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A espiritualidade no hinduísmo

5. A Espiritualidade das principais religiões orientais (hinduísmo e budismo)

5.1. A espiritualidade no hinduísmo

O hinduísmo é considerado uma das religiões mais antigas do mundo e também uma das mais maiores, logo seguida do islamismo e do cristianismo. Trata-se de uma

72 Ahmed, Akbar (2002): O Islão. Lisboa: Bertrand Editora, 22.

73 Comissão Episcopal da Educação Cristã (2008): Desafios - Manual do aluno 7º Ano. Lisboa: Fundação

34 tradição religiosa complexa, dada a sua história74 e a miríade de divindades adoradas, cada uma delas identificando-se com um aspecto da realidade. Destas divindades, ressalta um trio conhecido como Trimurti, em que se incluem Brahma, o demiurgo, Vishnu, o preservador e Shiva, o destrutor75. Há, contudo, que frisar que, para os hindus, todas estas divindades não são mais do que aspectos de um único ser supremo chamado Brahman. Sendo absoluto, Brahman não pode ser descrito pelo que é, mas sim pelo que não é: não é masculino, nem feminino; não se manifesta de uma única forma e é imortal76.

A espiritualidade hindu baseia-se no conceito de Samsara, que implica o ciclo contínuo de morrer e reencarnar, mas também no Karma, a lei de causa e efeito que relaciona a forma como os crentes vivem com o tipo de reencarnação que posteriormente fazem.

Os hindus acreditam que, para alcançarem um renascimento favorável, devem viver as suas vidas de forma recta, sendo que a esta forma recta ou, se preferirmos, a esta moral se dá o nome de dharma:

No hinduísmo, o darma constitui a realidade essencial do cosmos, da sociedade e do ser humano. É a ordem que reina entre os deuses, atribuindo a cada um a sua própria função e intervenção. Na natureza, o darma é o ciclo dos astros e das estações, que regula a chegada da colheita e o brotar das plantas. É a ordem que regula a hierarquia das castas e a ordem moral pela qual cada pessoa actua de acordo com o seu dever, ou seja, respeitando as leis dos deuses, da natureza e da sociedade. O darma é o funcionamento harmonioso de um universo em equilíbrio.77

A espiritualidade hindu tem ainda em conta a moksa, o estado mais desejado, uma vez que escapa ao ciclo das reencarnações. Este estado representa a libertação do corpo, da ira, da morte e do próprio karma78.

É importante referir, porém, que o dharma, não obedece a um código de conduta perfeitamente estabelecido como, por exemplo, os mandamentos do judaísmo, que se

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Philip Wilkinson explica:

“Los orígenes del hinduismo se remontan hasta tan lejos que no hay ningún documento escrito de sus inícios. Sin embargo, es probable que la religión se originara en el valle de Indo, en el actual Pakistán, hace más de tres mil años. Los hindúes creen que su religión tiene muchos fundadores, y que sus primeros textos sagrados, incluídos los Vedas, se revelaron a antiguos sábios directamente de Dios.” - Wilkinson, Philip (2009): Religiones. Madrid: Espasa, 163.

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Borau, José Luis Vásquez (2008): As Religiões Tradicionais. Lisboa: Paulus Editora, 108.

76 Wilkinson, Philip (2009): Religiones. Madrid: Espasa, 168

77 Borau, José Luis Vásquez (2008): As Religiões Tradicionais. Lisboa: Paulus Editora, 110. 78 Wilkinson, Philip (2009): Religiones. Madrid: Espasa 169.

35 aplicam a todos os crentes. Aliás, não há apenas um dharma. Na verdade, cada indivíduo, cada sociedade ou cada casta79 tem o seu próprio dharma. Para além disso, os hindus crêem que o dharma muda ao longo da vida, uma vez que aquilo que se espera de uma criança, de um adulto, de um ancião ou de um moribundo varia. São os chamados quatro estádios tradicionais do dharma80.

