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MAS O Q UE SIG NIFICA TUDO ISSO?

No documento Superprevisoes - Dan Gardner.pdf (páginas 123-131)

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MAS O Q UE SIG NIFICA TUDO ISSO?

Em Matadouro 5, clássico de Kurt Vonnegut, um prisioneiro de guerra am ericano m urm urou algo que um guarda não gostou. “O guarda sabia inglês, tirou o am ericano da form ação e lhe deu um soco”, escreveu Vonnegut.

O am ericano ficou atônito. Ele se levantou trem endo, cuspindo sangue. Perdera dois dentes. Não falara aquilo por m al, evidentem ente, não fazia ideia de que o guarda o escutaria e com preenderia. “Por que eu?”, perguntou ao guarda.

O guarda o em purrou de volta à form ação. “Porr que focê? Porr que qualquerr um ?”, disse.

Vonnegut m artela esse tem a incansavelm ente. “Por que eu?”, gem e Billy Pilgrim quando é abduzido por alienígenas. “Essa é um a pergunta bem terráquea de se fazer, sr. Pilgrim ”, respondem os alienígenas. “Por que você? Por que nós, aliás? Por que qualquer coisa?”25 Só os ingênuos perguntam “Por quê?”. Aqueles que enxergam a realidade com m ais clareza não se dão o trabalho.

É um a percepção penetrante. Quando algo im provável e im portante acontece, é profundam ente hum ano perguntar: “Por quê?”.

A m ensagem religiosa de que qualquer acontecim ento, m esm o um a tragédia, constitui parte significativa de um plano divino é antiga, e sej a lá com o a pessoa se sente em relação a religião, não se discute que esse tipo de pensam ento pode ser consolador e aj udar a tolerar o que de outro m odo seria intolerável. Oprah Winfrey, um a m ulher que superou a adversidade para alcançar estupendo sucesso, personifica e prom ove essa ideia. Valendo-se de linguagem secular, ela disse em um a cerim ônia de form atura na Universidade Harvard que “o fracasso não existe. O fracasso é apenas a vida tentando nos m over em outra direção [...]. Aprender com cada erro porque cada experiência, encontro e particularm ente seus próprios erros estão aí para ensiná-lo e forçá-lo a ser quem você é”. Tudo acontece por um m otivo. Tudo tem um propósito. No episódio final de seu fam oso program a de tevê, Oprah defendeu essencialm ente esse m esm o ponto de vista num a linguagem religiosam ente explícita: “Com preendo a m anifestação da graça e de Deus, então sei que coincidências não existem . Nenhum a. Apenas a ordem divina”.26

A religião não é o único m odo de satisfazer o anseio por significado. Os psicólogos descobriram que m uitos ateus tam bém veem significado nos eventos im portantes de sua vida e um a m aioria de ateus disse que acredita no destino, definido com o a concepção de que “os eventos acontecem por um m otivo e existe um a ordem subj acente à vida que determ ina com o os eventos se desenrolarão”.27 Significado é um a necessidade hum ana básica. Com o m ostram m uitas pesquisas, a capacidade de encontrá-lo é sinal de um a m ente saudável, resiliente. Entre sobreviventes dos ataques do Onze de Setem bro, por exem plo, os que viam significado na atrocidade tiveram m enor tendência a sofrer reações de estresse pós-traum ático.28

Mas por m ais psicologicam ente benéfico que esse pensam ento possa ser, ele não se coaduna com um a visão de m undo científica. A ciência não lida com questões de “por quê?” sobre o propósito da vida. Ela se atém a questões de “com o” que focam na causação e nas probabilidades. A neve que se acum ula na encosta de um a m ontanha pode deslizar e com eçar um a avalanche, ou não. Até que isso aconteça, ou não aconteça, pode ser um a coisa ou outra. Não está predeterm inado por Deus, pelo destino nem pelo que quer que sej a. Não “era para ser”. Não tem significado. “Talvez” sugere que, a despeito de Einstein, Deus joga dados com o cosm os. Assim , o pensam ento probabilístico e o pensam ento de

ordenação divina estão em conflito. Com o óleo e água, acaso e destino não se m isturam . E na m edida em que perm itim os que nossos pensam entos se m ovam na direção do destino, solapam os nossa capacidade de pensar em term os probabilísticos.

