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Políticas públicas: os Planos Estratégicos de Resíduos Sólidos Urbanos

IV.2. A emergência do problema “lixo” na década de 90

IV.2.2. Políticas públicas: os Planos Estratégicos de Resíduos Sólidos Urbanos

Foi portanto no contexto de articulação das imposições das directivas europeias com o diagnóstico da situação nacional, liderado pela Quercus, e com uma população que se manifestava revoltada alvo de forte mediatização, que veio a ser elaborado o primeiro Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU I). Aprovado em 1997 e a ser implementado até 2005, o seu principal objectivo era erradicar as lixeiras a céu aberto, as quais, até então, eram o único destino dos resíduos em Portugal.

O PERSU I faz eco da situação social que se vive, considerando como uma das premissas das linhas estratégicas duma nova política de resíduos sólidos urbanos a “necessidade de reganhar a confiança das populações, facultando-lhes no terreno, em estreita colaboração com as Autarquias, um cabal esclarecimento das situações, destrinçando claramente lixeiras de aterros sanitários, mitigando sensações de “imposição de cima” e substituindo a ideia de “vitimização” (decorrente da assumpção exclusiva de sacrifícios) pela aceitação do princípio atrás referido da “partilha de responsabilidade”.” (PERSU I, 1997:2).

Importante referir que até 1997 os fundos do primeiro QCA (Quadro Comunitário de Apoio - 1986-1992) já haviam dedicado, em vão, avultados montantes à construção de “supostos aterros” de RSU (Resíduos Sólidos Urbanos) (Schmidt, 1999b; Vieira, 2003).

Com o apoio forte do segundo QCA (1993-1999), o PERSU I, para além do encerramento das lixeiras, pretendia realizar a construção de infraestruturas de valorização e eliminação de resíduos, fazer o lançamento de sistemas de recolha selectiva, assim como o licenciamento de entidades gestoras de fluxos de resíduos urbanos.

Considerava José Sócrates, então Secretário de Estado Adjunto da Ministra do Ambiente, que “o país tem todas as condições para vencer a batalha ambiental dos resíduos. Temos capacidade técnica e empresarial, recursos financeiros suficientes e uma vontade política assumida pelos diferentes poderes políticos – Governo e Câmaras Municipais – para dar uma resposta positiva a um dos mais sérios problemas ambientais que enfrentamos.” (in Prefácio ao PERSU I, 1997).

No fim do período de vigência deste Plano, em 2005, a avaliação face ao conjunto das metas não era muito animadora. Não deixa, no entanto, de ser admirável o ter-se conseguido encerrar mais de 300 lixeiras espelhadas pelo país a céu aberto. Acresce o facto da incineração de resíduos urbanos ter sido implementada em Lisboa (Valorsul) e no Porto (Lipor)15.

15

Valorsul - Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos das Regiões de Lisboa e do Oeste, S.A. é a empresa responsável pelo tratamento e valorização das cerca de 950 mil toneladas de resíduos urbanos produzidos, por ano, em 19 Municípios da Grande Lisboa e da Região Oeste: Alcobaça, Alenquer, Amadora, Arruda dos Vinhos,

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Mas os objectivos relativos ao desvio de resíduos das soluções de fim de linha (aterros sanitários e incineração), tinham ficado aquém do que o PERSU I preconizava. Os aterros recebiam uma quantidade de resíduos muito acima do esperado, o que lhes encurtava a esperança de vida prevista logo à inauguração. As diversas soluções de valorização, particularmente a reciclagem, a compostagem e a redução, apresentavam valores muito abaixo do necessário para a aproximação de um cenário europeu, como se pode observar no que se segue (Gráfico IV.6.).

Gráfico IV.6. Metas previstas e objectivos atingidos em 2005

Fonte: PERSU II, 2007

Sucedendo ao PERSU I, o PERSU II, que abrange o período 2007-2016, procura colmatar este diferencial, apresentando uma certa lógica de continuidade face ao período anterior, dando ênfase à prevenção de resíduos e ao sistema de informação, como pilares da gestão de RU (Resíduos Urbanos) (CNADS, 2007). Reforça também a importância dos actores mais directamente envolvidos nesta problemática, através de dois eixos designados por “sensibilização e mobilização dos cidadãos” e “qualificação e optimização da intervenção das entidades públicas no âmbito da gestão de RU”.