O importante, todavia, é que, e uma vez mais, a espiritualidade hindu conduz o homem no sentido das boas realizações. Só elas o poderão levar a reencarnações agradáveis e só elas poderão conduzi-lo ao objectivo máximo das suas vidas, o alcance do moksa, que só se atingirá ao entrar em contacto com o atman, a alma interior reconhecida como o próprio Brahman:

O mecanismo que regulava este sistema era carma, uma palavra que significa literalmente “acção”. Cada acção deve ter um efeito. Assim, os efeitos das acções nesta vida determinam aquilo que a pessoa experimentará depois da morte e que tipo de vida terá na incarnação seguinte. Deste modo, mesmo que uma pessoa não pareça receber todas as recompensas ou castigos merecidos numa determinada vida, a balança será equilibrada numa outra.

O único modo de deter esse ciclo de reincarnação é conseguir o moksha, a libertação de samsara. Essa libertação obtém-se através do conhecimento. Quando se entende verdadeiramente a natureza do Brama e portanto a verdadeira natureza do próprio eu (o atman), então não há mais acumulação de carma e o indivíduo não volta a renascer.81

Para que isto se torne possível, há vários caminhos a percorrer: o da meditação solitária, orientada por um guru, o da execução de boas acções no mundo, embora de maneira absolutamente desinteressada e a adoração ao divino:

O indiano religioso procura a salvação no interior de si mesmo, em si próprio, devendo abrir o seu Eu ao único absoluto. A meditação – completada, mais tarde, pelo instrumento suplementar do ioga – constitui o caminho metódico para tal: «Tal como o óleo nas sementes de sésamo, a manteiga no leite, a água na corrente […], assim também o Eu absoluto pode encontrar-se no Eu individual.»82

79 Uma explicação de José Luis Borau sobre as castas:

“Os Vedas [livro sagrado dos hindus] estabelecem as quatro castas ancestrais em que se divide o conjunto dos seus fiéis: os brâmanes ou sacerdotes, nascidos do sopro do deus Brahma, a energia universal; os ksatriyas ou guerreiros, nascidos dos seus braços; os vaisyas ou camponeses, saídos das suas ancas e os sudras ou servos originários dos seus pés e que têm tarefas mais humildes.” - Borau, José Luis Vásquez (2008): As Religiões Tradicionais. Lisboa: Paulus Editora, 109.

80Wilkinson, Philip (2009): Religiones. Madrid: Espasa, 172. 81 Shattuck, Cybelle (1999): Hinduísmo. Lisboa: Edições 70, 29.

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5.2. A espiritualidade no budismo

O budismo surge muito depois do hinduísmo83, uma vez que o seu fundador, Siddharta Gautama, viveu aproximadamente entre 563 e 486 a. C.84 Trata-se de uma tradição sapiencial que tem por base a vida de um homem cujos ensinamentos, baseados na sua própria experiência de vida e no seu crescimento, enquanto pessoa, apontam respostas para os problemas e orientação para seguir um caminho de rectidão e de esperança no futuro85.

Siddharta, um príncipe protegido do mundo pelo seu pai, que o quis manter isolado no seu palácio, acaba por sair e tomar contacto com o mundo real, ou seja com o mundo da dor e do sofrimento. A percepção de que a velhice, a doença e a morte fazem parte da vida de todas as pessoas, fazem-no perceber que nada, na vida, é definitivo e ao encontrar um yogui em profunda meditação, faz a experiência de algo real e, ao mesmo tempo, intemporal. O estado do yogui leva-o a entender que é possível atingir uma condição em que os males por si observados, não tenham qualquer importância ou impacto86.

Aos vinte e nove anos, Siddharta deixa a família para se dedicar a uma vida de asceta errante. Durante este tempo recebe ensinamentos de importantes mestres brâmanes (Arada Kalama e Udraka Ramaputra)87, que logo consomem as suas capacidades de o instruir. Durante seis anos, na companhia de cinco discípulos, pratica um ascetismo rigoroso, no sentido de alcançar a iluminação e é após este período de tempo que compreende que, afinal, o que lhe faz falta não é um abrigo contra a dor, mas sim a capacidade de suprimir essa dor. Isto significa que o que lhe importa não é a alienação total do seu ser, mas a aquisição da sabedoria88.

