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JUÍZO POLÍTICO ESPECIALIZADO

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JUÍZO POLÍTICO ESPECIALIZADO

Foi isso que resolvi fazer em m eados da década de 1980, m as desde o com eço m e deparei com em pecilhos. Apesar de quase suplicar aos experts m ais destacados para tom ar parte, ninguém se dispunha a participar. Ainda assim , consegui recrutar 284 profissionais sérios, especialistas genuínos cuj o m eio de vida envolvia a análise de tendências e eventos políticos e econôm icos. Alguns eram acadêm icos trabalhando em universidades ou think tanks. Outros trabalhavam para agências do governo, organizações internacionais com o o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional ou a m ídia. Um pequeno núm ero era m uito fam oso, outros eram bem conhecidos em seu m eio profissional, alguns estavam em início de carreira e naquele m om ento eram bem obscuros. Mas eu tinha de garantir o anonim ato, pois m esm o especialistas que não eram da categoria de elite de um Tom Friedm an m ostravam -se relutantes em arriscar suas reputações em troca de rem uneração profissional zero. O anonim ato tam bém era um a garantia de que os participantes ofereceriam suas m elhores conj ecturas, sem se deixar influenciar pelo m edo de constrangim ento. Os efeitos da com petição pública teriam de esperar por um futuro estudo.

As prim eiras perguntas apresentadas aos especialistas eram sobre eles m esm os. Idade? (A m édia era de 43 anos.) Experiência profissional relevante? (A m édia foi de 12,2 anos.) Grau de instrução? (Quase todos tinham pós-graduação; m etade tinha doutorado.) Tam bém perguntam os sobre suas inclinações ideológicas e abordagens preferidas para resolver problem as políticos.

As questões de previsão com preendiam prazos que iam de um a cinco e a dez anos para m ais, e passavam por diversos tópicos tirados dos noticiários do m om ento: políticos e econôm icos, dom ésticos e internacionais. Eles foram questionados sobre quaisquer tópicos que os com entaristas pudessem ser vistos expondo na m ídia e nos corredores do poder, o que significava que nossos especialistas às vezes fariam previsões em sua área de conhecim ento, em bora, com m ais frequência, não — o que nos perm itiu com parar a precisão de genuínos especialistas no assunto com a de leigos inteligentes e bem inform ados. No total, nossos especialistas fizeram cerca de 28 m il prognósticos.

Fazer as perguntas levou anos. Depois veio a espera, um teste de paciência até para um professor titular. Iniciei o experim ento quando Mikhail Gorbatchóv e o Politburo eram atores centrais dando form a ao destino do m undo; na altura em que com ecei a redigir as conclusões, a URSS existia apenas nos m apas históricos e Gorbatchóv fazia com erciais para a Pizza Hut. Os resultados finais saíram em 2005 — 21 anos, seis eleições presidenciais e três guerras após eu ter participado daquele painel do Conselho Nacional de Pesquisa que m e levou a refletir sobre a prática de previsões. Publiquei-os no tratado acadêm ico Expert Political Judgment: How Good Is It? How Can We Know? [Juízo político especializado: Até que ponto funciona? Com o podem os saber?]. Para sim plificar, vou cham ar todo esse program a de pesquisa de “EPJ”.

E OS RESULTADOS...

Se você não conhecia a piada do EPJ antes de ler este livro, agora j á conhece: o especialista m édio foi m ais ou m enos tão preciso quanto um chim panzé atirando dardos. Mas com o os alunos são advertidos em aulas introdutórias de estatística, m édias podem ser obscuras. Daí a velha piada sobre estatísticos dorm irem com os pés no forno e a cabeça no freezer, porque a tem peratura m édia é confortável.

Nos resultados do EPJ, havia dois grupos de especialistas estatisticam ente distinguíveis. O prim eiro não conseguiu oferecer m ais do que chutes aleatórios e suas previsões de longo prazo chegaram até a perder para os chim panzés. O segundo grupo bateu os chim panzés, em bora não por am pla m argem , e ainda tinha m otivo de sobra para m anter a hum ildade. De fato, ele superou por pouco algoritm os sim ples com o “sem pre prever nenhum a m udança” ou “prever a m ais recente taxa de m udança”. Mesm o assim , por m ais m odesta que tenha sido sua antevisão, ele ainda apresentou algum a.

Então por que um grupo se saiu m elhor do que o outro? Não foi porque seus integrantes tivessem doutorado ou acesso a inform ação confidencial. Tam pouco foi devido ao que pensavam — se eram liberais ou conservadores, otim istas ou pessim istas. O fator crítico foi como pensavam.

