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Ética teleológica e educação em valores

2.2 A ética do amor a Deus

2.5. Ética teleológica e educação em valores

Sendo nossa ambição promover uma educação que inclua o desenvolvimento da espiritualidade dos nossos jovens, teremos de questionar-nos sobre a possível aplicação pedagógica das teorias éticas teleológicas, isto é, se elas podem ou não ter lugar na educação das nossas crianças e jovens, auxiliando-os no seu crescimento enquanto seres humanos integrais.

O ponto comum a todas elas é a convicção que nenhum homem encontra o seu caminho ético se não tiver como horizonte alcançar um bem e é, justamente, na ideia do percurso para o bem que se pode estabelecer a ponte entre a ética teleológica e a educação em valores.

Consideramos neste aspecto o contributo principal de dois autores: Brezinka e Quintana Cabanas.

De acordo com Quintana Cabanas, não há educação sem valores. Educar é, por si só, estabelecer uma relação com os bens. Aqueles bens que são necessários à boa conduta do indivíduo ou da comunidade, sempre foram tidos em conta na educação. O que acontece é que cada tipo de educação se apropria e se concretiza numa certa classe de bens. Contudo, todo o ensino consiste em transmitir bens culturais que possibilitarão os bens pessoais como, por exemplo, os conhecimentos e as competências. Nesse sentido,

353 Davy, Marie- Madeleine (2005): L’homme Intérieur et ses Métamorphoses. Paris: Éditions Albin

140 assumir a educação em valores como uma novidade pedagógica é incoerente e até mesmo desconcertante354.

Brezinca diz existirem dois tipos de educação em valores: uma educação formal de valorações e uma educação material. Na primeira não são transmitidas normas supraindividuais, na segunda transmitem-se e interiorizam-se essas normas. De acordo com este autor, a educação formal em valores, apesar de ser útil, pois propõe a clarificação subjectiva de valores, não é suficiente e não pode substituir uma comunicação objectiva de normas materiais, nem uma educação para a capacidade de juízo moral, de vinculação e de actuação355.

Quer isto dizer que a educação em valores, para este autor, deve centrar-se em aspectos que se relacionam com os sentimentos, com o sentido para a vida e com a vinculação à comunidade e às suas tradições356.

Um professor não poderá jamais impor aos seus alunos as suas próprias convicções. A escola não lhe permite seleccionar fins educacionais que se afastem dos oficialmente previstos357. Todavia, a escola não poderá adoptar uma neutralidade axiológica, sob pena de falhar o seu principal objectivo, educar.

Assim, consideramos que a escola poderá criar condições para que os seus alunos, independentemente da sua cor, etnia, raça ou credo, desenvolvam as suas capacidades cognitivas e as utilizem racionalmente, de forma a estabelecerem metas para as suas vidas. Essas metas, interiorizadas como um bem pelos alunos, serão fundamentais para que estes se comportem adequadamente ou, se preferirmos, de forma ética, no contexto escolar e, acreditamos, em contextos mais alargados. É que, como já dissemos, sem telos nada é esperado e, por isso mesmo, tudo se torna indiferente e sem sentido.

Poderemos questionar-nos sobre a forma como a escola poderá exercer este papel moderador na tomada de decisões racionais dos alunos, no quadro de uma escala axiológica bem definida. Que condições são necessárias para que os jovens decidam em liberdade quais os seus objectivos de vida? A escola pode proporcionar aos alunos o desenvolvimento de práticas excelentes que conduzam à construção desses objectivos internos?

354 Cabanas, José Maria Quintana (1998): Pedagogia Axiológica La Educación ante los Valores. Madrid:

Editorial Dykinson, 230.

355 Brezinka, Wolfgang (1992): “Educación en los Valores? In Revista de Ciencias de la Educación 151,

368.

356 Cabanas, José Maria Quintana (1998): Pedagogia Axiológica La Educación ante los Valores. Madrid:

Editorial Dykinson, 233.

141 As práticas excelentes requerem a apropriação e o uso das virtudes dianoéticas e das virtudes de carácter358. A sabedoria e a inteligência permitem chegar ao conhecimento. A prudência dá-nos a capacidade de escolher os meios mais adequados para alcançar os fins mais nobres. As virtudes do carácter ou éticas - a coragem, a temperança, a justiça - são essenciais para que se torne possível realizar escolhas ajustadas aos objectivos admiráveis e nobres359 .

Assim, se a escola for vista, pelos alunos, como um local onde imperam as virtudes intelectuais e as virtudes de carácter; se for uma escola onde se viva a justiça, a coragem, a temperança, a amizade e a solidariedade e onde cada um possa eleger os valores que considera bons por si (bens internos) ao invés de apenas valorizar os objectivos exteriores de valor meramente instrumental e utilitário360, será mais fácil que as boas práticas se tornem um hábito quotidiano.

