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A COMUNICAÇÃO PARA A SAÚDE COMO CHAVE DA PROMOÇÃO DA LITERACIA EM SAÚDE

III. Plano de Gestão

8. Promoção de projetos de voluntariado.

4.2. Cuidadores de Pessoas com Demência

4.2.2. Os Desafios para os Cuidadores Familiares de Pessoas com Demência

O papel dos cuidadores informais é importante em vários domínios. Em primeiro lugar, na fase de deteção, muitas vezes são as pessoas próximas, que são depois muitas vezes os

139 cuidadores, que detetam as alterações iniciais nestes doentes. Segundo, nas fases iniciais

podem efetivamente fazer um acompanhamento melhor do que qualquer instituição, do que qualquer consulta médica (que são indispensáveis), mas na prestação de cuidados são eles que mais podem ajudar, nomeadamente a família. Se os doentes forem bem integrados, com certeza que são muito mais felizes. Mas quando falamos de Doença de Alzheimer, muitas vezes falamos de casos completamente diferentes, porque a expressão da doença em si às vezes não é igual e as estruturas familiares também não são iguais, mas de uma maneira transversal pode dizer-se que o papel dos cuidadores é muito importante nas fases iniciais. Nas fases terminais, para alguns cuidadores continua a ser uma possibilidade e conseguem cuidar, para outros há mais dificuldades e daí eu dizer que era necessário criar estruturas para responder a esses doentes nessas fases mais tardias (Dr. Celso Pontes, 2015, Entrevista, Anexo I).

À medida que a doença evolui, o grau de exigência para os cuidadores familiares vai aumentando, desde a ajuda na gestão do orçamento familiar, à ajuda na alimentação, higiene, até à dependência total, 24 horas por dia. O desgaste e a sobrecarga em termos emocionais, físicos, sociais, financeiros e mesmo em termos de saúde vão, assim, aumentando gradualmente.

É muito difícil porque naturalmente que vermos um familiar desaparecer, estar ali mas já não estar, custa muito do ponto de vista afetivo, mas se formos bem apoiados, se formos bem educados, talvez o nosso familiar não se vá embora tão depressa, talvez fique cá mais tempo e isso é um esforço que é preciso fazer desde o princípio. E depois tirar de facto o grande peso afetivo que isto tem e neste caso as pessoas não precisam de remédios, precisam de apoio e o apoio tem que ser destas organizações, que têm que ser feitas… Outro ponto importante é que nós temos que manter a estrutura das rotinas do doente, da vida deles, como eles sempre viveram e portanto tem que ser todo um trabalho de proximidade e esse trabalho é o mais importante de todos (Prof. Doutor Alexandre Castro Caldas, 2015, Entrevista, Anexo I).

Os cuidadores vêem-se defrontados diariamente com múltiplas exigências, dificuldades e fontes de preocupação, stress e sobrecarga. O tempo que têm que despender para cuidar da pessoa com demência, o desgaste provocado pelas alterações comportamentos, sintomas cognitivos e psicológicos, a dificuldade de assumir o papel de cuidador do progenitor ou do cônjuge, a alteração no tipo de relacionamento, a perda de proximidade, intimidade e reciprocidade nos relacionamentos, especialmente nos conjugais, o assumir de novas tarefas que pertenciam à pessoa com demência (cozinhar, tarefas domésticas ou gerir as finanças e o património).

A maior dificuldade é ter que conviver permanentemente , diariamente, de hora a hora com a pessoa que está a perder as suas faculdades e que deixa de ser a pessoa que conhecia, como mãe, como pai, como marido e depende progressivamente, cada vez mais, da pessoa que o acompanha (Dra. Olívia Robusto Leitão, 2015, Entrevista, Anexo F).

Todos estes fatores fazem com que a tarefa de cuidar não seja uma tarefa fácil, reforçando a ideia de que o apoio a estes cuidadores é, de facto importante.

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A maior parte deles não sabe, não está preparado e não pode estar. A maior parte deles não sabe que há informação e não sabe onde a pode ir buscar. Alguns não conseguem nunca lidar com a situação. Alguns conseguem melhorar um bocadinho, mas de todo não. Se calhar ainda não há suficiente divulgação nos centros de saúde, nas farmácias, sobre os locais onde podem ir buscar essa informação e apoio (Dra. Olívia Robusto Leitão, 2015, Entrevista, Anexo F).

