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A COMUNICAÇÃO PARA A SAÚDE COMO CHAVE DA PROMOÇÃO DA LITERACIA EM SAÚDE

III. Plano de Gestão

9. Avaliar os outcomes 45 e o impacto da estratégia (Fizemos bem?).

2.2. Literacia em Saúde e Empoderamento

Definir o conceito de literacia em saúde passa, forçosamente, por definir os dois termos que lhe estão subjacentes: literacia e saúde.

No que diz respeito ao primeiro, a definição proposta pela UNESCO (United Nations Educational Scientific and Cultural Organization) afigura-se como uma das mais completas e que engloba os vários aspetos da literacia, seja o seu impacto a nível individual, como a sua importância para a comunidade e para a sociedade:

Literacia é a capacidade de identificar, compreender, interpretar, criar, comunicar e calcular, usando materiais escritos associados a diferentes contextos. A literacia envolve uma aprendizagem contínua para habilitar os indivíduos a atingir seus objetivos, desenvolver os seus conhecimentos e potencial, e participar plenamente na sua comunidade e sociedade em geral (United Nations Educational Scientific and Cultural Organization [UNESCO], 2004: 13).

Importa compreender, neste âmbito, os vários tipos de literacia: fundamental, científica, cívica e cultural (Zarcadoolas et al., 2003; Zarcadoolas, Pleasant, & Greer, 2005):

1) Literacia Fundamental: capacidade para ler, escrever, efetuar cálculos, compreender uma língua, números ou símbolos matemática;

2) Literacia Científica: conhecimento de conceitos científicos, capacidade para compreender técnicas complexas e aspetos relacionados com a tecnologia, incluindo-se nesta categoria a utilização de jargão especializado;

3) Literacia Cívica: consciência dos problemas públicos, capacidade para compreender como as decisões individuais afetam a saúde pública e capacidade para compreender a informação mediada;

4) Literacia Cultural: capacidade para reconhecer e utilizar os aspetos contextuais do indivíduo, como as crenças coletivas, costumes culturais, identidade social para a interpretação e uso da informação, neste caso relacionada com saúde.

Entende-se, assim, a literacia como um conceito amplo que vai muito além da capacidade para ler, escrever e interpretar, contemplando a participação ativa e a capacitação dos indivíduos, de modo a que possam não só aumentar os seus conhecimentos e capacidades, mas que se tornem também agentes ativos na sociedade em que se inserem.

Por sua vez, o conceito de saúde, já definido anteriormente na aceção da Organização Mundial de Saúde, vem juntar-se ao de literacia, dando nome a uma realidade cada vez mais importante nos tempos atuais: a capacitação dos indivíduos e da sociedade para promoverem tanto a sua própria saúde, como a saúde pública (World Health Organization [WHO], 2009a).

Esta capacitação passa, inevitavelmente, pela aquisição de conhecimentos, pelo que neste trabalho se defende uma abordagem abrangente que inclui uma perspetiva de saúde individual e uma perspetiva de saúde pública, contemplando a aquisição, a compreensão, a avaliação e a utilização dos

107 conhecimentos como componentes integrais da literacia em saúde (Abel, 2007; Eiró-Gomes & Atouguia, 2012; a. Pleasant & Kuruvilla, 2008; Zarcadoolas et al., 2005)

Em Portugal, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, organismo público integrado na administração indireta do Estado, sob a tutela do Ministério da Saúde, resume assim as competências em literacia em saúde48:

1- Competências básicas em saúde que facilitam a adoção de comportamentos protetores da saúde e de prevenção da doença, bem como o autocuidado;

2- Competências do doente, para se orientar no sistema de saúde e agir como um parceiro ativo dos profissionais;

3- Competências como consumidor, para tomar decisões de saúde na seleção de bens e serviços e agir de acordo com os direitos dos consumidores, caso necessário;

4- Competências como cidadão, através de comportamentos informados como o conhecimento dos seus direitos em saúde, participação no debate de assuntos de saúde e pertença a organizações de saúde e de doentes (Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, sem data)

A literacia em saúde envolve, de facto, variadas competências ou variados níveis, começando nas capacidades mais funcionais e terminando no envolvimento e capacitação. A Organização Mundial de Saúde, define, neste sentido, três níveis de literacia em saúde:

1) Literacia Funcional: capacidade para ler receitas médicas, consentimentos, rótulos de produtos e medicamentos e informação sobre cuidados de saúde; capacidade para compreender informação oral e escrita, transmitida por profissionais da área da saúde; capacidade para seguir as diretrizes e tomar a medicação corretamente.