A m aioria das pessoas tende a preferir o destino. Com a psicóloga Laura Kray e outros colegas, testei o efeito do pensam ento contrafactual, que é pensar sobre com o algum a coisa poderia ter ocorrido de m odo diferente do que de fato ocorreu.29 Em um experim ento, alunos da Universidade Northwestern escreveram um breve ensaio explicando com o decidiram ir para a Northwestern. Pedim os a m etade deles para listar m aneiras pelas quais “as coisas poderiam ter ocorrido de outro m odo”. Finalm ente, todos avaliaram até que ponto concordavam com três afirm ações: “Minha decisão de vir para a Northwestern define quem eu sou”, “Entrar para a Northwestern trouxe significado para m inha vida” e “Minha decisão de entrar para a Northwestern foi um a das escolhas m ais significativas da m inha vida”. Com o esperado, alunos entregues ao pensam ento contrafactual — im aginar as diferentes escolhas que podiam ter feito — im buíram sua decisão de entrar para a Northwestern de m aior significado. Um segundo experim ento pedia às pessoas para pensar em um am igo íntim o. Mais um a vez, im aginar com o as coisas poderiam ter ocorrido de form a diferente levou-as a im buir o relacionam ento de um significado m ais profundo. Um terceiro experim ento pedia para identificarem um ponto de virada em suas vidas. Para m etade das pessoas pedim os que descrevessem apenas os fatos: o que aconteceu, quando aconteceu, quem estava envolvido, o que estavam pensando e sentindo. À outra m etade pedim os para descrever com o suas vidas seriam agora se o ponto de virada não tivesse ocorrido. Todos os participantes então avaliaram o grau em que o ponto de virada era “um produto do destino”. Com o esperado, os que haviam contem plado cam inhos alternativos na vida viram o cam inho tom ado com o algo que era para ser.

Pense no am or da sua vida e nos incontáveis eventos que tiveram de acontecer do m odo com o aconteceram para unir vocês dois. Se você tivesse ficado estudando naquela noite, em vez de ir à festa. Ou se sua cara-m etade tivesse andado um pouco m ais depressa e nunca perdido aquele trem . Ou se você tivesse aceitado o convite para viaj ar em um fim de sem ana. O “e se” pode se estender ao infinito. Em algum m om ento, houve um a probabilidade de quase zero de vocês dois se conhecerem . E contudo, aconteceu. A que conclusão você chega? A m aioria não pensa “Uau, que sorte!”. Em vez disso, pega a m era im probabilidade de ter acontecido, e o fato de que aconteceu, com o prova de que era para ser.

Algo surpreendentem ente parecido acontece num a escala cósm ica. Pense no big bang, a explicação científica predom inante para a origem do universo. A teoria do big bang nos diz com o as leis da natureza tinham de estar

em sintonia fina para que as estrelas, os planetas e a vida existissem . Mesm o m inúsculos desvios teriam sido suficientes para que não existíssem os. A m aioria das pessoas não reage a essa observação dizendo “Uau, que sorte a gente teve!” — ou se perguntando se bilhões de big bangs geraram bilhões de universos paralelos, alguns dos quais por acaso aconteceram de serem propícios à vida. Alguns físicos pensam dessa form a. Mas a m aioria de nós desconfia que havia algum a coisa — talvez Deus — por trás disso. Era para ser.

Por m ais natural que sej a esse m odo de pensar, ele é problem ático. Disponha a em aranhada cadeia de raciocínio num a linha reta e você verá o seguinte: “A probabilidade de que eu encontrasse o am or da m inha vida era m inúscula. Mas aconteceu. Então, era para ser. Logo, a probabilidade de que iria acontecer era de 100%”. Isso é m ais do que duvidoso. É incoerente. A lógica e a psico-lógica estão em conflito.

Um pensador probabilístico vai se distrair m enos com questões de “por quê” e focar no “com o”. Isso não é nenhum a picuinha sem ântica. “Por quê?” nos rem ete à m etafísica; “Com o?” perm anece no terreno da física. O pensador probabilístico diria: “Sim , era extrem am ente im provável que eu conhecesse m inha cara-m etade naquela noite, m as eu tinha de estar em algum lugar e ela tinha de estar em algum lugar, e, felizm ente para nós, esses dois ‘algum lugar’ coincidiram ”. Robert Shiller, econom ista laureado com o prêm io Nobel, conta a história de com o Henry Ford decidiu contratar trabalhadores a um salário — na época espantosam ente alto — de cinco dólares por dia, o que convenceu am bos os seus avôs a se m udarem para Detroit e trabalharem para Ford. Se alguém tivesse lhes feito um a oferta m elhor, se um de seus avôs tivesse levado um coice na cabeça, se alguém tivesse convencido Ford de que ele era louco por pagar cinco dólares por dia... se um núm ero quase infinito de eventos tivesse ocorrido de form a diferente, Robert Shiller não teria nascido. Mas em vez de ver a m ão do destino em sua im provável existência, Shiller faz esse relato para ilustrar com o o futuro é radicalm ente indeterm inado. “A pessoa tende a acreditar que a história se desenrolou em um a espécie de sentido lógico, que as pessoas deviam ter antevisto, m as não é assim ”, explicou-m e ele. “É um a ilusão de retrospecto.”30

Mesm o em face da tragédia, o pensador probabilístico dirá: “De fato, havia um núm ero quase infinito de cam inhos que os eventos poderiam ter tom ado, e era incrivelm ente im provável que os eventos tom assem o cam inho que term inou na m orte do m eu filho. Mas eles tinham de ter tom ado um cam inho e foi esse que tom aram . Não há m ais nada a concluir disso”. Nos term os de Kahnem an, pensadores probabilísticos assum em a visão de fora até em relação a eventos profundam ente definidores da identidade, vendo-os com o escolhas quase aleatórias a partir de distribuições de m undos outrora possíveis.

