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CAPÍTULO 6 CONSIDERAÇÕES PESSOAIS SOBRE A CONVERSÃO DA MEDIDA

6.1 A Conversão da Medida Imposta na Transação Penal em Pena Privativa de

6.1.3 O descumprimento da pena alternativa e a sua conversão em pena privativa de

Se o Direito Penal somente intervém quando existe ofensa a bens fundamentais da sociedade, exercendo função supletiva da proteção jurídica em geral, apenas atuando

671 FERNANDES, Fernando. O processo penal como instrumento de política criminal. Coimbra: Almedina,

2001. p. 800.

quando os demais ramos do Direito se mostrarem ineficazes na solução dos conflitos, mostra- se um grande contrassenso a falta de penalização para o caso do descumprimento da transação penal.

Como analisado, o descumprimento da medida imposta na transação penal e sua conversão em pena privativa de liberdade contrariam as finalidades da Lei 9.099/95 - que é evitar a instauração do processo e a consequente pena de prisão -.

O Supremo Tribunal Federal673 posiciona-se de acordo com este entendimento, seguido pelo Superior Tribunal de Justiça674, que apesar de haver decidido, no passado, pela possibilidade de conversão do acordo descumprido, hoje se mostra contrário a esta prática. Portanto, a conversão do acordo descumprido em pena de prisão é pouco utilizada atualmente, em razão do posicionamento dos tribunais superiores, que não admitem a conversão por ofensa à garantia constitucional do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa675, além de ofender os princípios da legalidade, proporcionalidade, lesividade, culpabilidade etc.

Diante da impossibilidade de se prever, no momento da realização da transação penal, meios coercitivos como a conversão em pena privativa de liberdade, ou outro meio que possa levar o autor a se sentir compelido ao cumprimento do acordo, resulta na ineficácia desse instituto despenalizador. Com isso, grande parte dos acordos realizados na transação penal fica sem solução - em razão do seu descumprimento pelo autor do fato - demonstrando a falha do sistema ao não prever meios coercitivos à eficácia da medida imposta, deixando a cargo do autor o êxito desta medida.

673 “A conversão da pena restritiva de direito (art. 43 do Código Penal) em privativa de liberdade, sem o devido

processo legal e sem defesa, caracteriza situação não permitida em nosso ordenamento constitucional, que assegura a qualquer cidadão a defesa em juízo, ou de não ser privado da vida, liberdade ou propriedade, sem a garantia da tramitação de um processo, segundo a forma estabelecida em lei.” Cf. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 268.319/PR. Relator: Ministro Ilmar Galvão. Julgado em: 13 jun. 2000. Diário da Justiça, Brasília, DF, 27 out. 2000. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia. asp?s1=%28RE+268319%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/m8p9yfw>. Acesso em: 7 set. 2012.

674 O Superior Tribunal de Justiça entendia que a conversão do acordo descumprido em pena privativa de

liberdade não gerava ofensa aos princípios constitucionais, pois, ao transacionar, concordando com os termos da proposta ofertada pelo Ministério Público, de aplicação de pena alternativa, o autor renunciava a algumas garantias das quais podia legitimamente dispor, mesmo porque, além da inexistência de reincidência, seu nome não constará dos registros criminais, tampouco será considerado como de “maus antecedentes” em caso de condenação por outra infração, a não ser para concessão de novo benefício (transação penal) no prazo de cinco anos. Cf. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Habeas-corpus 14.666/SP. Relator: Ministro Fernando Gonçalves. Sexta Turma. Julgado em: 13 mar. 2001. Diário da Justiça, Brasília, DF, 2 abr. 2001. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=HC+8198&&b=ACOR&p=true &t=&l=10&i=2#> Acesso em: 7 set. 2012.

675 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Habeas-corpus 84.775. Relator: Min. Carlos Velloso. Segunda Turma.

Julgado em: 21 jun. 2005. Diário da Justiça, Brasília, DF, 5 ago. 2005. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28transa%E7%E3o+penal+convers %E3o+em+pena+privativa+de+liberdade%29&base=baseAcordaos>. Acesso em: 7 set. 2012.

Como a possibilidade de se prever a conversão do acordo descumprido na transação penal em pena privativa de liberdade contraria o ordenamento jurídico brasileiro, em virtude das razões expostas nos capítulos anteriores, a melhor solução para o caso pode consistir no oferecimento, pelo Ministério Público, de outra pena alternativa em substituição à pena restritiva de direitos ou multa já ofertada, para o caso de descumprimento do acordo celebrado. Desse modo, o juiz faria constar no termo de audiência que o descumprimento da primeira pena restritiva imposta ensejaria a aplicação de uma segunda pena alternativa.676 E isso ocorreria do seguinte modo: no termo de audiência constaria o pagamento de prestação pecuniária à entidade beneficente, indicada pelo juiz e, em caso de descumprimento ou impossibilidade desta, ensejaria a aplicação da segunda pena alternativa, prestação de serviços à comunidade, pelo período determinado pelo juiz, ou vice-versa.

É uma interessante alternativa para o caso, principalmente em relação à prestação de serviços à comunidade imposta em transação penal homologada e não cumprida, pois, assegurar a execução deste tipo de pena alternativa não é tarefa fácil. E isso ocorre porque os juízes dos Juizados Especiais seguem o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça – de que o acordo descumprido em transação penal deve ser executado – restando, apenas, a execução desse acordo.

No caso do descumprimento da prestação de serviços à comunidade o problema se agrava, pois, ao invés de se executar o acordo de imediato, tenta-se convencer o autor de que a melhor solução é cumprir a medida imposta, intimando-o várias vezes para reiniciar o seu cumprimento. Em alguns casos, o autor até comparece à audiência de justificação e requer a conversão da prestação de serviços em prestação pecuniária (por falta de tempo para cumpri- la ou por tê-la aceitado em razão de estar desempregado etc.). Nestas situações, se já tivesse sido estabelecida outra prestação alternativa para o caso de descumprimento da primeira, no momento do oferecimento da proposta de transação penal, formalizaria o que acaba ocorrendo depois. Portanto, a previsão de uma segunda pena restritiva de direitos para o caso de descumprimento da primeira mostra-se interessante, pois haveria uma nova alternativa para o problema, evitando-se a execução do acordo que, na maioria das vezes, fica sem solução, acabando por prescrever a pretensão punitiva estatal.

676 Visando à solução do problema, propõe-se a possibilidade do próprio acordo prever uma segunda hipótese de

prestação, para o caso de descumprimento da primeira, como a fixação de outra pena restritiva de direitos e de multa. Caso contrário, não haverá a possibilidade de convertê-la. Cf. CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho; PRADO, Geraldo. Lei dos juizados especiais criminais: comentada e anotada. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 104.