Um grupo tendeu a organizar seu pensam ento em torno de Grandes Ideias, em bora não estivessem de acordo quanto a quais Grandes Ideias eram verdadeiras ou falsas. Uns eram profetas do apocalipse am biental (“Está tudo se esgotando”); outros, áugures da cornucópia natural (“Podem os encontrar substitutos de m elhor custo-benefício para tudo”). Uns eram socialistas (adeptos do controle estatal na cadeia de com ando superior da econom ia); outros, fundam entalistas do livre m ercado (favoráveis à m inim ização das regulam entações). Por m ais ideologicam ente diversos que fossem , estavam unidos no fato de seu pensam ento ser tão ideológico. Procuravam enfiar problem as com plexos em seus m odelos preferidos de causa-efeito e tratavam o que não se encaixava com o distrações irrelevantes. Alérgicos a respostas insípidas, insistiam em forçar suas análises ao lim ite (e m ais além ), usando term os com o “adem ais” e “além disso” ao m esm o tem po que alinhavavam as razões pelas quais os outros estavam errados e eles, certos. Com o resultado, eram extraordinariam ente confiantes e tendiam a declarar as coisas com o “im possíveis” ou “certas”. Com prom etidos com suas conclusões, m ostravam -se relutantes em m udar de ideia até m esm o quando seus prognósticos claram ente fracassavam . Eles nos diziam : “Esperem só”.

O outro grupo consistia de especialistas m ais pragm áticos que se valiam de diversas ferram entas analíticas, com a escolha da ferram enta dependendo do

problem a particular a ser enfrentado. Esses especialistas colhiam o m áxim o de inform ação possível de quantas fontes estivessem disponíveis. Na hora de refletir, em geral alteravam o ritm o m ental, recheando seu discurso com m arcadores transicionais com o “entretanto”, “m as”, “em bora” e “por outro lado”. Eles falavam sobre possibilidades e probabilidades, não certezas. E ainda que ninguém tenha dito “Eu m e enganei”, esses especialistas adm itiam o erro e m udavam de ideia m ais prontam ente.

Décadas atrás, o filósofo Isaiah Berlin escreveu um ensaio m uito aclam ado m as pouco lido, com parando os estilos de pensar de grandes autores ao longo das eras. Para organizar suas observações, ele se valeu de um fragm ento de poesia grega de 2500 anos atribuído ao poeta-guerreiro Arquíloco: “A raposa sabe m uitas coisas, o porco-espinho, apenas um a, m as m uito im portante”. Ninguém nunca vai saber se Arquíloco estava do lado da raposa ou do porco- espinho, m as Berlin preferia as raposas. Eu não senti necessidade de escolher um lado. Sim plesm ente gostei da m etáfora, porque capturava algo profundo contido nos dados. Apelidei os especialistas com um a Grande Ideia de “porcos-espinhos” e os especialistas m ais ecléticos de “raposas”.

As raposas levaram a m elhor sobre os porcos-espinhos. E as raposas não venceram sim plesm ente bancando as galinhas, evitando correr riscos com previsões de 60% a 70% quando os porcos-espinhos iam de 90% e 100%. As raposas venceram os porcos-espinhos tanto na calibração como na resolução. As raposas m ostraram verdadeira antevisão. Os porcos-espinhos, não.

Com o os porcos-espinhos foram capazes de se sair ligeiram ente pior do que chutes aleatórios? Para responder essa pergunta, vam os conhecer um porco- espinho típico.18

Larry Kudlow foi apresentador de um talk show de negócios na CNBC e é um expert am plam ente conhecido, m as com eçou com o econom ista no governo Reagan e m ais tarde trabalhou com Art Laffer, econom ista cuj as teorias foram a pedra angular das políticas econôm icas de Ronald Reagan. A Grande Ideia de Kudlow é a econom ia pelo lado da oferta. Quando o presidente George W. Bush seguiu a prescrição do lado da oferta, decretando substanciais cortes de im postos, Kudlow tinha certeza de que um boom econôm ico de igual m agnitude se seguiria. Ele o apelidou de “Bush boom ”. A realidade foi um balde de água fria: o crescim ento e a criação de em pregos foram positivos, m as de certo m odo decepcionantes em relação à m édia a longo prazo, e particularm ente em com paração com a era Clinton, que com eçou com um substancial aum ento de im postos. Mas Kudlow aferrou-se a suas arm as e insistiu, ano após ano, que o “Bush boom ” estava acontecendo tal com o previsto, m esm o que os analistas não tivessem percebido. Ele cham ou isso de “a m aior história j am ais contada”. Em dezem bro de 2007, m eses depois que as prim eiras reverberações da crise financeira se fizeram sentir, a econom ia parecia abalada e m uitos observadores

se preocupavam com a possibilidade de um a recessão im inente, ou até que j á tivesse chegado, m as Kudlow estava otim ista. “Não existe recessão”, escreveu. “Na verdade, estam os prestes a entrar no sétim o ano consecutivo do ‘Bush boom ’.”19

