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JULG ANDO JUÍZOS

No documento Superprevisoes - Dan Gardner.pdf (páginas 46-50)

Isso m e levou a pensar sobre previsões de especialistas. No alm oço, certo dia, em 1988, Daniel Kahnem an, na época m eu colega em Berkeley, aventou um a ideia testável que se revelou presciente. Ele especulou que inteligência e conhecim ento m elhorariam a capacidade de fazer previsões, m as os benefícios dim inuiriam rápido. Pessoas m unidas de doutorados e décadas de experiência talvez se m ostrassem apenas um pouquinho m ais precisas do que leitores atentos do New York Times. Claro que Kahnem an estava apenas conj ecturando e m esm o as conj ecturas de Kahnem an não passam disso. Ninguém testara seriam ente a precisão prognosticadora de analistas políticos, e, quanto m ais eu refletia sobre o desafio, m ais m e dava conta do porquê.

Vej am os o problem a da linha do tem po. Obviam ente, um a previsão sem um prazo determ inado é absurda. E m esm o assim , os previsores as fazem , com o fizeram naquela carta a Ben Bernanke. Eles não estão sendo desonestos, pelo m enos não norm alm ente. Antes, estão confiando em um entendim ento im plícito com partilhado, por m ais inexato que sej a, da linha do tem po que têm em m ente. É por isso que previsões sem linhas do tem po não parecem absurdas quando são feitas. Mas à m edida que o tem po passa, a m em ória esm orece, e prazos tácitos que antes pareceram óbvios para todos se tornam m enos óbvios. O resultado em geral é um a tediosa disputa sobre o “verdadeiro” significado da previsão. O evento era esperado para este ano ou o ano que vem ? Esta década ou a outra? Sem um prazo determ inado, não há com o resolver essas discussões de m odo a deixar todo m undo satisfeito — principalm ente quando reputações estão em j ogo. Só esse problem a torna m uitas previsões do dia a dia im possíveis de testar. De m odo sim ilar, as previsões em geral se apoiam m ais na com preensão im plícita de expressões-chave do que nas definições explícitas — com o a “fatia significativa do m ercado” da previsão de Steve Ballm er. Esse tipo de palavreado vago é antes um a regra do que a exceção. E tam bém torna as previsões im possíveis de testar.

Esses estão entre os m enores obstáculos para j ulgarm os previsões. A probabilidade é outro, bem m aior.

Algum as previsões são fáceis de avaliar porque alegam inequivocam ente que algum a coisa vai ou não vai acontecer, com o no prognóstico de guerra nuclear feito por Jonathan Schell. Devem os nos livrar das arm as nucleares ou “um holocausto... vai ocorrer”, escreveu Schell. Com o sabem os, nenhum a superpotência se livrou de seu arsenal nuclear e não houve guerra nuclear

algum a, nem no ano em que o livro de Schell foi publicado, nem no seguinte. Assim , Schell, tom ado ao pé da letra, estava claram ente errado. Mas e se as palavras de Schell tivessem sido que era “m uito provável” haver um a guerra nuclear? Nesse caso, ficaria m enos claro. Schell talvez tenha exagerado grosseiram ente o risco ou pode ser que estivesse coberto de razão e a hum anidade foi sortuda de sobreviver à m ais inconsequente roleta-russa j am ais disputada. A única form a de resolver isso definitivam ente seria repassar a história centenas de vezes, e, se a civilização term inasse num a pilha de destroços radioativos na m aioria dessas reprises, saberíam os que Schell estava certo. Mas não podem os fazer isso, então não tem os com o saber.

Mas vam os im aginar que som os seres onipotentes e podemos conduzir esse experim ento. Repassam os a história centenas de vezes e descobrim os que 63% dessas reprises term inam em guerra nuclear. Schell tinha razão? Talvez. Mas ainda não podem os dizer com confiança — porque não sabem os exatam ente o que ele quis dizer com “m uito provável”.

Pode parecer m era im plicância sem ântica. Mas é m uito m ais que isso, com o Sherm an Kent descobriu, para seu alarm e.

Em círculos ligados aos serviços de inteligência, Sherm an Kent é um a lenda. Com um doutorado em história, ele largou um cargo em Yale para se j untar ao Research and Analy sis Branch [ram o de pesquisa e análise] do recém - criado Office of Coordinator of Inform ation [Gabinete de Coordenação da Inform ação, COI] em 1941. O COI passou a se cham ar Office of Strategic Services [Gabinete de Serviços Estratégicos, OSS]. O OSS se tornou a Central Intelligence Agency [Agência Central de Inteligência, CIA]. Quando Kent se aposentou da CIA, em 1967, havia m oldado profundam ente o m odo com o a com unidade do serviço de inteligência am ericana realiza o que é cham ado de análise de inteligência — o exam e m etódico da inform ação recolhida por espiões e pela vigilância para descobrir o que o m aterial significa e o que ocorrerá em seguida.

