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ONDE ESTÁ OSAMA?

No documento Superprevisoes - Dan Gardner.pdf (páginas 110-113)

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ONDE ESTÁ OSAMA?

No início de 2011, a atenção da com unidade de inteligência am ericana recaía sobre um a construção peculiar. Suas paredes altas cercavam um aglom erado de edifícios, coisa norm al naquele bairro rico da cidade paquistanesa de Abbottabad. Mas ignorava-se quem fossem os ocupantes do com plexo, que claram ente queriam perm anecer anônim os. Isso era incom um . E havia um a série de pequenas evidências cuj o peso coletivo sugeria que ali era o esconderij o de

Osam a bin Laden. Isso seria inestim ável.

Será que finalm ente haviam localizado o líder terrorista quase um a década após os ataques do Onze de Setem bro? Hoj e todo m undo sabe a resposta para essa pergunta. Mas, na época, os analistas não sabiam . Todos tinham de em itir um difícil parecer que poderia levar ao início de um ataque m ilitar em um a nação volátil m unida de arm as nucleares. Esses pareceres, e suas consequências, seriam m ais tarde dram atizados no film e A hora mais escura.

“Daqui a pouco vou estar diante do presidente e o que eu quero saber, sem m ais enrolação, é qual a posição de cada um nesse negócio”, diz o ator Jam es Gandolfini, que no film e interpreta o diretor da CIA Leon Panetta. Ele senta à cabeceira de um a m esa de reuniões e encara todo m undo. “Agora, m uito sim ples. Ele está ou não está lá?”

O vice-diretor é o prim eiro a responder. “Não lidam os com certezas”, diz. “Lidam os com probabilidade. Eu diria que há um a probabilidade de sessenta por cento de estar.”

O Panetta da ficção aponta para a próxim a pessoa. “Concordo”, diz o suj eito. “Sessenta por cento.”

“Pra m im é oitenta por cento”, diz o seguinte. “A segurança operacional deles m e convence disso.”

“Vocês algum a vez concordam em algum a coisa?”, pergunta Panetta. E assim vai em torno da m esa, de pessoa em pessoa. Sessenta por cento, diz um . Oitenta por cento. Sessenta por cento. Panetta recosta na cadeira e suspira. “Mas que im bróglio de m erda, hein?”

Vam os pausar o film e aí. O que o Leon Panetta ficcional quer m ais do que tudo? Um acordo. Ele quer que todas as pessoas cheguem à m esm a conclusão, assim pode ter certeza de que a conclusão está correta, ou que pelo m enos é a m elhor disponível. A m aioria das pessoas nessa posição se sentiria da m esm a form a. A concordância é tranquilizadora. A discordância é... bem , talvez não usássem os a expressão pitoresca do Leon Panetta ficcional, m as m uitos partilhariam do sentim ento.

Só que o Leon Panetta ficcional está errado. Pediram àquelas pessoas na reunião que j ulgassem de m aneira independente um problem a difícil e dissessem ao diretor da CIA no que sinceram ente acreditavam . Mesm o se olhassem todos para a m esm a evidência — e é provável que haj a algum a variação —, é im provável que chegassem precisam ente à m esm a conclusão. São pessoas diferentes. Sua instrução, treinam ento, experiências e personalidades são diferentes. Um executivo inteligente não espera concordância universal e trata seu aparecim ento com o um alerta verm elho de que o pensam ento de grupo tom ou conta. Um conj unto de pareceres é um a prova bem -vinda de que as pessoas em torno da m esa estão na verdade pensando por si e oferecendo suas perspectivas únicas. O Leon Panetta ficcional deveria ter ficado m uito satisfeito

de ouvir pareceres diferentes de pessoas diferentes. Era a “sabedoria da m ultidão” em brulhada para presente. Tudo que ele tinha a fazer era sintetizar esses pareceres. Um a sim ples m édia seria um bom com eço. Ou ele poderia ter tirado a m édia ponderada — de m odo que os pareceres de quem m ais respeitasse tivessem um peso m aior na conclusão coletiva. De um m odo ou de outro, é o olho de libélula em ação.