Saber como lidar com as alterações de comportamento, saber como fazer adaptações na residência e nas atividades da vida diária, saber como ajudar a pessoa com demência nas suas tarefas básicas. Todos estes elementos são de suma importância para que os cuidadores consigam prestar melhores cuidados e, assim, melhorar a qualidade de vida da pessoa com demência de quem cuidam e, ao mesmo tempo, também a sua própria qualidade de vida (Alzheimer’s Association, sem data-c; Alzheimer’s Society, sem data-c; Associação Alzheimer Portugal, 2015a; Erol et al., 2015; Graham, Ballard, & Sham, 1997; Instituto da Segurança Social I.P., 2005; Perla Werner, 2001; World Health Organization [WHO] & Alzheimer’s Disease International, 2012).

Os conflitos familiares são, também, muito comuns, resultado da perceção de que a responsabilidade de cuidar não é compartilhada, ou de desacordos sobre questões financeiras ou relacionadas com a prestação de cuidados (World Health Organization [WHO] & Alzheimer’s Disease International, 2012).

Ser cuidador de uma pessoa com demência pode, assim, ter um impacto significativo na saúde física e mental, aumentando a probabilidade de manifestar sintomas de depressão e ansiedade. As opiniões manifestadas por diversos especialistas em Portugal relativamente aos principais desafios e dificuldades com os quais se deparam os cuidadores familiares no decurso da doença espelham precisamente os vários aspetos mencionados nos estudos e relatórios supramencionados.

A Dra. Ana Isabel Paiva, Psicóloga e moderadora do grupo de suporte da Associação Alzheimer Portugal, salienta as grandes dificuldades emocionais pelas quais passam os cuidadores, para além das económicas e, ainda, dos problemas relacionados com o estigma existente em torno desta doença.

As primeiras dificuldades são as dificuldades de ordem emocional, de eles próprios aceitarem a doença. De compreenderem do que é que se trata e de aceitarem a natureza degenerativa da doença e o impacto da doença a nível das capacidades cognitivas e do funcionamento social. Vivemos numa sociedade que valoriza muito as questões cognitivas e por isso às vezes ouvimos dizer que quem não tem memória não existe, deixou de existir… portanto, quando uma pessoa recebe a notícia de que um familiar tem uma doença que lhe está a roubar a memória, a deteriorar o pensamento, a tirar as capacidades para as atividades da vida diária, isto é um choque imenso, tremendo mesmo. Lidar com este processo de aceitação da doença, que é feito por várias fases, pelas quais todos os cuidadores passam, embora nem todos cheguem a uma plena aceitação. Depois todas as questões de ordem logística que a própria doença coloca, de alterações e de ajustamentos

141 que se têm que fazer na vida, não só na vida do cuidador, é na vida da família daquela

pessoa. As questões de ordem financeira que têm um impacto brutal. As pessoas não têm dinheiro para pagar aquilo que é preciso, a maior parte não tem, algumas têm, mas a maior parte não tem, portanto depois tem que priorizar. - Ainda hoje falava com uma cuidadora que quando recebeu o diagnóstico da mãe, ela começou a fazer terapia de fala, fisioterapia, massagens, acompanhamento psicológico, estimulação cognitiva… tinha as semanas todas ocupadas! Mas agora, ao fim do ano não há dinheiro para pagar metade destes tratamentos e atualmente só faz fisioterapia, porque está a acabar-se o dinheiro. Voltando às questões emocionais, outra questão que se coloca muitas vezes é a dos cuidadores filhos lidarem com as questões relacionadas com alguma possível, hipotética hereditariedade. Perceber bem estas questões que não percebem normalmente. São assuntos que não conheciam, porque antes de se ser visitado por uma situação destas, ninguém está preparado. São múltiplos desafios! No limite, o desafio de tentar não estigmatizar a pessoa com Demência e potenciar que esta seja bem aceite no seu meio familiar, tentar manter o contacto com os colegas de trabalho, de vida ativa… Tentar criar um clima de verdadeira aceitação, é um desafio muito grande. A maior parte das pessoas preocupa-se tanto com as outras questões que se esquece desta. Quebrar a estigmatização e trazer a pessoa para a vida social na medida das suas capacidades, e fazer a ponte com as outras pessoas para que a aceitem e a ajudem, isto é muito desafiante (Dra. Ana Isabel Paiva, 2015, Entrevista, Anexo X).