Assim, um dia, decide sentar-se debaixo de uma grande árvore, asvattha89, símbolo do universo, com a finalidade de aí permanecer a meditar até alcançar o

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Explicação de acordo com Bradley Hawkins:

“Na época de Buda, a mais importante destas regiões era o vale do rio Ganges […]. Foi aqui que as grandes religiões da Índia primeiro surgiram e floresceram. No tempo de Buda, cerca de 500 a.C., a região atravessava um período de vigoroso progresso religioso. Destas diversas correntes intelectuais, três escolas de pensamento influenciaram o budismo: a religião védica, o movimento sramânico e o Jainismo.” - Hawkins, Bradley (1999): Budismo. Lisboa: Edições 70, 28.

84 Borau, José Luis Vásquez (2008): As Religiões Tradicionais. Lisboa: Paulus Editora, 120. 85 Wilkinson, Philip (2009): Religiones. Madrid: Espasa, 183.

86 Borau, José Luis Vásquez (2008): As Religiões Tradicionais. Lisboa: Paulus Editora, 121. 87

Hawkins, Bradley (1999): Budismo. Lisboa: Edições 70, 37.

88Borau, José Luis Vásquez (2008): As Religiões Tradicionais. Lisboa: Paulus Editora, 122.

89 De acordo com Karl-Heinz Ohlig, trata-se de uma figueira - Ohlig, Karl-Heinz (2007): Religião Tudo o que é Preciso Saber. Cruz Quebrada: Casa das Letras, 199.

37 nirvana90, e é aí que, depois de várias tentações do mal, passa vários níveis de consciência, até ter conseguido alcançar as «Quatro Nobres Verdades.» Esta é a altura em que Siddharta vive a Grande iluminação e em que se revela o caminho da salvação. Neste momento, Siddharta, agora Buda91, fica livre do ciclo da reencarnação e provido de uma sensibilidade sobre-humana.

A espiritualidade budista vive, desta feita, da revelação das Quatro Nobres Verdades e do caminho que é necessário percorrer para as alcançar, e a que se chama Nobre Caminho Óctuplo. A primeira verdade é a de que, na vida, tudo é dor. A segunda verdade diz-nos que a causa da dor está no desejo e na ignorância. A terceira verdade refere que, destruindo o desejo, liberta-se a dor e a quarta verdade é a de que se pode destruir o desejo e alcançar o nirvana através do Caminho Óctuplo92.

De facto, o primeiro sermão de Buda, após a sua iluminação, fica conhecido como o discurso sobre o movimento da roda da lei. Esta roda, com oito raios, cada um representando uma parte do Caminho Óctuplo, é o símbolo do budismo, pois, como ela é circular não tem princípio nem fim e, nesse sentido, é semelhante aos ensinamentos de Buda considerados intemporais e definitivos.

O Caminho Óctuplo (dharma) é constituído, por isso, por um conjunto de ensinamentos de Buda para uma vida virtuosa93 e para a fuga ao ciclo das reencarnações, «pois quem quer viver prende-se ao sofrimento e nunca poderá fugir dele porque acumula karma e tem de renascer»94. Assim, para que possa alcançar o estado do nirvana, o crente budista tem de seguir a lei ou o Caminho Óctuplo. Cada um dos oito indicadores ocupa-se de uma actividade humana específica. O primeiro é a «compreensão recta» e implica que o budista tem de compreender as Quatro Nobres Verdades e tem de entender a natureza da existência. O segundo é a «intenção recta» e indica que o homem deve querer a mudança, libertando o seu espírito de pensamentos e sentimentos negativos, particularmente do desejo. O terceiro é o «discurso recto» e impõe dizer a verdade e não fazer uso de linguagem grosseira. O quarto é a «conduta recta» e mostra que não se deve ser egoísta, que se deve ser bondoso e moral para derrotar o mal. O quinto é a «ocupação recta» e significa escolher um trabalho útil, que não se comprometa com o derramamento de sangue, com a venda de armas, com a

90 O nirvana é “ A iluminação, a libertação dos desejos e sofrimentos humanos.” - Borau, José Luis

Vásquez (2008): O Fenómeno Religioso. Lisboa: Paulus Editora, 98.

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Buda significa «iluminado» - Wilkinson, Philip (2009): Religiones. Madrid: Espasa,183.

