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CAPÍTULO 1 O MODELO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS NO

1.1 Juizados Especiais Criminais

1.1.7 Institutos despenalizadores trazidos pela Lei 9.099/95

A Lei 9.099/95, seguindo as tendências da nova política criminal, que busca uma mínima intervenção penal e atendendo à determinação do art. 98, inciso I, da CF/88, instituiu e disciplinou os Juizados Especiais Criminais, contemplando, além da conciliação e transação, a suspensão condicional do processo, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade (art. 62).

Sem dúvida, esses institutos, permeados por nova abordagem dos princípios da legalidade, oportunidade, e aliados ao conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, realizaram uma revolução no sistema penal brasileiro.89

A Lei 9.099/95 não tratou de descriminalização, ou seja, não afastou o caráter ilícito de nenhuma infração penal. Ela regulamentou quatro medidas despenalizadoras, visando evitar a não aplicação de pena privativa de liberdade.

Já o parágrafo único do art. 69, tratou de medida descarcerizadora, prescrevendo que, se o autor do fato, após a lavratura do termo circunstanciado, for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança.

85 Instituto de origem na common law, constitui uma negociação realizada entre o Representante do Ministério

Público (prosecutor) e o autor do fato (defendant), em torno da confissão de culpa deste, em troca de concessões do Estado (geralmente atenuação da pena).

86 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias; LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Comentários à lei dos juizados

especiais cíveis e criminais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995. p. 504.

87 NOGUEIRA, Márcio Franklin. Transação penal. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 172.

88 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais. 5. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 128. 89 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. São Paulo: Ed.

Observa-se que a Lei 9.099/95 estabeleceu medidas despenalizadoras90 e descarcerizadoras91, baseadas no consenso entre as partes. Trouxe a conciliação, com a composição de danos e aplicação de pena não privativa de liberdade (art. 72); a transação penal para as infrações penais cuja pena máxima não exceda dois anos, desde que preenchidos os requisitos legais, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa (art. 76); e a suspensão condicional do processo, para todos os crimes cuja pena mínima não exceda um ano, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 89).

A Lei 9.099/95 inovou profundamente o ordenamento jurídico-penal brasileiro, colocando em prática um novo modelo de Justiça criminal. Trata-se de uma verdadeira revolução, pois quebra a rigidez do princípio da obrigatoriedade92 da ação penal, abrindo-se um espaço para o consenso. Consequentemente, ao lado do consagrado princípio da verdade material, deve-se reconhecer, também, a verdade consensuada.93

90 Segundo o Ministro Celso de Melo, “A Lei 9.099/95, que constitui o estatuto disciplinador dos Juizados

Especiais, mais do que a regulamentação normativa desses órgãos judiciários de primeira instância, importou em expressiva transformação do panorama penal vigente no Brasil, criando instrumentos destinados a viabilizar, juridicamente, processos de despenalização, com a inequívoca finalidade de forjar um novo modelo de Justiça criminal, que privilegie a ampliação do espaço de consenso, valorizando, desse modo, na definição das controvérsias oriundas do ilícito criminal, a adoção de soluções fundadas na própria vontade dos sujeitos que integram a relação processual penal. Esse novíssimo estatuto normativo, ao conferir expressão formal e positiva às premissas ideológicas que dão suporte às medidas despenalizadoras previstas na Lei 9.099/95, atribui, de modo consequente, especial primazia aos institutos (a) da composição civil (art. 74, parágrafo único), (b) da transação penal (art. 76), (c) da representação nos delitos de lesões culposas ou dolosas de natureza leve (arts. 88 e 91), (d) da suspensão condicional do processo (art. 89).” Cf. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Inq 1055/AM QO. Relator: Min. Celso de Mello. Tribunal Pleno. Julgado em: 24 abr. 1996.

Diário da Justiça, Brasília, DF, 24 maio 1996. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/

jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28transa%E7%E3o+penal+despenaliza%E7%E3o%29&base=ba seAcordaos>. Acesso em: 28 dez. 2012.

91 Despenalizar significa “[...] adotar processos ou medidas substitutivas ou alternativas, de natureza penal ou

processual, que visam, sem rejeitar o caráter ilícito da conduta, dificultar ou evitar ou restringir a aplicação da pena de prisão ou sua execução ou, ainda, pelo menos, sua redução [...];” e, descarcerizar, consiste “[...] na adoção de processos que visam evitar a decretação ou manutenção da prisão cautelar ou, ainda, sua efetiva execução em um cárcere (em síntese, é a negação do cárcere como pena antecipada).” GOMES, Luiz Flávio.

Suspensão condicional do processo penal: e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo

modelo consensual de justiça criminal. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997. p. 103-105.

