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Ao contrário da autoritária Wehrm acht alem ã, o exército da livre e dem ocrática Am érica tinha pouco uso para o pensam ento independente.

Logo após a Prim eira Guerra Mundial, Eisenhower, na época um oficial de baixa patente dotado de algum a experiência com as novas arm as cham adas de tanques, publicou um artigo no Infantry Journal do exército am ericano apresentando o m odesto argum ento de que “o avanço desaj eitado, inepto, de

lesm a dos antigos tanques deve ser esquecido e, em seu lugar, devem os im aginar essa veloz, confiável e eficiente m áquina de destruição”. Eisenhower foi repreendido. “Disseram que m inhas ideias não só estavam erradas com o tam bém eram perigosas e que dali em diante era m elhor guardá-las para m im m esm o”, recordou. “Particularm ente, que não publicasse nada incom patível com a sólida doutrina da infantaria. Se fizesse isso, seria levado perante a corte m arcial.”15

No exército, os subordinados deviam bater continência e obedecer aos superiores sem questionar. As ordens eram longas e detalhadas — “as ordens para o desem barque das forças am ericanas no norte da África eram do tam anho de um catálogo da Sears”, escreveu Jörg Muth — e deixavam pouca m argem para a iniciativa individual.16 Havia oficiais am ericanos inteligentes e criativos, m as eles valorizavam a iniciativa individual a despeito de seu treinam ento, não por causa dele. George Patton era um caso desses. “Nunca diga às pessoas com o fazer as coisas”, escreveu, capturando sucintam ente o espírito do Auftragstaktik: “Diga-lhes o que fazer, e você ficará surpreso com a engenhosidade delas”.17

O am igo de longa data de Patton, Dwight Eisenhower, era outro. Com o Moltke, Eisenhower sabia que nada era certo. Seu prim eiro ato após dar a ordem irrevogável para prosseguir com a invasão do Dia D foi escrever um bilhete assum indo responsabilidade pessoal, a ser encam inhado na eventualidade de um fracasso. Com o Moltke, cuj a personalidade calada, quase serena, era fam osa, Eisenhower com preendia que um a postura tranquila e segura podia ser m ais efetiva em dissem inar a confiança e levantar o m oral do que fazer falsas alegações de certeza. Na privacidade, Eisenhower podia ser um suj eito m al- hum orado e taciturno que fum ava um cigarro atrás do outro. Com as tropas, sem pre tinha um sorriso e um a palavra de tranquilização.

Eisenhower esperava tam bém que seus oficiais se engaj assem em um debate franco. Ele respeitava críticas bem fundam entadas e erros prontam ente adm itidos. Em 1954, quando era presidente, o chefe de estado-m aior das forças arm adas, Matthew Ridgway, aconselhou contra a intervenção no Vietnã, dizendo que exigiria um esforço gigantesco de m ais de m eio m ilhão de soldados. Eisenhower respeitava a avaliação de Ridgway, porque em 1943 o general de divisão resistira a sua ordem de lançar um ataque aéreo contra Rom a e Eisenhower m ais tarde concluiu que Ridgway estava com a razão.18

Após a Segunda Guerra Mundial, o exército am ericano dem orou para aprender as lições da Wehrm acht. Foi o novo exército israelense que apreciou o valor da iniciativa individual. “Planos são m eram ente um a plataform a para a m udança” era um slogan popular das Forças de Defesa de Israel da época. Um oficial israelense, ao com entar sobre o desem penho de um a divisão na guerra de 1956 com o Egito, observou orgulhoso que “quase todos os planos foram frustrados durante o com bate, m as todos os obj etivos foram plenam ente atingidos

— e m ais rápido do que o esperado”. O sistem a israelense, porém , não era explicitam ente calcado em nenhum m odelo estrangeiro, “quando m ais não fosse, sim plesm ente porque o Auftragstaktik alem ão j am ais poderia ser adm itido”.19

O m om ento do Auftragstaktik finalm ente chegou no início dos anos 1980. As tensões da Guerra Fria estavam crescendo e os soviéticos contavam com im ensa superioridade num érica de hom ens e tanques, forçando a Otan a conseguir m ais com m enos. Os generais nos Estados Unidos pesquisaram os escritos de historiadores e teóricos e exam inaram a experiência israelense. Alguns até consultaram antigos generais da Wehrm acht. Em 1983, o Auftragstaktik se tornou parte da doutrina am ericana oficial.

