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Ilicitude, justificação Tipo de ilícito, tipo de justificação; elementos objectivos e subjectivos; limitações ético-sociais.

2ª Subsecção Ilicitude.

I. Ilicitude, justificação Tipo de ilícito, tipo de justificação; elementos objectivos e subjectivos; limitações ético-sociais.

CASO nº 25: T, indivíduo franzino e de poucas forças, quando se encontrava na casa de O2 começou a ser agredido sem motivo por O1, indivíduo de porte atlético. T bem podia ter fugido da dependência e da própria casa de O2, logo que foi ameaçada a sua integridade física. Em vez disso, porém, pegou num vaso de flores que se encontrava ali à mão e arremessou-o contra O1. O vaso atingiu O1 no peito, as flores bateram-lhe na cara. O1 tropeçou e caiu no chão. Sofreu uma ferida contusa. O vaso caiu e desfez-se em cacos. T previu tudo isso.

Devemos começar por distinguir entre o que aconteceu com O1 e o que aconteceu com O2. Recomenda-se que se comece com O1, por se tratar do crime mais grave (artigo 143º do Código Penal). O artigo 143º, nº 1, corresponde ao crime fundamental de ofensas corporais, pelo que, se houver uma circunstância qualificativa, esta não deverá ser descurada. Havendo, pelo contrário, uma causa de justificação, o ilícito não se verifica. O tipo objectivo do crime fundamental contra a integridade física (artigo 143º, nº 1) mostra-se preenchido. Não há razões para pôr em dúvida que o ferimento sofrido por O1 é imputável a T. A vertente subjectiva do ilícito está, do mesmo modo, preenchida. T previu o resultado, a ofensa contra a integridade física, como consequência da sua descrita actuação.

Pode todavia acontecer que o facto se encontre justificado. Uma justificação da ofensa corporal de O1 não se encontra excluída. Os pressupostos de justificação do dano podem ser no entanto diferentes e podem até não ocorrer. De qualquer forma, as situações não devem ser confundidas.

A ofensa corporal de O1 poderá ser especialmente justificada por legítima defesa (artigos 31º, nºs 1 e 2, a), e 32º). Da actuação atribuível a O1 surgiu um perigo para a integridade física de T. O1 agrediu, no sentido do artigo 32º. A agressão era actual, face à imediata ameaça da integridade física de T, e era ilícita — O1 não tinha o direito (não tinha nenhum direito) de empregar a força contra T. Este encontrava-se em situação de legítima defesa. Nesta situação, o arremesso do vaso de flores representava uma actuação defensiva em princípio adequada perante a agressão. Era, por outro lado, o meio mais suave para a defesa. O1 era fisicamente muito mais possante e T limitou-se a atirar-lhe com o vaso ao peito — e não, por ex., à cabeça. A defesa escolhida por T foi o meio necessário no sentido do artigo 32º. Mostram-se preenchidos os pressupostos objectivos do tipo justificador.

Contra esta solução não se pode objectar que T se poderia ter posto em fuga (commodus discessus). Em situação de legítima defesa, a defesa é sempre permitida. Não é caso de introduzir na discussão as limitações "ético-sociais" para que, hoje em dia, tanto se chama a atenção. Num caso regra, como este é, o defendente tem o direito de praticar todos os actos de defesa idóneos para repelir a agressão, desde que não lhe seja possível recorrer a outros, também idóneos, mas menos gravosos para o agressor. A situação não está sujeita a quaisquer limitações decorrentes da comparação dos bens jurídicos, interesses ou prejuízos em causa, nem T estava obrigado a evitar a agressão através da fuga, por mais cómodo e possível que isso fosse.

Como já se disse, o artigo 32° do Código Penal exige, para que se verifique legítima defesa, que a conduta do agente tenha sido meio necessário para repelir uma agressão. A exigência de o facto ser praticado como meio necessário — de defesa — para impedir a agressão implica a necessidade de o agente actuar com animus defendendi. As condições deste (i. é, as condições subjectivas de justificação do facto por legítima defesa) encontram-se também satisfeitas: o defendente agiu com vontade de defesa.