92 Consoante Jardim, devemos pensar a transação penal como uma mitigação ao Princípio da Obrigatoriedade do

exercício da Ação Penal, pois, o legislador, para as infrações de menor potencial ofensivo, abranda esse princípio, dizendo que, para determinadas infrações e crimes, diante de determinados requisitos, o Ministério Público pode oferecer uma proposta de transação penal, possibilitando ao réu uma pena restritiva de direito, uma pena de multa, uma pena não privativa de liberdade, dependente, única e exclusivamente, da aceitação do réu. JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal: estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 337.

Por essa razão, na opinião de Gomes94, a decisão judicial que impõe prisão nos Juizados é absolutamente execrável, pois se trata de dois institutos inconciliáveis. Os Juizados surgiram precisamente para evitar a pena de prisão95. Por esse motivo é que foram adotados vários processos despenalizadores.

Do mesmo modo, Grinover et al96 entendem inaplicável ao sistema dos Juizados Especiais a possibilidade de conversão da pena de multa e restritiva de direitos em pena privativa de liberdade, por falta de previsão legal para sua realização. Portanto, por esses e outros argumentos, que serão analisados no capítulo terceiro, é que se torna controvertida a questão da possibilidade da conversão da transação penal não cumprida em pena privativa de liberdade.

A Lei 9.099/95 trouxe um procedimento adequado à realidade social e conveniente à complexidade dos fatos e gravidade da infração penal. Ela tem o mérito da criação de um “[...] espaço de consenso oferecendo alternativas ao exclusivo e tradicional espaço de conflito.”97

Pode-se dizer que a experiência brasileira gerou uma “sociologia dos juizados criminais”98, concedendo um grande acesso ao Judiciário de situações, até então, não formalizadas e que não recebiam mediação desse órgão.

Os Juizados Criminais concorreram para a pacificação de litígios não somente na área penal, mas também, em outras áreas, notadamente de família e litígios de vizinhança, reduzindo, dessa forma, a pressão sobre o Judiciário.99

Com a Lei 9.099/95 foram lançadas as bases de um novo paradigma de Justiça Criminal, onde o enfoque passa a ser outro, pois não mais importa a decisão formal do caso, mas sim, a busca de solução para o conflito.

94 GOMES, Luiz Flávio. Juizados criminais federais, seus reflexos nos juizados estaduais e outros estudos.

São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002a. p. 36.

95 Id. Suspensão condicional do processo penal: e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do

novo modelo consensual de justiça criminal. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997. p. 189. O princípio da desnecessidade da pena de prisão de curta duração traz o entendimento de que “[...] em lugar de se executar a pena de curta duração, que é nefasta e pode desencadear uma ‘carreira criminal’, o melhor é fazer com que o autor do fato cumpra certas condições, fora do cárcere.” Dessa forma, a pena de prisão mostra-se “[...] nefasta, embrutece e constitui forte fator criminógeno. A conseqüência é o alto índice de reincidência.”

96 GRINOVER, 2002a, op. cit., p. 44.

97 D’URSO, Flávia. Princípio constitucional da proporcionalidade no processo penal. São Paulo: Atlas,

2007. p. 134.

98 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Lei dos juizados especiais criminais: comentada e

anotada. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 75.

Houve uma preocupação maior com a vítima, prevendo-se a composição civil dos danos (art. 74), a ser realizada durante a audiência preliminar, onde as partes são chamadas a tentar um acordo quanto ao prejuízo provocado pela conduta delituosa do autuado.

Por conseguinte, os operadores do direito (juízes, promotores, advogados etc.), além de suas funções precípuas, devem desempenhar o papel de propulsores da conciliação no âmbito penal, sob a égide dos princípios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade100, tidos como informadores dos Juizados Especiais e essenciais na aplicação das medidas despenalizadoras (arts. 2º e 62).

Como se nota, as inovações trazidas pela Lei 9.099/95 encontram-se diretamente ligadas ao rito processual adotado por essa lei, dispensando o formalismo jurídico-processual, nas infrações penais de menor potencial ofensivo. Também a quebra da inflexibilidade do princípio da obrigatoriedade da ação penal, aliado ao procedimento sumaríssimo, significou uma limitação do poder acusatório do Ministério Público e, consequentemente, um obstáculo à intervenção estatal.101

100 GOMES, Luiz Flávio. Suspensão condicional do processo penal: e a representação nas lesões corporais,

sob a perspectiva do novo modelo consensual de justiça criminal. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997. p. 96.

101 ROBERTI, Maura. A intervenção mínima como principio no direito penal brasileiro. Porto Alegre:

CAPÍTULO 2 TRANSAÇÃO PENAL E SUSPENSÃO CONDICIONAL DO