Acreditamos que as virtudes de carácter não se ensinam, mas aprendem-se com o hábito e, por isso, é necessário tempo, persistência, experiência e, porque não dizê-lo, disciplina. Isto quer dizer que se a comunidade escolar não estiver pronta a servir de exemplo, dificilmente os alunos adquirirão virtudes éticas e dificilmente serão capazes de encontrar a felicidade preconizada pelas éticas teleológicas. Isto é, sem o desenvolvimento do carácter, não poderá haver lugar a uma educação moral sustentada.

Como vimos no capítulo dedicado à educação, a legislação que suporta o nosso sistema educativo impede que o clima dominante das nossas escolas seja campo fecundo para o florescimento das virtudes intelectuais e éticas e, por outro lado, mostra-nos que a escola é, cada vez mais, refém das necessidades económicas e sociais, o que a torna um instrumento útil na tentativa de resolução de problemas. A escola, ela própria, parece padecer da ausência de um telos preciso, que a conduza a um bem imanente, sendo que esse será, por certo, a formação dos seus alunos em todos os planos e, sobretudo, no plano ético. Fica claro, quanto a nós, que a escola precisa de assentar as suas políticas numa filosofia diferente e, quem sabe, a ética teleológica, não possa trazer aí um óptimo contributo.

Para esse efeito, parece-nos relevante que a escola aceite, antes de mais, que deve haver uma distinção clara entre educando e educador, dado que deve haver, também,

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Marques, Ramiro (2007): “Ética na Prática Pedagógica: Uma Perspectiva Baseada na Ética Aretaica”. In: Colóquio Internacional Ética e Profissões, Universidade Lusíada. Lisboa, 1.

359 Idem, Ibidem, 1. 360 Idem, Ibidem, 3.

142 uma desigualdade óbvia no que ao respectivo grau de maturidade moral diz respeito361. Assim, é inequívoca a necessidade de dar ao professor e aos adultos da comunidade escolar um lugar de relevo na formação moral dos jovens, pois é a partir não só das suas palavras, mas sobretudo, dos seus hábitos e exemplos que os jovens poderão ser orientados no caminho para o bem.

A ideia actual do «professor amigo»362, que coloca aluno e docente no mesmo patamar é, da nossa óptica, um impedimento ao desenvolvimento moral do aluno e torna-se, igualmente, um obstáculo ao próprio amadurecimento moral do professor, que, como já tivemos oportunidade de dizer, em vez de se elevar intelectual e moralmente, acaba por se deixar prender nas teias de uma construção pedagógica cujos resultados se evidenciam pouco proveitosos.

Se quisermos uma escola que desenvolva, nos alunos, virtudes éticas e dianoéticas, devemos educar o seu carácter e, para tal, é importante adoptar estratégias que nos conduzam a esse objectivo. De acordo com Quintana Cabanas, essas estratégias podem resumir-se no seguinte: dar uma educação séria e firme, educar com certa dureza; não mimar demasiadamente as crianças; não evitar algumas dificuldades na vida das crianças; contrariar as crianças, quando tal se revele necessário; procurar que as crianças possam suportar algumas frustrações; motivar as crianças a não render-se a obstáculos; procurar que as crianças aprendam a lutar contra si mesmas para alcançar o autodomínio; exigir às crianças o controle sobre o seu comportamento; não ser demasiado permissivo com as crianças; rodear as crianças de um certo ambiente de austeridade; evitar a ociosidade das crianças e jovens; combater a preguiça; incentivar o hábito de trabalhar, orientar as crianças para uma acção ordenada; permitir que a espontaneidade das crianças ocorra dentro de limites estabelecidos pelas normas e, por último, garantir que as crianças tenham consciência de todas as suas obrigações e que as cumpram por si mesmas363.

Por certo, admitimos que algumas das estratégias apontadas por Quintana Cabanas possam ser discutíveis. Na verdade, este autor parece querer rodear as crianças de um ambiente demasiadamente austero e, até, opressivo. No entanto, parece-nos que, efectivamente, o que tem faltado na educação dos mais novos é a ideia de que, para que possam crescer, é necessário que percebam que, para além de direitos, também têm

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Cabanas, José Maria Quintana (1998): Pedagogia Axiológica La Educación ante los Valores. Madrid: Editorial Dykinson, 292.

362 Idem, Ibidem, 292. 363 Idem, Ibidem , 561, 562.

143 deveres. É fundamental incutir-lhes o sentido de responsabilidade e a noção de que há obstáculos na vida e de que estes só podem ser ultrapassados com esforço e entrega.