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CAPÍTULO 5 SOBRE A LEGITIMAÇÃO DA MEDIDA IMPOSTA NA TRANSAÇÃO

5.1 Principiologia Aplicável à Lei 9.099/95: Constitucional e Infraconstitucional

5.1.1 Princípio da legalidade

5.1.1.1 Princípio da legalidade penal

5.1.1.1.2 Princípio da irretroatividade da lei penal (nullum crimen sine lege praevia)

O princípio da irretroatividade da lei penal encontra sua previsão legal no art. 5º, inciso XL, da CF de 1988, e dispõe que “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.” Também está previsto no art. 2º, caput, do Código Penal, determinando que “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”; e no seu parágrafo único: “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.”

A proibição da irretroatividade representa a pretensão da vigência da lei, exigindo que esta somente alcance os fatos praticados após o início de sua vigência, não incidindo sobre fatos anteriores.493 A finalidade dessa proibição é a proteção da confiança de todos em que os limites da liberdade estejam previamente delimitados de modo vinculante e possam ser observados em qualquer momento nas leis. Conforme Hassemer494, “[...] esta vinculação e a possibilidade de leitura se destruiriam se o legislador, com uma intervenção rápida no comportamento pudesse criminalizá-lo post festum.”

A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, em seu art. XI, n. 2, abriga o princípio da irretroatividade, declarando que

Ninguém será condenado por ações ou omissões que no momento de sua prática não forem delitivas segundo o Direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais grave do que a aplicável no momento da comissão do delito.495

493 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2. ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2003. p. 26. 494 HASSEMER, Winfried. Fundamentos del derecho penal. Traducción y notas de Francisco Muñoz Conde y

Luis Arroyo Zapatero. Barcelona: Bosch, 1984. p. 320. (tradução nossa de: “Esta vinculación y la posibilidad

de lectura se destruirían si el legislador, con una intervención rápida en el comportamiento, pudiera criminalizarlo post festum.”).

495 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948.

Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acesso em: 12 dez. 2012.

Este princípio reflete a segurança do indivíduo em não ser punido, ou não ser punido mais rigorosamente em razão da prática de delitos que anteriormente não eram apenados, ou apenados de forma mais leve. Desse modo, não se vislumbra a possibilidade de o Estado promover a definição do ilícito depois da prática da infração penal.496 Seria um atentado contra a Constituição Federal que destacou a proteção ao direito de liberdade (praevia lege).

O ideal seria se as relações jurídicas fossem reguladas de forma a atender os interesses individuais e sociais no momento de sua execução. Para tanto, a legalidade substancial fornece solução à justiça real, que fica desprotegida ante a insegurança de prevalência de eventual norma posterior à ocorrência de fato, gerando ameaça à estabilidade das relações, como no caso do Direito Penal, ao direito de liberdade. É a legalidade formal que predefine a legislação aplicável.497 Acolhe- se o princípio da legalidade formal - irretroatividade da lei -, complementado pelo princípio da legalidade substancial – retroatividade benéfica da lei penal, desde que mais favorável.

A proibição da irretroatividade da lei penal somente é aplicada em relação à lei mais severa. Tratando-se de lei penal benéfica ao autor de um fato ilícito, esta retroagirá, mesmo diante de sentença condenatória transitada em julgado.498 Se após o cometimento do ilícito surge uma lei penal mais benéfica, ou pelo fato de trazer uma pena mais branda, ou pelo fato de descriminalizar o delito, ou ainda, de excluir a possibilidade de imposição de pena privativa de liberdade, ela deverá ser aplicada. Podemos citar como exemplo, o artigo 28 da Lei 11.343/2006 (Lei de Tóxicos), que afastou a aplicação de pena privativa de liberdade e multa no caso do porte de substância entorpecente para uso próprio, anteriormente previsto no artigo 16 da Lei 6.368/1976, cuja pena prevista era de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos de detenção e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa, e com a nova lei passou a prever as seguintes penalidades: “I- advertência sobre os efeitos da droga; II- prestação de serviços à comunidade; e III- medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo.”

496 CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA JUNIOR; Paulo José da. Direito penal na constituição. 2. ed. São

Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1991. p. 49.

497 Ibid., p. 50.

498 Nesse sentido, Hassemer defende que “La aplicación de las leyes más favorables (atenuación,

descriminalización) quizá perturbe, cuando se aplican retroactivamente, el sentido del orden, la necesidade de retribución o de venganza, pero no la confianza general en la Administración de Justiça como una institución de control social, que cuando castiga a alguien lo hace de um modo ponderado y no arteramente.” Cf. HASSEMER, Winfried. Fundamentos del derecho penal. Traducción y notas de

A partir do momento da publicação da nova lei mais benéfica, ela adquire eficácia e vigência, surtindo seus efeitos no mundo jurídico, não podendo ser obstaculizada por qualquer motivo. Cumpre salientar que “A lex mitior é de aplicação irrestrita.”499

Não se pode esquecer que as leis temporárias ou excepcionais representam exceções ao princípio da irretroatividade da lei penal, pois são ultra-ativas.500 Esgotado seu período de duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, são aplicadas aos fatos ocorridos durante a sua vigência.

De acordo com este princípio, é impossível a conversão da medida celebrada na transação penal, em razão do seu descumprimento, pois o art. 85 da Lei 9.099/95, que trazia a previsão de que o não pagamento da multa ensejaria na sua conversão em pena privativa de liberdade foi revogado pela Lei 9.268/96, que deu nova redação ao art. 51 do Código Penal, prevendo a inscrição da multa não paga como dívida ativa da Fazenda Pública, não mais havendo a possibilidade de sua conversão em pena privativa de liberdade. Portanto, no caso da pena de multa aplicada na transação penal, não existe a possibilidade de sua conversão em pena privativa de liberdade, pois a lei nova é mais benéfica, não havendo a possibilidade de aplicação da lei anterior, que é prejudicial ao infrator.

5.1.1.1.3 Princípio da exigibilidade de lei escrita (nullum crimen, nulla poena sine lege scripta)