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EDUCAR PARA A MORTE

6. Educar para a morte

6.1. Proposta didáctica

Sendo verdade que a escola é o local onde os mais pequenos passam a maior parte do seu tempo, a nossa proposta vai no sentido de que a escola possa dar, pelo menos, parte da sua atenção à formação integral das crianças e jovens, não escamoteando nenhum aspecto da vida humana, mesmo que menos agradável. Por isso, sugerimos a introdução de uma área curricular que promova o desenvolvimento humano, assente em valores ancorados na nossa relação com a linha do tempo ou, se quisermos,

503 Gevaert, Joseph (2005): El Problema Del Hombre. Salamanca: Ediciones Sígueme, 305.

194 na nossa mortalidade. Eis, como essa área se poderia estruturar, quer em termos de conteúdos, quer em termos de estratégias a adoptar:

I – O Eu e a sua relação com a linha do tempo:  Infância

 Juventude  Adultez  Velhice  Finitude

II – A linha do tempo e a sua relação com a dor/perda:  Pequenas perdas

 Grandes perdas

 Os meus medos/angústias

 A minha forma de lidar com a dor da perda

III – A linha do tempo e a sua relação com a minha escala de valores:  As minhas escolhas

 Justificação para as minhas escolhas  O Outro nas minhas escolhas

 O sentido de escolher

Os alunos examinariam estes temas, passando sempre por duas fases distintas: uma fase de preparação e uma fase de acção. A primeira sendo mais passiva e a segunda mais activa.

Na fase de preparação a cada um dos subtemas, seriam implementadas as seguintes estratégias:

 Leitura de textos  Escuta de canções  Visualização de filmes

 Visualização de peças de teatro

 Análise de obras de arte (escultura, pintura, etc.) Na fase de acção, seriam postas em prática actividades como:

 Contacto com testemunhas  Organização de palestras  Realização de debates alargados

 Sessões de partilha de experiências / dúvidas / medos / angústias

 Sessões de trabalho com técnicos como: médicos, psicólogos, teólogos, sociólogos…

195  Sessões de silêncio introspectivo

 Visitas a hospitais e a lares

 Elaboração de uma tabela de valores com sentido, com base nas experiências feitas e nos testemunhos recolhidos.

Em nosso entender, esta área, tal como a apresentamos, tem a vantagem de tratar a morte e a perda de forma a que ela surja aos olhos das crianças, não como uma realidade longínqua e quase virtual, mas como uma realidade que, mais tarde, ou mais cedo, fará parte das suas vidas. Além disso, usando as estratégias apontadas, haverá lugar não só à teorização, mas sobretudo a uma prática que porá os alunos em contacto com a dureza da perda, através de testemunhos reais, da partilha de sentimentos provocados pela dor da perda, do contacto com doentes em hospitais, etc.

Aliás, mesmo a fase teórica deve apontar para a inevitabilidade da morte e para tudo o que a ela está associado: a tristeza, a despedida, o choro, o desconhecido, a culpa, o medo. Contudo, a morte deve ser encarada, não como o fim, mas como um acontecimento inevitável que pode ajudar a traçar um caminho para a realização pessoal e espiritual, fazendo crescer. Cabe, por conseguinte, aos adultos, ajudar as crianças nesta difícil descoberta505.

A título exemplificativo, apresentamos uma proposta didáctica, partindo da análise do conto de Hans Christian Anderson A Menina dos Fósforos506:

505 Ryan, Victoria (2010): Quando um dos Avós Morre. Prior Velho: Edições Paulinas. 506 Cf. anexos

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Conclusão

Perguntámo-nos, na introdução a este capítulo, se a espiritualidade dos nossos jovens, nomeadamente dos que vivem nos países chamados ocidentais, seria suficientemente sólida para que pudesse permitir encarar a ideia de morte de forma madura e serena.

Como vimos, todo o ser humano, desde uma idade bastante precoce, toma consciência de que a vida dos que o rodeiam é delimitada e condicionada por muitas circunstâncias. Apreende nessa vulnerabilidade que também a sua vida é efémera e interroga-se sobre o seu sentido. Esta procura de um sentido, mais do que para um hiato de tempo que sempre é curto, para as vicissitudes que nele ocorrem, é, porém, o crivo

Objectivos Conteúdos Estratégias Fases Actividades Tempo

Tomar contacto com a fragilidade da infância; Tomar contacto com as dificuldades e frustrações da vida; Distinguir entre os bens materiais e os bens espirituais; Valorizar a família e os idosos; Entender a mortalidade como algo natural, embora triste; Partilhar com os outros o medo, a dúvida e a angústia; Tentar compreender porque é difícil a perda; Relacionar o sentimento de perda e de dor com os valores de cada um.

