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JUNTANDO TUDO

No documento Superprevisoes - Dan Gardner.pdf (páginas 159-164)

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JUNTANDO TUDO

Aprendem os um bocado sobre superprevisores, de suas vidas a suas pontuações nos testes e hábitos de trabalho. Para fazer um inventário, podem os agora esboçar grosso m odo um retrato m ultifacetado do superprevisor m édio.

Do ponto de vista filosófico, eles tendem a ser: Cautelosos: Nada é certo

Humildes: A realidade é infinitam ente com plexa

Não deterministas: O que acontece não está destinado a acontecer e não tem de acontecer, necessariam ente

Em suas capacidades e estilos de pensar, tendem a ser:

De mente ativamente aberta: Crenças são hipóteses a serem testadas, não tesouros a serem protegidos

Inteligentes e informados, com uma “necessidade de cognição”: Intelectualm ente curiosos, apreciam enigm as e desafios intelectuais Reflexivos: Introspectivos e autocríticos

Matematicamente dotados: Proficientes com núm eros Em seus m étodos de fazer previsões, tendem a ser:

Pragmáticos: Não se prendem a nenhum a ideia nem a interesses pessoais Analíticos: Capazes de recuar da perspectiva ponta-do-seu-nariz e

considerar outros pontos de vista

Com olhos de libélula: Valorizam visões diversificadas e as sintetizam num a visão própria

Probabilísticos: Em item um j uízo usando m uitos graus de talvez Atualizadores ponderados: Quando os fatos m udam , eles m udam de

opinião

Bons psicólogos intuitivos: Cientes do valor de checar o raciocínio à procura de vieses cognitivos e em ocionais

Em sua ética de trabalho, tendem a ter:

Uma atitude mental de crescimento: Acreditam que é possível m elhorar Determinação: Determ inados a continuar dando duro independentem ente

do tem po que leve

Usei am plas pinceladas aqui. Nem todo atributo é igualm ente im portante. O fator m ais forte a predizer a ascensão nas fileiras dos superprevisores é o beta perpétuo, o grau em que a pessoa está com prom etida a atualizar sua convicção e buscar o autoaperfeiçoam ento. É um sinal cerca de três vezes m ais poderoso do que seu rival m ais próxim o, a inteligência. Parafraseando Thom as Edison, a superprevisão parece ser aproxim adam ente 75% transpiração, 25% inspiração.

E nem todo superprevisor dispõe de todos os atributos. Há m uitos cam inhos para o sucesso e m uitas m aneiras de com pensar o déficit num a área m ostrando força em outra. A potência prognosticadora do beta perpétuo de fato sugere, porém , que por m ais alto que sej a o QI da pessoa, é difícil com pensar a falta de dedicação ao proj eto pessoal de “cultivar as sinapses”.

Isso posto, há m ais um elem ento com pletam ente ausente do quadro esboçado: os outros. Em nossas vidas particulares e em nossos locais de trabalho, raram ente em itim os j uízos sobre o futuro em com pleto isolam ento. Som os um a espécie social. Decidim os as coisas j untos. Isso levanta um a im portante questão.

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Superequipes

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A MANHÃ DE 10 de j aneiro de 1961, enquanto o café da m anhã era preparado nos lares am ericanos, os leitores do New York Times abriram o j ornal na m esa da cozinha e leram a m anchete da prim eira página: “EUA aj udam a treinar força anti-Castro em base aérea secreta guatem alteca”. Não m uito longe do litoral pacífico da Guatem ala, “forças ao estilo de com andos estão recebendo treinam ento em táticas de guerra de guerrilha por pessoal estrangeiro, na m aior parte dos Estados Unidos”. Os hom ens sendo treinados eram identificados com o cubanos. Aeronaves am ericanas usando a base eram identificadas. A com panhia am ericana que construiu a base era m encionada. “Autoridades guatem altecas do presidente Miguel Ydigoras Fuentes insistem que o esforço m ilitar é destinado a fazer frente a um ataque, esperado para um dia desses qualquer, vindo de Cuba”, inform ou o Times, m as “adversários do governo Ydigoras insistem que os preparativos são para um a ofensiva contra o regim e do prim eiro-m inistro Fidel Castro e que estão sendo planej ados e dirigidos, e em grande m edida financiados, pelos Estados Unidos. A em baixada dos Estados Unidos vem m antendo com pleto silêncio sobre o assunto”.

Na verdade, a CIA estava treinando exilados cubanos para desem barcar em Cuba e iniciar um a guerra de guerrilha contra o novo governo de Fidel Castro. O sigilo era crucial. Assim que os guerrilheiros desem barcassem , tinham de parecer um a força de patriotas independentes a cam inho de libertar o país. Para conseguir isso, nenhum soldado am ericano desem barcaria com os guerrilheiros e o apoio aéreo seria fornecido por antigos bom bardeiros sem m arcas am ericanas. Ninguém saberia que os Estados Unidos haviam planej ado a coisa toda. Pelo m enos esse era o plano.