2) Literacia Conceptual: capacidade para compreender, avaliar e utilizar informação e conceitos sobre saúde, permitindo a tomada de decisões e escolhas informadas, reduzir riscos para a saúde e aumentar a qualidade de vida.

3) Literacia em saúde como Empoderamento: reforço da cidadania ativa, promovendo o compromisso com a promoção da saúde, esforços de prevenção e envolvimento pessoal em compreender os seus direitos como doentes e a sua capacidade para utilizar os sistemas de saúde; agir como consumidores informados sobre os riscos dos produtos e sobre os prestadores de serviços de saúde; agir a nível individual ou coletivo, participando no sistema político e social para a promoção da saúde (World Health Organization [WHO], 2009a). De salientar, ainda, a proposta de Nutbeam (2000) de três níveis de literacia em saúde:

1)

Literacia básica ou funcional;

2)

Literacia comunicativa / interativa;

3)

Literacia crítica.

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Em primeiro lugar, a literacia básica ou funcional envolve as competências básicas de leitura e escrita para a interpretação de documentos, como receitas médicas, bulas, regulamentos, diretrizes, entre outros. Está, por isso, relacionada com a componente da informação, como por exemplo a transmissão de informação factual sobre riscos de saúde e utilização dos serviços de saúde. Os resultados a este primeiro nível passam, a nível individual, por exemplo, pelo aumento dos conhecimentos sobre riscos e serviços de saúde e, a nível comunitário, pelo aumento da participação da população em programas de saúde.

Por sua vez, a literacia comunicativa/interativa envolve competências cognitivas e sociais mais avançadas, que permitam a participação em atividades, a compreensão de diferentes formas de comunicação e a sua aplicação no dia-a-dia. A nível individual, os resultados podem passar pela melhoria da capacidade para agir com conhecimento, maior motivação e confiança em si próprio e, a nível comunitário, pelo aumento da capacidade para influenciar normas sociais e envolver-se em grupos sociais, relacionando-se por isso com o conceito de advocacy, cuja importância foi já discutida anteriormente neste trabalho.

O último nível, a literacia crítica para a saúde está relacionada com a capacidade para analisar criticamente a informação e utilizá-la de modo a assegurar o controlo em determinadas situações. Está, por isso, intrinsecamente ligado à autonomia e empoderamento. A nível individual, os resultados podem verificar-se na melhoria da resistência individual às adversidades económicas e sociais e, a nível comunitário, no aumento da capacidade de agir sobre os determinantes económicos e sociais na saúde, assim como na melhoria da capacitação geral da comunidade (Nutbeam, 2000).

A definição de health literacy da WHO espelha precisamente estes vários níveis, afirmando que literacia em saúde é mais do que saber ler. É promover o acesso à informação e capacitar para que cada um consiga utilizá-la eficazmente, sendo, por isso, um elemento fulcral de empoderamento e participação cívica (World Health Organization [WHO], 1998a, 1998b).

O conceito de empoderamento assume, indubitavelmente, um papel de destaque quando se trata de definir o que é e quais os efeitos de uma sociedade com um grau de literacia em saúde elevado, ou seja, uma sociedade em que a promoção da saúde é, de facto, uma realidade (Commission Of The European Communities, 2007; Schulz & Nakamoto, 2013; WHO Regional Office for Europe, 2013).

A literacia em saúde significa empoderamento. A literacia em saúde radica-se no movimento de promoção de saúde, com o objetivo de capacitar as pessoas como cidadãos, membros da força de trabalho, consumidores e pacientes, para que possam tomar melhores decisões sobre sua saúde e melhorar as suas competências na gestão da sua própria saúde. Empoderamento é tanto um processo através do qual as pessoas obtém mais controlo sobre suas vidas, a sua saúde e os seus determinantes, como um resultado que reflete a capacidade das pessoas - indivíduos ou comunidades – para influenciar o mundo. Através do empoderamento, os programas de literacia em saúde contribuem para democratizar o sistema de saúde e para alcançar um compromisso mais

109 forte para a saúde e bem-estar nas comunidades e na sociedade em geral (WHO

Regional Office for Europe, 2013: 22-23).

