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3.1 Sobre o levantamento de estudos

Referiu-se no II Capítulo que os primeiros estudos em torno da adesão à reciclagem datam dos anos 70, nos EUA, e surgem no contexto de uma sociedade de consumo consolidada, com uma grande produção de lixo urbano, debatendo-se com os problemas relativos à solução a dar a essa questão; questão essa, encarada politica, técnica, económica e ambientalmente como um problema e cujas soluções em curso começavam a dar sinais de esgotamento. Por um lado, os aterros sanitários estavam sobrelotados e, por outro, a incineração começava a confrontar-se com uma forte contestação por parte dos movimentos ambientalistas, devido à perigosidade dos subprodutos tóxicos gerados (em particular as dioxinas e os furanos).

A dificuldade de dar uma solução eficaz aos problemas gerados pela produção crescente de lixo em sociedades como os EUA, abriu espaço para que a reciclagem conquistasse, junto de decisores políticos e da opinião pública, a imagem de meio eficaz para travar este processo. É nesse contexto, de abordar a reciclagem como a solução “milagrosa” para o problema dos resíduos, que emerge a reflexão de Schnaiberg (1992) a propósito das condicionantes e dos efeitos colaterais da aplicação prática da política, seja ao nível económico, pelas implicações no mercado de matéria-prima; seja ao nível ambiental, chamando a atenção da poluição nos processos de reciclagem e de integração de material reciclado na manufactura de novos produtos) e também ao nível social. Neste último nível acentua o facto de se tratar de uma tarefa nem sempre fácil e acessível para a população a quem é lançada a proposta de aderir

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voluntariamente a esta prática, e que nem sempre apresenta credibilidade nos seus objectivos em termos económicos e ambientais, o que leva a questionar o discurso político que apresenta a reciclagem com a solução de excelência para os resíduos.

Nos anos 80, países europeus, como Alemanha, Suécia e Noruega, com um nível económico elevado e uma sociedade de consumo instalada, começam também a ser confrontados com o mesmo tipo de problemas na solução para os resíduos urbanos. Esta situação reflecte-se no surgimento dos primeiros estudos de caso na Europa, associados à adopção de soluções avançadas de sistemas de gestão e tratamento de resíduos, integrados numa lógica da política dos 3 R (Reduzir, Reutilizar e Reciclar), em que a participação das pessoas é requerida.

No caso português, da mesma forma que o lixo como problema ambiental só foi reconhecido pública e politicamente na década de 90, também só a partir dessa altura é que se encontram algumas (poucas) pesquisas académicas, com uma abordagem sociológica sobre a separação do lixo urbano para a reciclagem.

Nos anos 90, houve diversos projectos e programas aplicados, desenvolvidos por entidades com responsabilidades directas no sector, para as quais a adesão à reciclagem é parte integrante da sua actuação. Destes destacam-se a implementação de programas de reciclagem em determinadas cidades ou bairros, como por exemplo, os projectos desenvolvidos pela Câmara Municipal de Lisboa ou pela Câmara Municipal de Oeiras (1993), autarquias pioneiras no sector. Mais tarde, existem trabalhos desenvolvidos no contexto dos sistemas de gestão integrada de RU, com destaque para os trabalhos para a Lipor e posteriormente pela Valorsul, no âmbito da população que a sua área de actuação abrange. Estes documentos constituem, neste âmbito, um acervo interessante, ainda que fundamentalmente orientados por objectivos operacionais e técnicos, mais do que reflexivos e de produção de conhecimento sobre a questão dos resíduos urbanos na sociedade portuguesa.

Existem também relatórios institucionais da Sociedade Ponto Verde, da Agência Portuguesa do Ambiente, da Agência Europeia do Ambiente, da Comissão Europeia, da European Recovery and Recycling Association, que remetem para dados oficiais nacionais, que apresentam perspectivas nacionais sobre a questão, algumas das quais no quadro de comparações de indicadores a nível europeu.

Sobre a realidade efectiva dos resíduos urbanos em Portugal, destacam-se ainda estudos desenvolvidos por ONG, em especial pelo Grupo de Resíduos da Quercus, que desempenhou um papel crucial na identificação das lixeiras a céu aberto em Portugal nos anos 90, e desde aí, tem continuado a desenvolver um trabalho dedicado a esta área ambiental, protagonizado por Rui Berkmeyer, um dos auditados no Parecer do CNADS (2011).

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No que respeita aos estudos de carácter académico, destacam-se algumas pesquisas importantes, desenvolvidas no âmbito da área da engenharia ambiental, que têm em consideração aspectos sociais, embora marcados por outros quadros de referência dominante que não os de uma abordagem sociológica. É o exemplo do trabalho desenvolvido por Graça Martinho da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (Martinho, 1998).

Por fim, identificam-se alguns trabalhos isolados enquadrados em teses académicas, que se desenvolvem no domínio das ciências sociais, por exemplo, sobre as variáveis situacionais na reciclagem (Gonçalves e Paínho,1998), ou na área da Antropologia (Pais de Brito, 1994; Sara, 2011).ou ainda nas Economia ou Gestão (Dias, 1999).