A necessidade do envolvimento e da participação activa da população na implementação desta política pública torna-se cada vez mais reconhecida ao nível do discurso político, como se pode ver nas palavras de Francisco Nunes Correia, então Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional: “Serão aliás os cidadãos a ter um

Azambuja, Bombarral, Cadaval, Caldas da Rainha, Lisboa, Loures, Lourinhã, Nazaré, Óbidos, Odivelas, Peniche, Rio Maior, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras, Vila Franca de Xira.

Lipor - Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, é a entidade responsável pela gestão de resíduos sólidos urbanos produzidos por Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo e Vila do Conde.

0 0 23 63 22 21 25 7 25 9 5 0 0% 25% 50% 75% 100% Metas 2005 Verificação 2005 Redução Recolha selectiva/reciclagem

Valorização orgânica/com postagem

Incineração (recuperação energética)

Aterro

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papel decisivo para o sucesso do plano, mediante a assumpção de uma conduta cada vez mais responsável na forma como separam os seus resíduos.” (in Preâmbulo do PERSU II, 2007: 13).

Fica claro que se apela à responsabilidade da população, à sua “boa” conduta e ao seu espírito voluntarista. Em vários estudos que se dedicam a esta temática do ponto de vista social, identificam este como um ponto frágil das políticas públicas de resíduos que apostam na reciclagem, ao colocar o alcance de certas metas dependente de uma adesão voluntária da população (Valente, 2001; Barr et alia, 2003; Schmidt e Martins (cood.), 2006). Esta ainda se torna mais frágil quando está ausente um programa bem definido no próprio plano estratégico, que se traduza em investimento na criação de envolvimento público, de forma consistente e com acções de continuidade.

A avaliação intercalar do PERSU II em 2009 indica que a situação continua muito aquém das metas que contribuem para a redução de resíduos urbanos para aterro, nomeadamente através da transferência para uma recolha selectiva (CNADS, 2011). O diferencial entre a realidade de 2009 e as metas previstas num cenário moderado para 2016 é expressivo do trajecto que ainda há a percorrer (Gráfico IV.7).

Algumas visões críticas consideram que a situação actual é o resultado do enfoque que a solução “aterros” teve durante a implementação do PERSU I na luta contra as lixeiras, acentuada com a possibilidade de recorrer a fundos europeus para a criação destas infraestruturas.

Gráfico IV.7. Dados reais em 2009 e metas do PERSU II relativamente ao destino final dos RU

Fonte: APA, 2010 in CNADS, 2011

A solução de substituição de lixeiras a céu aberto por aterros sanitários, marcou tão

65 25 18 35 8 20 9 25 0% 25% 50% 75% 100%

2009 2016 (cenário moderado PERSU II)

Recolha selectiva

Valorização orgânica

Incineração (recuperação energética)

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fortemente o início da estratégia da política nacional de resíduos, que o PERSU II não parece ser suficientemente contundente para implementar de forma efectiva uma nova orientação de soluções capazes de reduzir as quantidades enormes de resíduos que continuam a ser depositados em aterro (CNADS, 2011).

No entanto, seja por força das directivas comunitárias, seja pelo esgotamento antecipado da capacidade dos aterros e a falta de financiamento para construir novos, é necessário que as soluções de recolha selectiva venham a contribuir decisivamente para uma diminuição de deposição de resíduos em aterro.

Esta situação da “insatisfação” presente face às metas europeias não deixa de ser consequência de um percurso específico em termos nacionais que reflecte o lastro de um retardamento na implementação das políticas públicas neste âmbito.

Apesar da evolução positiva, a partir do impulso dado à questão nos anos 90, continua a sofrer de lacunas e de interesse político e público. Para um conhecimento sobre o tema do ponto de vista social, a abordagem sociológica, pode contribuir de forma mais efectiva. Será a partir desta constelação de antecedentes históricos e culturais que se encontra a raiz mais recente da questão na sua articulação com a vida quotidiana actual.