O Escritório Nacional de Pesquisa Econôm ica m ais tarde apontou dezem bro de 2007 com o o início oficial da Grande Recessão de 2007-9. Com o passar dos m eses, a econom ia se enfraqueceu e as preocupações aum entaram , m as Kudlow não deu o braço a torcer. Não existe recessão, nem existirá, insistia ele. Quando a Casa Branca disse o m esm o em abril de 2008, Kudlow escreveu: “O presidente George W. Bush deve ser o principal autor de previsões econôm icas do país”.20 Durante a prim avera e depois no verão, a econom ia piorou, m as Kudlow não adm itiu. “Estam os em um a recessão m ental, não num a recessão de fato”,21 escreveu, tecla em que continuou a bater até 15 de setem bro, quando o Lehm an Brothers entrou com o pedido de falência. Wall Street m ergulhou no caos, o sistem a financeiro global ficou paralisado e pessoas do m undo todo se sentiram com o passageiros de um avião em queda, os olhos arregalados, as unhas cravadas nos braços da poltrona.

Com o Kudlow pôde errar com tam anha consistência? Com o todos nós, previsores porcos-espinhos prim eiro veem as coisas da perspectiva ponta-do-seu- nariz. Isso é bastante natural. Mas o porco-espinho tam bém “sabe um a coisa m uito im portante”, a Grande Ideia que ele usa repetidas vezes quando está tentando im aginar o que vai acontecer a seguir. Pense nessa Grande Ideia com o uns óculos que o porco-espinho nunca tira. O porco-espinho vê tudo por essas lentes. E não se trata de óculos com uns. São óculos de lentes verdes — com o os óculos que os visitantes da Cidade Esm eralda precisavam usar em O maravilhoso mágico de Oz, de L. Frank Baum . Ora, usar óculos de lentes verdes pode às vezes ser útil, na m edida em que acentua algo real que de outro m odo poderia passar despercebido. Talvez haj a apenas um indício de verde num a toalha de m esa que o olho nu pode deixar escapar, ou um sutil tom de verde na água corrente. Mas com m uito m ais frequência óculos de lentes verdes distorcem a realidade. Onde quer que olhem os, verem os tudo verde, estej a o verde ali ou não. E com m uita frequência não está. A Cidade Esm eralda não era sequer esm eralda, na fábula. As pessoas só achavam isso porque eram forçadas a usar os óculos de lentes verdes! Assim , a Grande Ideia do porco-espinho não m elhora sua antevisão. Ela a distorce. E m ais inform ação não aj uda, porque tudo é visto pelos m esm os óculos coloridos. Eles podem aum entar a confiança do porco-espinho, m as não sua precisão. Essa é um a m á com binação. O resultado previsível? Quando porcos-espinhos na pesquisa EPJ fizeram previsões sobre os assuntos que m ais conheciam — suas próprias especializações —, sua precisão caiu. Econom ia am ericana é a área de Larry Kudlow, m as, em 2008, quando ficou cada vez m ais óbvio que ela estava em apuros, ele não viu o que os outros viram . Não

conseguiu. Para ele, tudo parecia verde.

Não que estar errado tenha prej udicado a carreira de Kudlow. Em j aneiro de 2009, com a econom ia am ericana num a crise pior do que qualquer outra desde a Grande Depressão, o novo program a de Kudlow, The Kudlow Report, estreou na CNBC. Isso tam bém é consistente com os dados do EPJ, que revelaram um a correlação inversa entre fam a e precisão: quanto m aior a fam a de um especialista, m enor a precisão. Isso não é porque editores, produtores e o público estão à procura de previsores ruins; eles estão à procura de porcos- espinhos, que por acaso são tam bém m aus previsores. Anim ados por um a Grande Ideia, porcos-espinhos contam histórias enxutas, sim ples, claras, que cativam e prendem o público. Com o qualquer um que passou por treinam ento de m ídia sabe, a prim eira regra é “m antenha a sim plicidade, estúpido”. Melhor ainda, porcos-espinhos são confiantes. Com sua análise de perspectiva única, podem enfileirar razões para explicar com o estão certos — “adem ais”, “além disso” — sem considerar outras perspectivas e as incôm odas dúvidas e advertências levantadas por elas. E assim , com o o EPJ m ostrou, porcos-espinhos são m ais propensos a dizer que algo definitivam ente vai ou não vai acontecer. Para m uitos públicos, isso é satisfatório. As pessoas tendem a achar a incerteza perturbadora e um “talvez” sublinha a incerteza com caneta verm elho vivo. A sim plicidade e confiança do porco-espinho prej udicam a antevisão, m as acalm am os nervos — o que é bom para a carreira de um porco-espinho.

Raposas não se saem tão bem na m ídia. São m enos confiantes, m enos propensas a dizer que algo é “certo” ou “im possível” e m ais inclinadas a se decidir por m atizes de “talvez”. E suas histórias são com plexas, cheias de “entretanto” e “por outro lado”, porque elas olham para os problem as de um j eito, depois de outro e então de outro. Essa agregação de inúm eras perspectivas é ruim para a tevê. Mas boa para as previsões. Na verdade, é essencial.

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