Também os médicos especialistas reconhecem a sobrecarga emocional como um dos maiores desafios para estes cuidadores. Tal como salientam o Prof. Doutor Castro Caldas e o Dr. Celso Pontes:

Primeiro é de facto a aceitação da situação e um misto de “será que isto é hereditário, será que não é, será que vou ficar também com a doença, etc”. Depois há a parte do carácter emocional e afetivo que são os mais difíceis. A pessoa tem que fazer o luto da pessoa com quem vive, não é fácil. Depois vem a parte física, porque há o incómodo de perder as coisas, o incómodo de fazer as suas necessidades na sala porque a certa altura em vez de ir à casa de banho vai a outro sítio, porque deixa a torneira aberta, o fogão aceso, sai de casa e foge… todas essas coisas que constituem um sobressalto constante que é muito complicado e faz com que as pessoas tenham uma atitude negativa que não é exatamente o que a outra precisa e pelo contrário provoca ansiedade e um agravamento enorme da situação. Eu tenho exemplos de doentes que tinham noites agitadíssimas e ficaram muito melhores quando morreu o cônjuge, porque era a ansiedade e agitação, o que é terrível (Prof. Doutor Alexandre Castro Caldas, 2015, Entrevista, Anexo I).

Primeiro, entender bem a doença; Depois aceitar que existe a doença; Depois tentar entender a progressão da doença e portanto a necessária adaptação às diferentes fases da doença; Depois ainda uma certa resiliência e uma certa resistência psicológica; e depois também económica e física, porque realmente existe um peso muito grande para os cuidadores que tratam destas doenças, um peso económico, social, familiar, etc… Eu acho que esses é que são os grandes desafios que é entender, saber como a doença evolui, compreendê-la, aceitá-la, o que muitas vezes há pessoas que não conseguem e depois de

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aceitar é realmente a capacidade de resistência que é preciso para ao longo de cerca de dez anos (muitas vezes) prestar os cuidados da melhor maneira ao doente que deles necessita. (Dr. Celso Pontes, 2015, Entrevista, Anexo O)

Esta sobrecarga emocional para o cuidador leva, ainda, a que a própria saúde e bem-estar do cuidador sejam descurados e que este acabe por se esquecer de cuidar de si próprio. Tal como referido pela Dra. Carina Carvalho, um cuidador cansado, ansioso, isolado terá uma maior propensão para o desenvolvimento de depressão e, consequentemente, a qualidade dos cuidados que prestará será reduzida, traduzindo-se numa diminuição da qualidade de vida para ambos, doente e cuidador.

Acima de tudo aprender a lidar com comportamentos com os quais não sabem lidar e quando aprendem a responder aos mesmos, eis que surge um novo comportamento do doente ao qual voltam a não saber dar resposta, o que se deve também muito à falta de informação. Outro desafio e para mim dos mais importantes é aprenderem a fazer um equilíbrio entre cuidar do doente e cuidar do próprio, pois muitas vezes, devido à árdua tarefa de cuidar, o cuidador acaba por se anular e entrar em processo de depressão. (Dra. Carina Carvalho, 2015, Entrevista, Anexo AA)

Os cuidadores familiares assumem um compromisso a longo prazo, sendo ainda influenciados por questões sociais e culturais, como a obrigação da prestação de cuidados aos mais idosos e dependentes.

