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UM TIPO PECULIAR DE HUMILDADE

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UM TIPO PECULIAR DE HUMILDADE

Mas ainda há a questão incôm oda da hum ildade.

Com o j á dissem os, ninguém nunca cham ou Winston Churchill ou Steve Jobs de hum ilde. O m esm o pode ser dito de David Petraeus. Desde que era um cadete em West Point, Petraeus sem pre acreditou que tinha o estofo necessário para se tornar um general im portante.

A m esm a autoconfiança pode ser vista em m uitos líderes e pensadores cuj o j uízo destaquei neste livro: Helm uth von Moltke, Sherm an Kent e até Archie Cochrane, que tiveram o atrevim ento de desafiar as autoridades m ais em inentes. John May nard Key nes sem pre se achou o m ais esperto da sala. E George Soros foi um gerente de hedge fund em Wall Street que trabalhou sob extrem a pressão em um ritm o que teria deixado m uitos executivos com as pernas bam bas. A aposta m ais fam osa de Soros, especulando com a libra inglesa em 1992, e que lhe garantiu um lucro estim ado de 1,1 bilhão de dólares, o levou a vender quase 10 bilhões de dólares em libra esterlina. “Nada com o o perigo para fazer a m ente

se concentrar”, disse Soros certa vez. Isso não soa com o alguém preocupado em não estar à altura da tarefa.

Até Dwight Eisenhower, o suj eito franco e direto de Abilene, Kansas, tinha um ego considerável. Após a Segunda Guerra Mundial, Eisenhower tornou- se im ensam ente popular e am bos os partidos praticam ente im ploraram que aceitasse um a nom eação para concorrer à presidência. Trum an se ofereceu até para deixar o cargo. Eisenhower sem pre recusava. Ele sinceram ente não queria a função. Mas, à m edida que a corrida eleitoral para a eleição de 1952 tom ava form a, ficou claro que a nom eação republicana, e provavelm ente a presidência, seria vencida por um isolacionista que prom etia trazer todas as tropas am ericanas de volta para o “Gibraltar da liberdade”. Eisenhower achou que isso seria um a catástrofe que ele — e m ais ninguém — poderia im pedir. “Ele queria o m elhor para seu país”, escreveu um biógrafo, “e no fim decidiu que era o m elhor candidato e que teria de servir.”29 Claram ente, ele não carecia de autoestim a.

Então com o aj ustar tudo isso com a necessidade aparentem ente crítica de que o previsor sej a hum ilde? A resposta reside em algo que Annie Duke m e contou.

Já encontram os Duke antes. Ela acredita ser um a das m elhores j ogadoras de pôquer do m undo, afirm ação nada m odesta, m as seu histórico de conquistas é longo — inclui um cam peonato World Series of Poker —, sugerindo que sua confiança tem razão de ser. Mas Duke sabe tam bém que a confiança carrega um risco. Quando vai tom ar um a decisão, um a pessoa inteligente com o ela sem pre fica tentada a pegar um atalho cognitivo sim ples: “Eu sei a resposta. Não preciso m e m atar de pensar a respeito. Sou um a pessoa m uito bem -sucedida, com ótim o j ulgam ento. O fato de que eu acredito que m eu j ulgam ento está correto prova isso”. Decida as coisas desse m odo e você estará apenas encarando a realidade da perspectiva da ponta-do-seu-nariz. É um j eito arriscado de tom ar decisões, quem quer que você sej a. Para evitar a arm adilha, Duke discrim ina cuidadosam ente o que a deixa confiante — e o que tem o efeito oposto.

“Você precisa ter um a trem enda hum ildade em relação ao j ogo, pois o j ogo é extrem am ente com plexo, você não vai achar um a solução, não é com o no j ogo da velha ou de dam as”, diz ela. “É m uito difícil dom iná-lo, e se você não estiver aprendendo o tem po todo vai fracassar. Isso posto, a hum ildade em relação ao j ogo é extrem am ente diferente da hum ildade em relação aos seus adversários.” Duke sente confiança de que pode com petir com a m aioria das pessoas que sentam diante dela num a m esa de pôquer. “Mas isso não quer dizer que eu acho que dom inei o j ogo.”30