Esta noção de literacia em saúde engloba, assim, aquilo que tem vindo a ser definido na literatura como public health literacy 49, incluindo tanto a componente individual como a componente pública da literacia em saúde, indissociáveis no processo de capacitação e empoderamento (Commission Of The European Communities, 2007; WHO Regional Office for Europe, 2013)

Entende-se, em primeira instância, a literacia em saúde, como um conjunto alargado de capacidades que são necessárias para a procura, obtenção, interpretação, discussão e uso de informações que permitam, por sua vez, tomadas de decisão informadas e que promovam a saúde, contribuindo para uma melhor qualidade de vida. Mas mais do que isso, a literacia em saúde pressupõe o verdadeiro envolvimento e mobilização para a promoção da saúde, constituindo-se, como um elemento determinante no que diz respeito ao estado da saúde pública de uma determinada sociedade.

Pensemos no papel a literacia em saúde desempenha no seio de uma sociedade. Aqui, a noção de informação ganha especial relevo mas não nos podemos esquecer que a informação é só o primeiro passo que leva a uma mudança de comportamentos; muitos outros continuam a ser necessários. De facto, a informação e o conhecimento são um sinónimo de poder. Poder para prevenir a doença, poder para procurar apoios, poder para esclarecer dúvidas, poder para ter ao seu dispor as ferramentas necessárias para o início de um processo de mudança. Se não houver conhecimento e, mais do que isso, se não houver um elevado nível de literacia em saúde, a população (ou o individuo enquanto cidadão autónomo) não saberá como prevenir-se de uma doença, como apoiar o seu tratamento, como procurar que apoios e ajudas estão disponíveis, entre outros aspetos (Eiró-Gomes & Atouguia, 2012: 107)

As consequências de baixos índices de literacia em saúde afetam não só a vida da própria pessoa, como também assumem repercussões a nível demográfico, sociopolítico, psicossocial e cultural. Num mundo ideal, os cidadãos possuiriam elevados níveis de literacia em saúde: teriam as bases para procurar informação, conhecer os fatores influenciadores e tomar decisões informadas sobre a sua saúde, da sua família e comunidade. Consequentemente, teriam comportamentos mais preventivos e saudáveis, seriam capazes e teriam consciência da importância de lutarem pelos seus direitos (Edwards, Wood, Davies, & Edwards, 2012; National Coalition for Literacy, 2009; Don Nutbeam, 2008; A. Pleasant, 2011; Sørensen et al., 2012; Zarcadoolas et al., 2005).

Ao longo de toda a vida, deparamo-nos com situações em que a literacia em saúde é fundamental. Seja para compreender uma receita médica ou a bula de um fármaco, a explicação de um médico,

49 “(…) public health literacy is defined as the degree to which individuals and groups can obtain, process,

understand, evaluate, and act on information needed to make public health decisions that benefit the community.” (Freedman et al., 2009: 446)

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interpretar o relatório de um exame ou procurar informação sobre a doença diagnosticada a um familiar, existem uma série de competências que se tornam necessárias (Institute of Medicine [IOM], 2004; Kobylarz, Pomidor, & Pleasant, 2010; National Library of Medicine, 2000; National Network of Libraries of Medicine, 2010; Parker, 2009).

Em primeiro lugar, é necessário que a informação esteja disponível, mas não basta. É necessário que os indivíduos sejam capazes de a procurar, interpretar e compreender. A noção de compreensão ganha aqui especial importância, na medida em que sem ela jamais se atingirá um nível favorável de literacia em saúde e, consequentemente, jamais se obterão mudanças quer ao nível dos conhecimentos, quer das atitudes e comportamentos.

Para além destas competências ao nível da procura, interpretação e aplicação de conhecimentos é cada vez mais importante que os indivíduos estejam verdadeiramente capacitados para se tornarem agentes de mudança. Mais do que saber onde encontrar informação, mais do que compreender essa informação, pretende-se que os indivíduos se tornem difusores da mensagem, levando a que outros também mudem os seus comportamentos e se tornem capazes de, por si, reivindicar junto dos sistemas políticos, sociais e de saúde, aquelas que são as suas reais necessidades.

Para tal, é necessário que, em cada sociedade, se reúnam esforços e que diferentes intervenientes assumam a responsabilidade de melhorar a literacia em saúde, nomeadamente o sistema educativo, o sistema de saúde e o sistema cultural. Também a sociedade civil é chamada, neste âmbito, a ter um papel a desempenhar na promoção da saúde enquanto um bem comum.

Isto requer que o desenvolvimento de estratégias deva ser feito em colaboração com a sociedade civil por forma a assegurar que as necessidades e o conhecimento das comunidades apoiem o processo de mudança no país (Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, sem data).

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