Há certas causas justificativas, por ex., a legítima defesa, relativamente às quais se põe o problema de saber se bastará, do lado subjectivo, o conhecimento pelo agente da situação justificadora, ou será ainda necessário um certo animus ou intenção de actuar no sentido da licitude (cf. Figueiredo Dias, Pressupostos da punição, in Jornadas de Direito Penal, CEJ, 1983, p. 61).

T conhecia a situação de legítima defesa e estava igualmente ciente da forma e da medida

defensiva por si escolhida. A lesão corporal de O1 está consequentemente justificada por legítima defesa (artigos 31º, nºs 1 e 2, a), e 32º).

Como fizemos noutros casos, devemos agora apreciar o que se passou com O2. Está em causa o dano causado por T.

O tipo objectivo do artigo 212º do Código Penal mostra-se preenchido. O vaso foi destruído por acção de T. Também o lado subjectivo se encontra preenchido. T previu a destruição do vaso, que é coisa móvel alheia, em consequência da sua actuação. Não é necessário um dolo específico quando se trata de crime de dano.

É caso para averiguar se ocorre alguma causa de justificação. A justificação já atendida (por legítima defesa) não se estende a este caso, ainda que se trate sempre da mesma acção. O vaso pertencia a O2 e este não praticou qualquer agressão.

Os pressupostos do artigo 34º (direito de necessidade) estarão presentes?

O estado de necessidade surge quando o agente é colocado perante a alternativa de ter de escolher entre cometer o crime, ou deixar que, como consequência necessária, se o não cometer, ocorra outro mal maior ou pelo menos igual ao daquele crime. Depende ainda da verificação de outros requisitos, como a falta de outro meio menos prejudicial do que o facto praticado e a probabilidade da eficácia do meio empregado (ac. da Relação do Porto de 2 de Janeiro de 1984, in Simas Santos-Leal Henriques, Jurisprudência Penal, p. 131). O direito de necessidade, justificado embora por razões de recíproco solidarismo entre os membros da comunidade jurídica, tem em todo o caso de recuar perante a possibilidade de violação da dignidade e da autonomia ética da pessoa de terceiro (exigibilidade ético-social do sacrifício imposto: cf. Figueiredo Dias, Jornadas CEJ, p. 63).

Todavia, o estado de necessidade, contrariamente ao que ocorre com a legítima defesa, é eminentemente subsidiário. Não existe se o agente podia conjurar o perigo com o emprego de meio não ofensivo do direito de outrem. "A própria possibilidade de fuga (recaindo o perigo sobre bem ou interesse inerente à pessoa) exclui o estado de

necessidade, pois tal recurso, aqui, não representa uma pusilanimidade ou conduta infamante" (Nelson Hungria, cit. em Leal Henriques-Simas Santos, O Código Penal de 1982, 1º vol., comentário ao artigo 34º). Cf., ainda, J. Hruschka, Strafrecht, p. 18. Consequentemente, não se encontra, por esta via, justificado o crime de dano do artigo 212º.

Repare-se, para terminar, que também o consentimento (artigo 38º) exclui a ilicitude do facto. Ao consentimento efectivo é equiparado o consentimento presumido, definido nos nºs 1 e 2 do artigo 39º. Atendendo, todavia, à escassez da matéria de facto, não nos será razoavelmente permitido supor que O2, o dono do vaso, teria eficazmente consentido. O Código não dispõe de uma norma geral sobre os elementos subjectivos das causas de justificação, mas o artigo 38º, nº 4, estabelece que no caso de o consentimento não ser conhecido do agente, este será punível com a pena aplicável à tentativa. A punibilidade da tentativa explica-se por o desvalor de resultado ser compensado pela ocorrência da situação objectiva justificante, mas é duvidoso que este regime, consagrado para o consentimento, valha analogicamente, para as restantes causas de justificação (cf. Rui Carlos Pereira, Justificação do facto e erro em direito penal; Raúl Soares da Veiga, Sobre o consentimento desconhecido, RPCC, ano 1 (1991), p. 327).

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