Ainda que não desenvolvido na área da Sociologia, em 2004, foi realizado um inquérito nacional, no âmbito de um estudo promovido pela SPV, em contexto de avaliação do PERSU I, com um enquadramento académico na Psicologia Social (Valle et alia, 2004), que apresenta uma análise de dados quantitativos sobre o tema que constituem elementos de caracterização da realidade social do país sobre os resíduos urbanos e a separação a nível doméstico para a reciclagem.

Mais tarde, a SPV volta promover a aplicação de inquéritos - “Hábitos e Atitudes face à separação dos lixos domésticos” - em 2007 e 2011, ambos realizados no âmbito de empresas de estudos de mercado (SPV, 2007 e 2011).

No que diz respeito à Sociologia, são poucos estudos específicos sobre o tema a nível académico, inclusivamente consultando as actas dos congressos nacionais de Sociologia, desde a década de 90. Trata-se de uma temática de investigação sociológica recente e ainda muito carente no nosso país.

Exceptua-se, em termos de investigação sociológica o caso do Observa – Observatório de Ambiente, Sociedade e Opinião Pública17, onde se desenvolveram vários estudos sobre ambiente, em que o lixo surge como um dos temas ambientais, entre outros.

Os dados dos Inquéritos Nacionais do Observa “Os Portugueses e o Ambiente” aplicados em 1997 e 2000 (Almeida, 2000 e 2004) são estruturantes, sobretudo pelo seu carácter representativo em termos nacionais. Neles se incluem várias questões onde o lixo urbano é abordado, em termos de preocupações, conhecimento e práticas quotidianas. Anteriormente, à escala nacional, apenas foi aplicado o inquérito Gallup, em 1992, na fase pré-conferência do

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Fundado em 1996, este programa de investigação, originalmente uma parceria entre ISCTE, ICS-UL (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa) e IPAMB (Instituto de Promoção Ambiental), está actualmente integrado no ICS-UL.

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Também o estudo sobre a mediatização do ambiente, a cujos resultados já fizemos referência (Schmidt, 2003), foi desenvolvido no âmbito do Observa, ainda durante a década de 90, assim como a pesquisa sobre o marketing ambiental e as campanhas pelo ambiente, em que o lixo é uma das temáticas mais recorrentes, sendo um tema ambiental protagonizado sobretudo pelo poder locar, tal como a limpeza de espaços verdes de praias (Valente, 2001).

Mais tarde, o projecto dedicado à Educação Ambiental mostra que a temática Resíduos, enquanto objecto de acções de educação ambiental, surge com uma posição predominante no conjunto de vários temas ambientais (Schmidt et alia, 2010). Esta predominância da questão dos resíduos no âmbito da educação ambiental está articulada com a necessidade de cumprir as metas europeias e do PERSU, o que explica o investimento do poder local ou das empresas do sector em acções de educação ambiental, seja como apoios ou como promotores. Também noutro estudo de âmbito nacional dedicado à Agenda 21, o empenho das autarquias já se tinha evidenciado dentro da área ambiental na questão dos resíduos urbanos e da reciclagem (Schmidt et alia, 2008). Em ambos os estudos, várias potencialidades e constrangimentos dos contextos da esfera escolar ou da esfera municipal são identificados, o que se reflecte no impacto que tais acções têm (ou não) ao nível da sensibilização para a reciclagem e ao nível das práticas concretas das populações.

O Observa, para além do conjunto de dados provenientes dos estudos de carácter geral sobre o ambiente, que abordam a temática do lixo, também oferece, no enquadramento mais vasto da sua linha de investigação, dados de pesquisas de carácter qualitativo, que constituem um núcleo de conhecimento de base sobre a relação dos portugueses com as práticas de separação, tendo desenvolvido dois estudos que têm o lixo urbano como objecto de estudo específico (Bastos, 1998; Almeida (coord.), 1998).

Será, contudo, em 2004, que se inícia o projecto Separa®, o primeiro grande estudo realizado no Observa, em parceria com o CEEETA18, dedicado especificamente ao tema, que se distingue num contexto marcado pela quase ausência de trabalhos académicos em sociologia nesta área (Schmidt e Martins (coord.), 2006 e 2007).

Trata-se de um estudo regional de action research, que integra os concelhos de Sintra, Oeiras, Cascais e Mafra, com uma equipa interdisciplinar, nascendo de uma solicitação à universidade por parte da empresa de gestão de resíduos que tem essa área de abrangência geográfica – Tratolixo.EIM - e que se confronta com um dilema relativamente ao cumprimento do seu

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plano estratégico: apesar do investimento em infraestruturas para a recolha selectiva, a adesão por parte dos habitantes da sua zona de abrangência não estava a ter os níveis esperados, mantendo-se baixo e aquém das metas exigidas.

Os resultados do Separa®, apesar de não serem de âmbito nacional, levantam um conjunto de questões que permitem reflectir sobre a realidade nacional (a este propósito consultar também o III Capítulo).

O Projecto Separa® durou cerca de 3 anos. A presente tese decorre desse estudo, procurando aprofundá-lo e conferir-lhe alguma continuidade e, ainda contribuir para o conhecimento sociológico sobre esta temática em Portugal.

O conjunto dos resultados destes trabalhos, quando analisados de forma integrada e na perspectiva do tema lixo e separação de lixo, apontam para várias tendências e “efeitos”, às quais se faz referência.