Ou, nos term os de Kurt Vonnegut: “Por que eu? Por que não eu?”. Se é verdade que o pensam ento probabilístico é essencial para fazer

previsões precisas, e que o pensam ento era-pra-ser solapa o pensam ento probabilístico, deveríam os esperar que os superprevisores fossem m uito m enos inclinados a ver as coisas com o predestinadas. Para testar isso, sondam os suas reações a afirm ações pró-destino com o estas:

Os acontecimentos têm lugar segundo um plano divino.

Tudo acontece por um motivo.

Acidentes ou coincidências não existem.

Tam bém lhes perguntam os sobre afirm ações pró-probabilidade com o estas:

Nada é inevitável.

Mesmo eventos maiúsculos como a Segunda Guerra Mundial ou o Onze de Setembro poderiam ter ocorrido de forma bem diferente.

A aleatoriedade em geral é um fator em nossas vidas pessoais. Fizem os essas m esm as perguntas para previsores voluntários regulares, alunos da Universidade da Pensilvânia e um a am pla seção transversal de am ericanos adultos. Em um a “pontuação de destino” de 9 pontos, onde 1 é a total rej eição do pensam ento era-para-ser e 9 é a com pleta aceitação, a pontuação m édia dos am ericanos adultos ficou no m eio da escala. Os alunos da Universidade da Pensilvânia ficaram num patam ar um pouco m ais baixo. Os previsores regulares, ainda um pouco m ais baixo. E os superprevisores m arcaram a pontuação m ais baixa de todos, firm em ente no lado de rej eição-do- destino.

Tanto para os superprevisores com o para os previsores regulares, tam bém com param os pontuações de destino individuais com índices de Brier e descobrim os um a correlação significativa — ou sej a, quanto m ais um previsor estava inclinado pelo m odo de pensar era-para-ser, m enos acertadas eram suas previsões. Ou, dizendo de m aneira m ais positiva, quanto m ais um previsor abraçava o pensam ento probabilístico, m ais preciso ele era.

Assim , encontrar significado em eventos está positivam ente correlacionado com o bem -estar, m as negativam ente correlacionado com a

antevisão. Isso estabelece um a possibilidade deprim ente: sofrim ento é o preço da precisão?

Não sei. Mas este livro não trata da busca da felicidade. Trata da busca da precisão, e os superprevisores m ostram que o pensam ento probabilístico é essencial para isso. Deixo as questões existenciais para os outros.

A

Superviciados-em-notícias?7

SUPERPREVISÃO NÃO É UM m étodo do tipo pinte- conform e-a-num eração, m as os superprevisores m uitas vezes abordam as questões de um m odo m ais ou m enos sim ilar — que qualquer um de nós consegue acom panhar: decom ponha a questão em partes m enores. Delineie o m ais nitidam ente que for capaz o que você conhece e o que não conhece, e não deixe nenhum a suposição sem ser exam inada. Adote a visão de fora e ponha o problem a num a perspectiva com parativa que m inim ize seu caráter único; trate-o com o um caso especial de um a classe m ais am pla de fenôm enos. Em seguida, adote a visão de dentro que enfatiza o caráter único do problem a. Explore tam bém as sim ilaridades e diferenças entre seus pontos de vista e os alheios — e preste atenção especial a m ercados preditivos e outros m étodos de extrair a sabedoria das m ultidões. Sintetize todos esses diferentes pontos de vista num a visão única, tão afiada quanto a de um a libélula. Finalm ente, expresse seu j uízo da form a m ais precisa que puder, usando um a escala de probabilidades de aj uste fino.

Feito corretam ente, esse processo é tão árduo quanto parece, exigindo um bocado de tem po e energia m ental. E contudo, é literalm ente apenas o com eço.