92 Borau, José Luis Vásquez (2008): O Fenómeno Religioso. Lisboa: Paulus Editora, 97. 93 Wilkinson, Philip (2009): Religiones. Madrid: Espasa, 190.

38 escravatura ou o tráfico de pessoas. Os três últimos são o «esforço recto», que diz respeito à necessidade de se cultivar o autoconhecimento e a autodisciplina; a «consciência recta» que se relaciona com a urgência de se afastarem vícios, como a preguiça, a dúvida e a preocupação e, por último, a «concentração recta», que alude à meditação95.

É com base neste caminho que os budistas concentram as suas acções, que se querem pautadas pela rectidão e pela virtude. Em consequência, a sua espiritualidade impõe-lhes que ajudem os necessitados, que evitem a violência e que se abstenham de actividades que possam, de algum modo, ser prejudiciais aos outros96. Existe, mesmo, um código de conduta (para além do estipulado pelo Caminho Óctuplo) que inclui cinco preceitos básicos para que a vida de um budista acumule méritos (karma bom) e para que este, ao morrer, possa reencarnar de forma favorável, crença, aliás, partilhada com os hindus:

O primeiro preceito é não prejudicar o que está vivo, uma regra influenciada pelo ideal indiano de ahimsa (não violência). Para muitos budistas, esta regra, além de proibir causar mal a seres humanos, proíbe fazer mal a animais – a maior parte dos budistas não participam em desportos de sangue e são vegetarianos – […]. O segundo preceito é que não tem de se obter aquilo que não se deu. Isto descarta roubar, e também significa que os monges podem aceitar ofertas de caridade mas não podem mendigar, uma vez que as ofertas se devem dar voluntariamente. O terceiro preceito proíbe a má conduta dos sentidos; dito de outra maneira, a má conduta sexual. O quarto é abster-se de falsas palavras; assim, os budistas não deveriam mentir, nem fazer comentários ou gestos ofensivos. O quinto e último preceito proíbe consumir drogas ou alcoól, os quais afectam o espírito e tornam impossível fazer escolhas morais correctas.97

Voltamos, por conseguinte, à ideia original de que a espiritualidade humana, mais concretamente a que se relaciona com as religiões, por mais distintas que estas possam ser, transporta o homem para a busca do bem e da perfeição, tendo por fim último a preparação para a morte que, para uns, representa um ciclo de reencarnações sistemáticas até ao momento em que, conhecendo a verdade, se eternizam e que para

95 Wilkinson, Philip (2009): Religiones. Madrid: Espasa, 190-191. 96 Idem, Ibidem, 194.

97“El primer precepto es no perjudicar a lo que está vivo, una regla influída por el ideal índio de ahimsa (no

violencia). Para muchos budistas, esta regla, además de prohibir hacer daño a seres humanos, prohibe hacer daños a animales – La mayor parte de los budistas no particiapan en desportes de sangre y son vegetarianos – […]. El segundo precepto es que no se tiene que coger lo que no se ha dado. Esto descarta robar, y también significa que los monges pueden aceptar regalos benéficos pêro no puden mendigar, ya que los regalos se deben dar voluntariamente. El tercer precepto prohíbe la mala conducta com los sentidos; dicho de outra manera, la mala conducta sexual. El cuarto es abstenerse de las falsas palabras; así pues, los budistas no deberían mentir, ni deberían hacer comentários o gestos ofensivos. El quinto y último precepto prohíbe consumir drogas o alcohol, los cuales afectan al espíritu y hacen imposible poder hacer elecciones morales correctas.” - Idem, Ibidem, 195.

39 outros representa o início da vida eterna, junto de Deus Pai e Criador. Para todos, contudo, se verifica que há um caminho a seguir, um conjunto de regras morais, sem as quais se torna impossível alcançar o objectivo pretendido. Essas regras podem ser os mandamentos judeus, as Bem-aventuranças de Jesus, as 114 suras do alcorão muçulmano, o dharma dos hinduístas ou o Caminho Óctuplo dos budistas. Na sua essência, todas elas apresentam os valores fundamentais que todas as sociedades humanas precisam para funcionar de forma justa e equilibrada.