Seria de se esperar que em Washington, DC, entre os arquitetos da m issão secreta, a revelação do esquem a na prim eira página do New York Times causasse preocupação e os levasse a reconsiderar. De fato, houve preocupação — m as ninguém reconsiderou nada. “De algum m odo, circulou pelos corredores do governo a ideia de que aquilo não faria grande diferença, contanto que os soldados dos Estados Unidos não tom assem parte no com bate efetivo”, recordou Arthur M. Schlesinger Jr. Com o conselheiro do novo presidente, John F. Kennedy, Schlesinger fez parte do círculo íntim o que autorizou a m issão, e suas recordações estão cheias de adm iração com as trapalhadas que fizeram no planej am ento do que veio a ser conhecido com o a invasão da baía dos Porcos.1

Quando os guerrilheiros treinados pela CIA desem barcaram , o exército cubano estava à espera e os 1400 hom ens na praia foram rapidam ente cercados por 20 m il soldados. Em três dias, estavam todos m ortos ou presos.

O problem a não foi a execução. Foi o plano. Era um plano inconsequente. E isso sem nenhum viés retrospectivo. Toda a deprim ente saga j á foi dissecada e há um raro consenso entre os historiadores, à esquerda e à direita, de que o plano era cheio de falhas que a Casa Branca deveria ter percebido m as não percebeu. Um exem plo particularm ente gritante foi o plano de contingência. A CIA assegurou aos consultores do presidente que se o desem barque fracassasse, os guerrilheiros escapariam para os m ontes Escam bray, onde se j untariam a outras forças anticastristas. Mas essa ideia veio da prim eira versão do plano, que teria desem barcado os guerrilheiros na praia ao pé dessa cadeia m ontanhosa. Os planej adores haviam trocado o ponto de desem barque — m as não consideraram o que essa troca significava para o plano de contingência. “Acho que a gente não se deu conta inteiram ente de que os m ontes Escam bray ficavam a 130 quilôm etros da baía dos Porcos, irrem ediavelm ente separados por um a m assa de pântanos e selva”, recordou Schlesinger.2

Após o fiasco, ninguém acreditou que os Estados Unidos não estivessem envolvidos, e as consequências foram im ediatas e severas. Aliados tradicionais ficaram constrangidos. Os países latino-am ericanos se m ostraram ultraj ados. Protestos antiam ericanos eclodiram por todo o m undo. Liberais que alim entavam grande esperança pelo novo governo Kennedy sentiram -se traídos, enquanto conservadores desdenharam a incom petência do novo presidente. Pior de tudo para os interesses estratégicos dos Estados Unidos, o governo cubano se bandeou ainda m ais para o lado soviético. Em dezoito m eses, aquela ilha na costa da Flórida passava a abrigar 5 m il soldados soviéticos e instalações de m ísseis nucleares soviéticos de alcance interm ediário que poderiam destruir Washington, DC, e a cidade de Nova York, e as duas potências globais ficaram presas num a crise que, pelas estim ativas de Kennedy, em retrospecto, possuía entre um terço e 50% de chance de escalada em um a guerra nuclear.

Porcos é igualm ente fam iliar, m as as sem elhanças param por aqui. Durante treze dias aterrorizantes em outubro de 1962, o governo Kennedy considerou um leque de perigosas opções para contra-atacar a am eaça soviética — incluindo a invasão —, antes de se decidir por um bloqueio naval. À m edida que os navios soviéticos se aproxim avam da linha verm elha am ericana, am bos os lados tentavam descobrir as intenções do inim igo com base em suas ações e com unicações por canais extraoficiais. Finalm ente, um acordo foi alcançado, a guerra foi evitada e o m undo suspirou aliviado.