Eu acho que a primeira grande dificuldade é a própria validação da doença. Eu vejo muitas famílias já com fases de Demência relativamente avançadas e que por desconhecimento as pessoas continuam a achar que a pessoa está desequilibrada ou que a pessoa sempre foi teimosa e agora ainda está mais, ou sempre foi autocrática e agora ainda está mais e não percebem que aquilo é uma doença e muitas vezes isso nas fases iniciais causa grandes conflitos familiares porque a pessoa não percebe que é uma Demência pensa que é ele que está a fazer mal. Depois há o assumir dos cuidados e a enorme carência que há de orientação inicial, as pessoas saberem onde podem recorrer, onde podem ter ajuda e muitas vezes as pessoas têm uma exaustão muito maior do que seria necessário porque não sabem onde recorrer, não sabem onde ter ajuda. Depois obviamente que há as componentes técnicas que as pessoas vão adquirindo umas melhores, outras piores, que ainda é difícil cá em Portugal. A questão da exaustão… perceber que a exaustão é um problema e saber que medidas se podem tomar em relação à exaustão. E há uma questão muito nossa, da nossa culpa judaico-cristã que temos que cuidar de quem amamos e temos que perceber que o cuidar também é cuidar de si e eu vejo muita gente entrar inutilmente em sobrecarga por causa disto e isto é uma coisa que também tem que ser trabalhada (Prof Dr. Manuel Caldas de Almeida, 2015, Entrevista, Anexo U).

Na mesma senda, verifica-se, também, um elevado risco de isolamento social dos cuidadores, o que faz com que passem eles próprios a ser alguém que precisa de cuidados e, na maioria dos casos, o descurem (Erol et al., 2015; Instituto da Segurança Social I.P., 2005; World Health Organization [WHO] & Alzheimer’s Disease International, 2012)

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143 O isolamento social e a ansiedade que, muitas vezes, os cuidadores estão votados, além das

repercussões na esfera familiar, económica, emocional, para o doente e para as pessoas que o rodeiam, levam a situações de sobrecarga que têm, inevitavelmente, implicações, quer na qualidade de vida dos cuidadores quer, consequentemente, na qualidade dos cuidados prestados (Instituto da Segurança Social I.P., 2005: 91).

A nível económico, as dificuldades para os cuidadores familiares são também largamente reportadas. A prestação de cuidados envolve, nas fases moderada e avançada, a supervisão permanente, pelo que muitos cuidadores se vêm obrigados a abandonar os empregos e a ficar em casa a cuidar da pessoa com demência. A falta de apoios na maioria das sociedades faz com que esta seja mais uma preocupação e fonte de desgaste para estes cuidadores (Erol et al., 2015; Instituto da Segurança Social I.P., 2005; World Health Organization [WHO] & Alzheimer’s Disease International, 2012).

O estudo levado a cabo por Graham et al. (1997), para além de corroborar estes dados, chegou a uma listagem das nove grandes preocupações sentidas pelos cuidadores familiares:

 Não ser capaz de lidar com a situação;  O sofrimento do doente;

 Desenvolver também demência;  A morte do doente;

 Incapacidade da medicina para tratar a doença;  O doente deixar de ser quem é;

 A situação em que poderá ficar o doente se acontecer alguma coisa ao cuidador;  Incerteza;

 Falta de informação.

A falta de informação como uma das preocupações sentidas pelos cuidadores familiares vem reiterar a ideia de que este público-alvo, para que consiga desempenhar o seu papel da melhor forma, necessita não só de suporte social e psicológico, mas necessita também de uma componente de informação e capacitação que lhe permita aprender a gerir a doença do seu familiar, a saber como agir em determinada situação do dia-a-dia, como procurar os apoios de que necessita, como se tornar um agente ativo na sociedade para lutar não só pelos direitos da pessoa de quem cuida, mas também pelos seus próprios enquanto cuidador de uma pessoa dependente. São estas vertentes de aumento de conhecimentos por um lado e capacitação por outro que, como defendido anteriormente, procura a literacia em saúde e, no caso das demências, não é exceção.

O ponto fundamental é dizer “você tem um problema grave para o resto da vida” e tem que tratar deste problema que é um problema do seu familiar e é um problema seu também que vai ficar doente por tratar dele e portanto ambos precisam de ajuda. Ambos precisam de ajuda porque se forem bem ajudados as coisas correm muito melhor (Prof. Doutor Alexandre Castro Caldas, 2015, Entrevista, Anexo I).

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