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2.3 Passos e tempos na restauração

2.3.1 O pré-círculo

O pré-círculo é um espaço para conversas individuais com todos os envolvidos diretamente no fato, crime ou ofensa, visando à preparação para o círculo restaurativo.

Segundo a experiência da psicóloga Adriana Sócrates (2005), de Brasília, o objetivo do pré-círculo é proporcionar um ambiente seguro e tranquilo para que sentimentos e pensamentos possam transitar livremente, possibilitando a restauração das

relações afetadas. Podem ser realizados quantos encontros preparatórios forem necessários, quando se perceba a necessidade de maior espaço para a escuta e diluição de angústias, medos, insegurança e sentimentos de culpa inerentes à história pessoal das partes.

Os alemães Jansen e Karliczek (2000), em pesquisa de campo, em duas províncias, com jovens com processos judiciais restaurativos entre 14 e 18 anos e adultos maiores de 19 anos, relatam que a instância responsável pela restauração, pública ou privada, estabelece o primeiro contato por carta, aproximadamente seis meses após o fato, incidente criminal, ofensa ou agressão. A carta contém esclarecimentos sobre as práticas da JR para resolver o incidente, no qual o destinatário foi respectivamente vítima ou ofensor. A carta é um convite para participar de uma primeira conversa individual entre o facilitador do processo, a vítima e quem a vítima quiser convidar para participar. Quando a vítima mostrar disposição para participar e encontrar-se com o agressor, inicia-se o mesmo processo com este. Como já foi mencionado, pode existir a necessidade de vários encontros de pré-círculo, até que ambas as partes estejam prontas, isto é, suficientemente seguras para, acompanhadas pelo facilitador, encontrar-se e confrontar-se com o outro.

Em geral, as vítimas se mostraram surpresas com a carta convite para participar do processo de restauração, pois em parte já haviam tentado esquecer o fato. Este tempo entre o ocorrido e a carta foi considerado como sendo favorável, pois ajuda a integrar o fato e tomar a distância emocional necessária para, outra vez, ser confrontado com ele. De outro lado, estã contentes por perceber que o acontecimento não caiu, simplesmente, no esquecimento.

Os pré-círculos permitem aos facilitadores criar um quadro de condições para a vítima e o agressor participarem voluntariamente do círculo. A condição para os jovens e adolescentes é que eles próprios queiram participar do círculo e não somente as pessoas de sua comunidade de afeto, que, na maioria dos casos, são seus pais.

Ademais, é um espaço para combinar certas formas de comunicação em preparação ao círculo restaurativo. Principalmente, os ofensores perceberam o pré- círculo como um espaço pedagógico, isto é, um espaço de novas aprendizagens.

Representativo para os autores em geral, o psicólogo Winter (2004), um dos fundadores do Centro para Justiça Restaurativa de Bremen, elenca quatro condições necessárias para o ofensor, para o processo poder passar do pré-círculo para o círculo restaurativo:

a) confrontar-se com o ato, suas consequências, a partir da própria perspectiva e a partir da perspectiva da outra pessoa;

b) admitir a responsabilidade para o acontecido;

c) assumir as consequências do dano causado através do ato; d) adotar mecanismos de restauração.

Em relação ao reconhecimento da responsabilidade sobre o acontecido, condição para que a restauração possa acontecer, Taubner (2008), psicanalista do mesmo Centro para Justiça Restaurativa, distingue entre o reconhecimento do fato – isto é, o ofensor confessar ter cometido o delito – e um insight vivencial, no sentido da consciência e do reconhecimento das consequências psicológicas do delito, tanto para o próprio agressor quanto para sua vítima. Em geral, esta preocupação de um reconhecimento mais profundo das consequências do delito não é tematizada pelos autores da JR.

Rössner (2000), em pesquisa sobre resultados e falhas nas investigações sobre a Justiça Restaurativa no contexto alemão, aponta que 84% dos ofensores aceitou e/ou desejou o caminho da JR, basicamente pelos seguintes motivos: alcançar uma posição mais confortável dentro dos procedimentos processuais, encerrar o processo mais rapidamente, poder pedir desculpas para a vítima e restaurar as consequências de seus feitos.

Muitos profissionais argumentam que a preparação inicial muitas vezes é mais importante do que a sessão da concretização de um resultado bem sucedido. Bazemore e Umbreit (2001), quando analisam as condições do CP, avaliam que exige uma preparação muito ampla através dos pré-círculos, talvez por ter objetivos bastante ambiciosos de capacitação e cura da comunidade. No Canadá, como condição de admissão a um círculo, os ofensores são obrigados a fazer uma petição ao Comitê de Justiça da Comunidade, visitar um membro respeitado da comunidade e convidá-lo para participar da conferência. Ainda, como tarefa pré- circular, tem que iniciar a elaboração de um plano de reparação em relação à vítima e à comunidade, além de identificar um grupo de apoio na mesma. Este processo preparatório, acompanhado pelo facilitador, serve como indicador quanto à seriedade nas mudanças pessoais do ofensor ou delinquente. É bastante comum serem cancelados os círculos ou adiados, porque os ofensores não conseguem concluir as etapas preliminares. No entanto, quando o processo funciona bem e os ofensores cumprem as obrigações dos pré-círculos, um círculo pode, efetivamente,

ser uma celebração do crescimento do ofensor e uma oportunidade para a vítima e o ofensor contarem suas histórias.

Os procedimentos de JR em Porto Alegre (RS) são acompanhados por permanente pesquisa pela Universidade Católica, que indica que houve uma evolução progressiva na diminuição dos prazos. No ano de 2007, não excedeu o prazo de três meses, entre o início, a distribuição para a equipe que começa a marcar os pré-círculos e o término do procedimento com o pós-círculo (BRANCHER; SILVA, 2008).

Esta preocupação com os prazos mínimos está em oposição à reflexão de Taubner (2008), que trabalha com JR na ótica psicanalítica. A prática mostra que mudanças positivas na competência reflexiva somente aparecem após uma média de 10 encontros de pré-círculo, a ponto que mudanças estruturais somente são esperáveis com intervenção a longo prazo. Isso, contudo, é impossível na estrutura comum da JR, que conta com uma média de três encontros na Alemanha. A qualidade depende, em parte, da extensão temporal dos procedimentos da JR. Pré-círculos de 10 a 20 minutos e círculos de 30 minutos são incapazes de satisfazer a expectativa de elaborar o fato. E ainda ressalta a probabilidade de efeitos negativos que intervenções curtas têm sobre os resultados, pois uma primeira reação é a defesa e o fechamento, não favorecendo a aproximação entre o ofensor e a vítima. Como superação desta situação, a autora afirma que o trabalho da JR deve incluir terapias que beneficiem o potencial de mentalização11.