A hum ildade exigida para um j uízo qualificado não significa duvidar de si m esm o — a sensação de que você carece de talento, inteligência ou valor. É hum ildade intelectual. É um reconhecim ento de que a realidade é profundam ente com plexa, que ver as coisas claram ente, quando é possível fazê-

lo, é um a luta constante e que o j uízo hum ano deve portanto ser crivado de equívocos. Isso é verdade tanto para os tolos com o para os gênios. Assim , é bem possível a pessoa se ter em alta conta e ser m odesta. Na verdade, essa com binação pode ser m aravilhosam ente frutífera. A hum ildade intelectual obriga à reflexão cuidadosa necessária para um j uízo qualificado; a confiança nas próprias capacidades inspira a ação decidida.

“Com firm eza na retidão, na m edida em que Deus nos perm ite enxergar a retidão, tratem os de lutar para term inar o trabalho em que estam os em penhados”, declarou Abraham Lincoln em seu segundo discurso de posse. É um a declaração de feroz convicção e determ inação. Mas é tam bém um a adm issão hum ilde — “na m edida em que Deus nos perm ite enxergar a retidão” — de que nossa visão é lim itada, nosso j uízo, falho, e de que até nossa convicção m ais firm e pode estar errada.

PÓS-ESCRITO

Um a questão paira no ar: eu tinha m esm o de escolher a Wehrm acht? Existem outras organizações para ilustrar de que m aneira pensar com o um superprevisor pode m elhorar o desem penho do líder. Então por que argum entar usando um exército que serviu à causa m ais vil da história m oderna?

Com preender o que funcionou na Wehrm acht exige se em penhar na m ais difícil escolha de perspectiva que existe: adm itir que algo que desprezam os possui qualidades notáveis. Previsores incapazes de lidar com a dissonância correm o risco de com eter o m ais grave erro de previsão possível em um conflito: subestim ar seu oponente.

Não existe nenhum a ligação divinam ente determ inada entre a m oralidade e a com petência. Se o poeta puritano John Milton pôde retratar Satã com o m alévolo e engenhoso em Paraíso perdido, é dem ais adm itir que o m esm o poderia ser verdadeiro para a Wehrm acht? Previsores que enxergam correlações ilusórias e presum em que a fraqueza m oral e cognitiva cam inham j untas fracassam quando m ais precisam os deles. Não querem os que os analistas de inteligência pressuponham que grupos j ihadistas devem ser ineptos ou que regim es cruéis não possam ser criativam ente cruéis.

Lidar com a dissonância é difícil. “O teste de um a inteligência superior é a capacidade de ter duas ideias opostas em m ente ao m esm o tem po e ainda assim conservar a capacidade de funcionar”, observou F. Scott Fitzgerald em A derrocada. Exige que separem os nossos sentim entos sobre o regim e nazista de nossos j uízos factuais sobre a resiliência organizacional da Wehrm acht — e

vej am os a Wehrm acht tanto com o um a organização horrível que m ereceu ser destruída como um a organização eficaz com lições a nos ensinar. Não existe contradição lógica aqui, apenas um a tensão psico-lógica. Se você aspira a se tornar um superprevisor, deve superá-la.

É um desafio. Mesm o superprevisores que se destacam na autocrítica agressiva às vezes confundem fatos e valores. No início da guerra civil síria, Doug Lorch foi m al num a questão sobre a possível tom ada da cidade de Aleppo pelos rebeldes. Quando considerou por quê, ele se deu conta de que deixara seu ódio pelo regim e de Assad levá-lo à conclusão desej ada de que os rebeldes venceriam , a despeito da evidência de que estavam inferiorizados em arm as. Joshua Frankel não conseguia decidir se a Coreia do Norte iria detonar um a arm a nuclear porque “estava influenciado pelo otim ism o e esperança de progresso”, recordou. Na época, ele não se tocou. Mas, “duas sem anas antes da data de encerram ento, um a conversa com um bom am igo que por acaso tem fam iliares que escaparam da Coreia do Norte na época da Guerra da Coreia m e fez perceber isso”, e ele m udou sua previsão.31

Então por que usar a Wehrm acht com o ilustração, ainda que nos deixe desconfortáveis? Precisam ente porque nos deixa desconfortáveis.

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