Perguntei ao Leon Panetta da vida real sobre essa conhecida cena e ele confirm ou que algo nessa linha de fato ocorrera. “Um a porção daquelas pessoas eram analistas inteligentes, gente que estivera por um bom tem po envolvida em operações. Havia um bocado de experiência ali naquela sala”, recordou ele. Mas não um bocado de concordância. Os j uízos iam “de pessoas considerando que as chances eram de 30% a 40% a pessoas achando que era de 90% ou m ais, e com toda variação entre um a coisa e outra”. Mas o Leon Panetta da vida real — um ex-congressista, chefe de estado-m aior do presidente Clinton e secretário de defesa do presidente Obam a — teve um a reação com pletam ente diferente a essa diversidade. Ele a recebeu de braços abertos. “Eu encoraj o as pessoas em torno de m im a não m e dizer o que acham que eu quero escutar, m as no que acreditam , e a serem francas”, disse Panetta.2 Quando era chefe de estado- m aior do presidente, considerava obter e apresentar opiniões diversas com o um a parte crítica de seu trabalho. O Leon Panetta real e ficcional é um estudo de contrastes.

Agora vam os apertar o play outra vez.

Depois que o Leon Panetta ficcional expressa seu repúdio à falta de consenso, May a, a heroína de A hora mais escura, tem sua chance. Ela havia ficado sentada no fundo da sala, soltando fum aça. “Cem por cento que ele está lá”, declara, “O.k., certo, noventa e cinco por cento, porque sei que a certeza deixa vocês apavorados. Mas é cem por cento!” O Panetta do film e fica im pressionado. Enquanto os outros balbuciam com insegurança, May a tem a força cega de um aríete. Depois que o com plexo foi descoberto, ela teve tanta certeza de que Bin Laden estava ali dentro que quis bom bardear o lugar im ediatam ente. Quando sem anas se passaram sem nenhum ataque ser realizado, escreveu o núm ero de dias no vidro da sala de seu supervisor. Ele a observou m archar em direção a sua sala e rabiscar “21” em grandes algarism os verm elhos, circulando para enfatizar. Mais tarde, escreveu 98, 99, 100 — sublinhando com a grossa caneta hidrográfica. O público sente sua frustração. May a tem razão. Bin Laden está lá. Ignore os outros.

O Panetta ficcional está do lado de May a, assim com o o público. Os outros não queriam se com prom eter a dizer sim ou não, ele com enta com um assessor m ais tarde, porque estão “intim idados”. Probabilidades são para os bundas-m oles.

ficcional pensa. Ele enxerga apenas duas opções: sim , Bin Laden está lá; não, não está. Há apenas dois aj ustes em seu seletor m ental. Não há nenhum talvez, m uito m enos aj ustes para graus de talvez. A j ulgar pelo m odo com o essa cena se desenrola em A hora mais escura, as pessoas que fizeram o film e respeitam isso. Estão apostando que se dá o m esm o com o público. Osam a bin Laden está lá? Sim ou não? Esse é o pensam ento “sem enrolação”. É com o May a pensa. E ela tem razão.

Ou pelo m enos é assim até você requisitar o Sistem a 2 e pensar duas vezes. Na realidade, May a está sendo irracional. Dada a evidência disponível, era provável que o hom em no com plexo fosse Bin Laden. Alguém poderia até argum entar que era altam ente provável. Mas 100%? Certeza absoluta? Sem a m enor chance de que não sej a ele? Não. O hom em no com plexo poderia ter sido um terrorista diferente. Ou um traficante de drogas, um líder m ilitar afegão, um traficante de arm as ou quem sabe um em presário paquistanês rico sofrendo de esquizofrenia paranoica. Mesm o que a probabilidade de cada alternativa ser verdadeira fosse m inúscula, facilm ente chegaria a 1%, 2%, 5% ou m ais — assim , não podem os ter 100% de certeza de que sej a Osam a bin Laden. Um a distinção tão sutil assim faz diferença? Bem , a com unidade de inteligência certa vez teve tanta certeza de que Saddam Hussein tinha arm as de destruição em m assa que nem explorou a possibilidade de que não tivesse. Sim , o aj uste fino faz diferença.

É claro que, com o May a estava insistindo, havia um a verdade obj etiva. Bin Laden estava lá. Então a alegação de May a foi correta, m as foi m ais extrem a do que a evidência podia sustentar, ou sej a, ela estava “com a razão, m as sendo irracional” — a im agem espelhada da posição “sem razão, m as racional” em que a com unidade de inteligência teria estado se tivesse retrocedido da “certeza” para um a chance de 60% ou 70% de que Saddam Hussein tivesse ADM. O resultado final — feliz para May a, infeliz para a IC — não m uda isso.

O Leon Panetta da vida real com preende paradoxos de processo- resultado com o esse. E está m uito m enos propenso à certeza do que o Leon Panetta da ficção. “Nada é cem por cento”, disse várias vezes durante nossa entrevista.

O Leon Panetta da vida real pensa com o um superprevisor.3

No documento Superprevisoes - Dan Gardner.pdf (páginas 110-113)