Se o exército é tão descentralizado quanto deveria é algo discutível, m as a iniciativa dos com andantes no local sem dúvida produziu grandes sucessos na era m oderna. Durante a invasão do Iraque em 2003, conform e as tropas iraquianas se esfacelavam no vasto deserto e as forças am ericanas se aproxim avam de Bagdá, e havia tem ores de que um a opressiva guerra urbana se seguiria, um a incursão posteriorm ente cham ada de “Thunder Run” (corrida trovej ante) consistiu de um a coluna pesadam ente blindada avançando pelas ruas principais para o aeroporto recém -capturado. As forças iraquianas foram pegas com a guarda totalm ente baixa e a coluna triunfou com a perda de um único veículo. Dois dias m ais tarde, um a brigada inteira conduziu um a corrida trovej ante ao longo da m esm a rota, m as fazendo um desvio pelo principal bairro do governo — que foi capturado e dom inado, assegurando o rápido colapso das defesas do Iraque. Fundam ental para a vitória foi a delegação de poderes aos com andantes em solo, que tom aram as decisões críticas — inclusive a coraj osa escolha de perm anecer no distrito do governam ental, a despeito de estarem quase sem m unição.

A insurgência que floresceu após a queda de Bagdá não foi prevista pela liderança m ilitar, e por m eses, até anos, eles fizeram pouca ideia de com o reagir. Os com andantes no local se em penharam em lidar com a questão da m elhor form a possível. Na cidade de Mossul, no norte do Iraque, o general David Petraeus, com andante da 101a Divisão Aerotransportada, baseou-se em seu extenso conhecim ento de história m ilitar para im provisar estratégias que, assim esperava, iriam “salvaguardar e servir” o povo da cidade e desse m odo negar o apoio popular aos insurgentes. Tudo por iniciativa própria. “Petraeus inform ou o que estava planej ando a seus superiores em Bagdá”, escreveu o j ornalista Fred Kaplan, “m as nunca pediu perm issão e certam ente não aguardou instruções, sabendo que não haveria nenhum a.”20 Os esforços de Petraeus valeram a pena. A insurgência que incendiou outros lugares ficou sem oxigênio em Mossul enquanto ele esteve no com ando.

Em 2007, quando a insurgência estava consum indo o país e para m uitos parecia invencível, Petraeus recebeu o com ando global no Iraque. Ele cham ou

oficiais que pensavam com o ele, “com andantes flexíveis capazes de pensar de form a independente”, e as estratégias de contrainsurgência que testara em Mossul foram im plem entadas com vigor por todo o país.21 A violência despencou. Nunca está claro quanto crédito um a pessoa m erece, m as a m aioria dos observadores concorda que Petraeus m erece algum , talvez bastante.

Conversei com David Petraeus sobre sua filosofia de liderança e foi fácil captar ecos de Moltke. Ele até invocou os m antras “nenhum plano sobrevive ao contato com o inim igo” e “nada é certo”. Mas soltar um chavão atrás do outro é fácil, observou Petraeus. O que im porta, disse ele, é: “Além da frase de para- choque, o que você faz para se preparar para isso?”.