Previsões não são com o bilhetes de loteria que você com pra e guarda até a hora do sorteio. São j uízos que estão baseados em inform ação disponível e que devem ser atualizados à luz da inform ação cam biante. Se novas pesquisas m ostram que um candidato de repente avançou para a liderança confortável, você deve aum entar a probabilidade de que o candidato vença. Se um com petidor inesperadam ente declara falência, revise a expectativa de vendas de acordo com isso. O torneio da IARPA não era diferente. Depois que Bill Flack executou todo seu difícil trabalho inicial e concluiu que havia 60% de chance de

que o polônio fosse detectado nos restos m ortais de Yasser Arafat, ele podia elevar ou dim inuir sua previsão quantas vezes quisesse, por qualquer m otivo. Assim , ele acom panhou os noticiários de perto e atualizou sua previsão sem pre que via um bom m otivo para fazê-lo. Isso obviam ente é im portante. Um a previsão atualizada para refletir a m ais recente inform ação disponível tende a ficar m ais próxim a da verdade do que um a previsão não tão inform ada.

Devy n Duffy é um atualizador fantástico. É tam bém um superprevisor com a incom um distinção de ter se voluntariado para o Good Judgm ent Proj ect porque ficou desem pregado, com a idade de 36 anos, quando a fábrica onde trabalhava fechou. Natural de Pittsburgh, ele é hoj e um assistente social no setor de seguro-desem prego. “Meu talento m ais útil é a capacidade de m e sair bem em testes, principalm ente de m últipla escolha”, Devy n contou-m e em um e- m ail. “Isso costum a m e fazer parecer m ais inteligente do que sou de verdade, m uitas vezes até para m im m esm o.” Desnecessário dizer, Devy n tem um senso de hum or afiado.

Com o m uitos superprevisores, Devy n segue os acontecim entos de perto usando alertas do Google. Se faz um a previsão sobre refugiados sírios, por exem plo, sua prim eira providência é aj ustar um alerta para “refugiados sírios” e “UNHCR” [Alto Com issariado das Nações Unidas para os Refugiados], que pegará na rede qualquer notícia m encionando tanto refugiados sírios com o a agência das Nações Unidas, que m onitora sua quantidade. Devy n aj ustará o alerta para inform á-lo diariam ente se achar que os eventos podem m udar rápido — digam os, o risco de um golpe m ilitar na Tailândia —, ou então sem analm ente. Devy n lê os alertas assim que chegam , reflete sobre o que significam para o futuro e atualiza suas previsões de m odo a refletir a nova inform ação. Só na terceira tem porada, Devy n fez 2271 previsões sobre 140 questões. Isso é m ais do que dezesseis previsões, em m édia, para cada questão. “Eu atribuiria m eu sucesso no GJP até aqui, da form a com o tem sido”, escreveu Devy n, “à sorte e às atualizações frequentes.”

Devy n não é incom um . Os superprevisores se atualizam com m uito m ais frequência, em m édia, do que os previsores regulares. Isso obviam ente faz diferença. Um a previsão atualizada tende a ser um a previsão m ais bem inform ada e, desse m odo, um a previsão m ais precisa. “Quando os fatos m udam , eu m udo de opinião”, declarou o lendário econom ista britânico John May nard Key nes. “E o senhor, o que faz?” Os superprevisores agem dessa form a, e esse é m ais um im portante m otivo para serem super.

Mas isso levanta um a suspeita. Talvez todo o trabalho cognitivo e o j uízo granular que entram na previsão inicial não expliquem o sucesso dos superprevisores. Talvez suas previsões sej am m elhores sim plesm ente porque eles passam m uito m ais tem po assistindo aos noticiários e se atualizando. Certa vez perguntei a um fam oso cientista político, diretor de um a lucrativa consultoria que

fornece previsões políticas para grandes corporações, se ele gostaria de fazer um a tentativa no torneio da IARPA. Ele ficou interessado até descobrir que o torneio exigia atualização. Ele não tinha interesse em “com petir com viciados- em -notícias desem pregados”, disse.

Não gostei de sua atitude, m as entendi o argum ento. Os superprevisores de fato m onitoram os noticiários cuidadosam ente e incorporam isso a suas previsões, o que sem dúvida lhes proporciona um a grande vantagem em relação aos m enos inform ados. Se isso é um fator decisivo, então o sucesso dos superprevisores não nos diria nada além de “prestar atenção e m anter suas previsões atualizadas aj udam ” — algo tão esclarecedor quanto ficar sabendo que quando as pesquisas m ostram um candidato conquistando um a vantagem confortável, a tendência é ele vencer.

Mas a história não para por aí. Para com eçar, as previsões iniciais dos superprevisores foram pelo m enos 50% m ais acertadas do que as dos previsores regulares. Mesm o que o torneio exigisse um a única previsão, e não perm itisse atualizações, os superprevisores teriam vencido disparado.

Mais im portante, é um equívoco im enso depreciar a atualização da opinião. Não se trata de ficar irrefletidam ente aj ustando previsões em reação a tudo que aparece na CNN. Um a boa atualização exige as m esm as habilidades usadas para fazer a previsão inicial e é com frequência tão exigente quanto. Pode ser até mais desafiadora.

No documento Superprevisoes - Dan Gardner.pdf (páginas 123-131)