desfigurar, tornar não utilizável”. O objecto da acção é uma coisa alheia. Trata-se aqui de um crime comum, que poderá ser cometido por qualquer pessoa, em contraste com os crimes específicos ou especiais (delicta propria), em que a lei menciona expressamente as pessoas qualificadas para serem autores, só elas podendo ser autores. Por ex., sujeito de um crime de atestado falso do artigo 260º, nº 1, só poderá ser uma das pessoas nele mencionadas: médico, dentista, enfermeiro, parteira, etc. —é um crime específico. Já o crime do respectivo nº 4 (“quem fizer uso dos referidos certificados ou atestados…”) é crime comum. Nos casos em que a norma exige um certo resultado estaremos perante um crime de resultado, que se deverá distinguir dos crimes de mera actividade, como é o crime de violação de domicílio (artigo 190º). Os crimes de resultado tanto podem ser de resultado de dano como de resultado de perigo. É matéria já abordada e de que mais adiante afinaremos conceitos. Mas não se esqueça que a tarefa de imputar um determinado resultado à actuação de um sujeito, como “obra” deste, tem a ver com a parte geral do Código. Ao lado do autor do crime, do resultado e do

correspondente nexo de imputação, pertencem ainda ao tipo outras circunstâncias típicas, “que caracterizam mais pormenorizadamente a acção do agente” (Roxin, AT, p. 244). Veja-se o caso da usura (artigo 226º) e a quantidade de características típicas exigidas para o crime se consumar. Uma particular atenção merece a distinção entre elementos típicos descritivos e normativos. Diz Mezger, p. 147, quanto aos elementos

típicos normativos, que “o juiz deve realizar um juízo ulterior relacionado com a situação

de facto”, são portanto aquelas características cuja presença supõe uma valoração. “Edifício” ou “construção” (artigo 272º, nº 1), “subtracção” (artigo 203º, nº 1) são

elementos descritivos —“designam “descritivamente” objectos reais ou objectos que de

certa forma participam da realidade, isto é, objectos que são fundamentalmente perceptíveis pelos sentidos ou por qualquer outra forma percepcionáveis” (Engish,

Introdução ao pensamento jurídico, p. 210). Palavras como “alheio” (artigo 203º, nº 1),

“acto sexual de relevo” (artigo 163º, nº 1), “doença contagiosa” (artigo 283º, nº 1), ”ou “honra” (artigo 180º, nº 1) exigem ulteriores diferenciações, são características normativas. Em situações como a do artigo 386º ou do artigo 255º é a própria lei que adianta a definição, por ex., a de “funcionário”, no primeiro caso, ou de “documento”, no segundo.

4. O tipo subjectivo. Como se viu, acabou por se impor a perspectiva de um tipo com

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