Para desenvolver um raciocínio flexível, Petraeus força as pessoas para fora de sua “zona de conforto intelectual”. Quando era com andante de brigada na 82a Divisão Aerotransportada, ele ficou insatisfeito com os exercícios de treinam ento tático com fogo real, tão coreografados que nada surpreendente acontecia. “Você basicam ente entrega ao com andante da com panhia quase um roteiro”, disse, e “o com andante da com panhia anda cem m etros, atravessa um a estrada tal e sabe que é ali que deve pedir determ inado tipo de fogo indireto ou em pregar helicópteros de ataque, ou sej a lá o que for.” Na ação de verdade, os com andantes enfrentam surpresas e têm de im provisar. Então, para que o roteiro? Segurança. Esse treinam ento usa arm as e explosivos de verdade. Segundo Petraeus, foi um im enso desafio desenvolver exercícios que fossem razoavelm ente seguros e ao m esm o tem po forçassem os oficiais a lidar com surpresas. Mas eles acharam um j eito porque “é assim que você desenvolve líderes flexíveis capazes de lidar com a incerteza”.

Petraeus tam bém apoia o envio de oficiais para estudar em universidades de ponta, não para absorver um corpus de conhecim ento, em bora esse sej a um benefício colateral, m as para se deparar com surpresas de outro tipo. “Você aprende que há pessoas inteligentíssim as pelo m undo afora com pressupostos básicos m uito diferentes sobre um a variedade de assuntos diferentes e que desse m odo chegam a conclusões a respeito de certos tem as m uito, m as m uito diferentes das nossas, e m uito diferentes do tipo de pensam ento em voga, particularm ente entre os m ilitares”, disse Petraeus. Com o confrontos no cam po de batalha, lidar com outras form as de pensar treina os oficiais para serem m entalm ente flexíveis. Petraeus fala por experiência. Treze anos após se form ar em West Point, ele obteve um doutorado em relações internacionais na Universidade de Princeton, experiência que considera “inestim ável”.

A insistência de Petraeus na flexibilidade intelectual — “a ferram enta m ais poderosa que um soldado carrega não é sua arm a, m as sua m ente”, diz ele — ainda é m otivo de controvérsia no exército. “Ham let pensa dem ais”, escreveu Ralph Peters, um coronel aposentado, em um artigo de 2007 publicado na m esm a revista em que Petraeus defendia o envio de oficiais para universidades.

“Rum inando sobre cada lado do argum ento até virar um a papa, ele fica sem coragem de engolir a dura realidade e m atar um assassino que está orando — um ‘crim e de guerra’ filosófico. Um acadêm ico arquetípico, envenenado pela teoria e indeciso, Ham let deveria ter ficado na universidade em Wittenberg, onde sua capacidade de tagarelar sem chegar a um a conclusão certam ente teria lhe conferido um a posição entre o corpo docente.” O exército precisa de gente que age, não de pensadores, escreveu Peters — Henrique V, não Ham let. “O rei Harry poderia tom ar um a decisão.”22

Mas Petraeus vê a divisão entre fazer e pensar com o um a falsa dicotom ia. Líderes devem ser am bas as coisas. “A ação ousada é a ação correta, a não ser quando é errada”, diz. Um líder “precisa perceber qual é a ação correta e executá-la coraj osam ente”.23 Essa é a tensão entre deliberação e im plem entação que Moltke enfatizou e que Petraeus soube equilibrar no Iraque.

O grau de habilidade com que os líderes realizam esse m alabarism o determ ina o grau de sucesso com que suas organizações podem cultivar superequipes capazes de reproduzir o m alabarism o pela hierarquia abaixo. E isso não é algo que um líder isolado pode fazer por conta própria. Exige um a predisposição m ais am pla de escutar palavras indesej áveis de outros — e a criação de um a cultura em que as pessoas sintam -se à vontade para falar tais coisas. O que fizeram com o j ovem Dwight Eisenhower foi um sério equívoco, diz Petraeus. “Você precisa preservar e prom over quem pensa fora da caixa, os iconoclastas.”24

No documento Superprevisoes - Dan Gardner.pdf (páginas 182-186)