Se a baía dos Porcos foi o ponto m ais baixo dos anos Kennedy, a crise dos m ísseis cubana foi seu auge, o m om ento em que Kennedy e sua equipe usaram de criatividade para obter um resultado positivo sob extrem a pressão. Sabendo disso, podem os presum ir que Kennedy pôs a casa em ordem após a baía dos Porcos e se cercou de conselheiros m uito m elhores a tem po de cuidar da crise dos m ísseis. Mas não foi o caso. O elenco de personagens nos dois dram as é basicam ente o m esm o: a equipe que m eteu os pés pelas m ãos na baía dos Porcos foi a m esm a que se saiu de form a brilhante durante a crise dos m ísseis em Cuba. Em seu clássico de 1972, Victims of Groupthink [Vítim as do pensam ento de grupo], o psicólogo Irving Janis — um dos m eus orientadores de doutorado em Yale, m uito tem po atrás — explorou os processos de tom ada de decisão que fizeram parte tanto da invasão da baía dos Porcos com o da crise dos m ísseis em Cuba. Hoj e em dia, todo m undo j á ouviu falar do pensam ento de grupo, em bora poucos tenham lido o livro que cunhou o term o ou saibam que Janis quis dizer algo m ais preciso do que a vaga expressão consagrada se tornou hoj e. Na hipótese de Janis, “m em bros de qualquer grupo coeso tendem a m anter inconscientem ente o espírito de equipe, desenvolvendo um a série de ilusões com partilhadas e norm as correlatas que interferem com o pensam ento crítico e o exam e da realidade”.3 Grupos que se dão m uito bem não questionam pressuposições nem confrontam fatos desconfortáveis. De m odo que todo m undo concorda, o que é agradável, e o fato de que todo m undo concorda é tacitam ente adm itido com o prova de que o grupo está no cam inho certo. Não podem os estar todos errados, podem os? Assim , se acontece de um plano secreto am ericano de invadir Cuba sem o envolvim ento aparente dos Estados Unidos aparecer na prim eira página do New York Times, o plano ainda pode ser levado adiante — apenas tom e as providências para que não haj a soldados am ericanos na praia e negue o envolvim ento am ericano. O m undo vai acreditar. E se isso soa im plausível... bem , não se preocupe, ninguém no grupo apresentou obj eção, o que significa que todo m undo acha que é perfeitam ente razoável, então deve ser.

Após o fiasco, Kennedy determ inou um a sindicância para descobrir com o sua equipe podia ter com etido tam anha lam bança. Ele identificou um a reconfortante unanim idade com o o problem a-chave e recom endou m udanças no processo de tom ada de decisão para assegurar que nunca voltasse a acontecer.

Ceticism o era o novo bordão. Os participantes deviam falar não só com o especialistas em suas áreas de conhecim ento, m as tam bém com o generalistas, com licença para questionar qualquer coisa. O assessor especial Theodore Sorensen e o irm ão do presidente, Bobby, foram nom eados “cães de guarda intelectuais”, cuj o trabalho era “perseguir incansavelm ente cada pom o da discórdia a fim de im pedir que erros surgissem de um a análise superficial dem ais das questões”, observou Janis. “Aceitando avidam ente o papel, Robert Kennedy, pagando o preço de se tornar im popular entre alguns de seus colegas, bradava perguntas ásperas e às vezes rudes. Com frequência, deliberadam ente bancou o advogado do diabo.” O protocolo e a hierarquia im pediam o transcorrer espontâneo dessas discussões, de m odo que elas eram deixadas de lado. Novos conselheiros eram ocasionalm ente cham ados para oferecer perspectivas renovadas. E John F. Kennedy às vezes deixava o recinto para perm itir que o grupo conversasse livrem ente, sabendo que havia m enos interlocução quando o presidente estava presente. Essa últim a consideração foi crucial. Kennedy com eçou a crise pensando que, no m ínim o, tinha de autorizar ataques aéreos preventivos contra as bases de lançam ento soviéticas, m as guardou esse pensam ento para si, de m odo a não deixar que se tornasse o foco da discussão. Com o resultado, “no fim do prim eiro dia de reuniões, o com itê discutira seriam ente dez alternativas”, e o presidente com eçou a m udar de ideia. Nunca era fácil. Havia discordâncias constantes. O estresse era brutal. Mas foi um processo que levou à negociação da paz, não à guerra nuclear.4

O m odo com o a Casa Branca sob Kennedy m udou sua cultura de tom ada de decisões para m elhor é um a leitura obrigatória para estudantes de adm inistração e de políticas públicas, porque capta a natureza de dois gum es do trabalho em grupo. Equipes podem causar terríveis equívocos. Tam bém podem afiar o j uízo e conquistar em conj unto o que não se pode realizar solitariam ente. Gerentes tendem a focar no negativo ou no positivo, m as precisam enxergar am bos. Com o j á foi dito, a expressão “sabedoria das m ultidões” vem do best- seller hom ônim o de Jam es Surowiecki, de 2004, m as o título de Surowiecki em si fazia um j ogo de palavras com o livro clássico de 1841, Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds [Ilusões extraordinariam ente populares e a loucura das m ultidões], a crônica de um a série de casos de estupidez coletiva. Grupos podem ser sábios, ou loucos, ou am bas as coisas. O que faz diferença não é apenas quem está no grupo, com o dem onstrou o círculo de conselheiros de Kennedy. O grupo é um anim al com vida própria.

No documento Superprevisoes - Dan Gardner.pdf (páginas 159-164)