A palavra-chave no trabalho de Kent é estimar. Com o ele escreveu, “estim ar é o que você faz quando não sabe”.9 E com o Kent enfatizou repetidas vezes, nunca sabem os de verdade o que acontecerá a seguir. É por isso que a previsão trata antes de m ais nada de estim ar a probabilidade de algo acontecer, coisa que Kent e seus colegas fizeram por m uitos anos no Office of National Estim ates [Gabinete de Estim ativas Nacionais] — um escritório obscuro m as extraordinariam ente influente cuj a função era aproveitar toda a inform ação disponibilizada para a CIA, sintetizá-la e prever tudo que pudesse aj udar os principais m em bros do governo norte-am ericano a decidir o que fazer em seguida. Kent e seus colegas estavam longe de serem perfeitos. Mais notoriam ente, publicaram um a estim ativa em 1962 argum entando que os soviéticos não seriam estúpidos a ponto de m obilizar m ísseis ofensivos em Cuba,

quando, na verdade, j á haviam feito isso. Mas, na m aior parte, suas estim ativas eram bem vistas, pois Kent m antinha elevados padrões de rigor analítico. Havia m uita coisa em j ogo ao se redigirem estim ativas de inteligência nacional. Cada palavra im portava. Kent as pesava com m uito cuidado. Mas nem m esm o seu profissionalism o podia im pedir que algum a confusão se im iscuísse no processo.

No fim da década de 1940, o governo com unista da Iugoslávia rom peu com a União Soviética, despertando o tem or de um a invasão soviética. Em m arço de 1951, a National Intelligence Estim ate 29-51 foi publicada. “Em bora sej a im possível determ inar qual o curso de ação m ais provável do Krem lin”, concluía o relatório, “acreditam os que a extensão dos preparativos m ilitares e da propaganda [no Leste Europeu] indica que um ataque contra a Iugoslávia em 1951 deva ser considerado um a séria possibilidade.” Pela m aioria dos padrões, isso é um a linguagem clara, significativa. Ninguém sugeriu outra coisa quando a estim ativa foi publicada e lida por altos funcionários em todo o governo. Mas, alguns dias depois, Kent conversava com um funcionário de prim eiro escalão no Departam ento de Estado, que perguntou: “A propósito, o que seu pessoal quis dizer com a expressão ‘séria possibilidade’? Que tipo de probabilidades vocês têm em m ente?”. Kent disse que estava pessim ista. Sentia que as chances eram de cerca de 65 para 35 a favor de um ataque. O funcionário levou um susto. Ele e seus colegas haviam tom ado “séria possibilidade” com o significando chances m uito m ais baixas.10

Preocupado, Kent voltou a se reunir com sua equipe. Haviam concordado todos em usar “séria possibilidade” na National Intelligence Estim ate, assim Kent perguntou às pessoas, um a de cada vez, o que achavam que significava. Um analista disse que significava chances de 80 para 20, ou quatro vezes m ais provável do que não haver um a invasão. Outro achou que significava chances de 20 para 80 — exatam ente o oposto. Outras respostas se espalhavam entre esses dois extrem os. Kent ficou desconcertado. Um a frase que parecia inform ativa era tão vaga que chegava quase ao ponto de ser inútil. Ou talvez fosse pior do que inútil, j á que criara perigosos m al-entendidos. E quanto a todos os dem ais trabalhos que haviam feito? Acaso haviam “aparentem ente concordado durante cinco m eses de j uízos estim ativos absolutam ente destituídos de qualquer acordo real?”. Kent escreveu em um ensaio de 1964: “Será que as estim ativas estavam pontilhadas de ‘sérias possibilidades’ e outras expressões que significavam coisas m uito diferentes tanto para quem escrevia com o para quem lia? O que estávam os realm ente querendo dizer quando redigim os um a frase com o essa?”.11

Kent tinha razão em se preocupar. Em 1961, quando a CIA planej ava derrubar o governo Castro desem barcando um pequeno exército de expatriados cubanos na baía dos Porcos, o presidente John F. Kennedy consultou os m ilitares para um a avaliação im parcial. O estado-m aior concluiu que o plano tinha um a

“chance razoável” de sucesso. O hom em que escreveu as palavras “chance razoável” disse m ais tarde que tinha em m ente probabilidades de 3 para 1 contra o sucesso. Mas ninguém nunca inform ou a Kennedy precisam ente o que “chance razoável” queria dizer e — não é nenhum absurdo — ele tom ou isso por um a avaliação m uito m ais positiva. Claro que não podem os ter certeza de que, se os chefes do estado-m aior tivessem dito “Acham os que é de 3 para 1 a possibilidade de que a invasão vai fracassar”, Kennedy teria cancelado a ação, m as isso sem dúvida o teria feito pensar duas vezes antes de autorizar o que acabou sendo um rem atado desastre.12

Sherm an Kent sugeriu um a solução. Prim eiro, a palavra “possível” devia ser reservada para assuntos im portantes em que os analistas tivessem de em itir um j uízo, m as fossem incapazes de apontar satisfatoriam ente algum a probabilidade. Assim , algo que é “possível” tem um a probabilidade que vai de quase zero a quase 100%. Claro que isso não aj uda, então os analistas devem sem pre estreitar o leque de suas estim ativas. E, para evitar confusão, os term os que usam devem ter significados num éricos designados, que Kent relacionou num a tabela.13

CERTEZA

ÁREA GERAL

DE

POSSIBILIDADE

100%

Certeza

93% (cerca

de 6% para

mais ou

para menos)

Quase certeza

75% (cerca

de 12%

No documento Superprevisoes - Dan Gardner.pdf (páginas 46-50)