I – O eu e a sua relação com a linha do tempo: . infância . velhice . finitude II – A linha do tempo e a sua relação com a dor/perda: . pequenas perdas . grandes perdas . a minha forma de lidar com a dor da perda III – A linha do tempo e a sua relação com a minha escala de valores: . O outro nas minhas escolhas. Análise de texto Fase de Preparação Fase de Acção . Ler o texto; . Comentar o texto de acordo com os seguintes estímulos: - identificação das personagens; - caracterização da menina; - as suas condições de vida - os seus sonhos materiais; - os seus desejos espirituais;

- o encontro com a avó morta,

- a imagem da avó morta, - o seu valor maior

A partir da experiência da Menina dos Fósforos, os alunos da turma, com a ajuda do professor, organizam uma sessão de partilha de sentimentos provocados pela perda de alguém (provavelmente um avô ou uma avó) Elaborar, com a ajuda do docente, um esquema sobre o que de mais importante foi dito.

1 Aula

197 que lhe permite aferir a qualidade dos diferentes caminhos de espiritualidade que lhe são propostos, de carácter religioso ou metafísico.

Efectivamente, para uns a morte não passa de um fim absurdo da existência, para outros ela surge como uma passagem para a verdadeira vida eterna, para alguns ainda, a morte é a transição para uma outra dimensão. Enfim, como quer que a morte seja perspectivada, ela é o denominador comum na vida de todos os homens e é justamente por ela que a busca de um sentido se justifica.

Contudo, a morte aparece sempre envolta num mistério insondável sobre o qual, desde sempre, se tentou fazer luz. Um mistério que só se desvenda na primeira pessoa, de forma única e irrepetível e, em última instância, incomunicável.

Na verdade, o homem tem dificuldade em lidar com este mistério que o embaraça: diante da morte, todas as questões ficam sem resposta. Todas as respostas perdem sentido. Será a transcendência o caminho para afrontar este acontecimento inevitável na vida de cada um? Para muitos, é precisamente no encontro com a transcendência, no desenvolvimento da sua espiritualidade que o sentido procurado para a vida se produz. Não falamos aqui apenas de uma transcendência relacionada com a divindade. Falamos, igualmente, da transcendência relacionada com a capacidade que o ser humano tem de ir além de si mesmo, de se superar.

O desenvolvimento espiritual desempenha, assim, papel crucial no confronto com a ideia de morte. Quem não é capaz de se libertar dos grilhões do que é meramente mundano, dificilmente poderá abrir-se às questões do finito e do infinito e, certamente não poderá encarar a sua morte como um facto inevitável. Muito pelo contrário. Aqueles que vivem apenas prisioneiros dos bens materiais e dos prazeres terrenos têm a tendência a desviar os olhos da morte, pois ela recorda-lhes que os alicerces sobre os quais construíram a sua vida se esboroarão, não restando pedra sobre pedra.

Ora, como temos vindo a referir, ao longo deste trabalho, a educação das nossas crianças está, frequentmente, focada na «urgência do ter», ou seja, eles são educados num mundo e para um mundo que os torna, mais que tudo, materialistas e egoístas, fazendo-lhes acreditar que todos os seus desejos estão ao alcance de um simples clique tecnológico. O seu desenvolvimento espiritual é, como tal, muito pouco cuidado.

A acrescer a estes factos, os adultos, especialmente os pais, vivem obcecados pela ambição de proteger os mais novos de todo o tipo de situações incómodas, sendo a morte a mais incómoda de todas. Porém, tarde ou cedo, ela aparecerá e é inútil tentar escondê-la. Assim, quanto a nós, o ideal seria que pais e professores, fazendo o

198 acompanhamento espiritual necessário nestas situações, não escondessem das crianças realidades como a doença, o sofrimento, a velhice e a morte, uma vez que elas fazem parte da vida e, como tal, podem ser ocasião de aprendizagem e de crescimento humano.

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CONCLUSÃO GERAL

Quando nos propusemos realizar este trabalho, tínhamos por intuito verificar se a escola pública portuguesa desenvolvia uma espiritualidade promotora de uma educação para a morte. Para que fosse possível estabelecer uma ligação entre o desenvolvimento espiritual e a educação para a morte, tentámos relacionar quatro conceitos: espiritualidade, educação, ética e morte.

Assim, partindo, não só da nossa experiência pessoal, mas, sobretudo, de um estudo aprofundado da bibliografia recolhida para tratar o tema proposto, percebemos que o homem, sendo um ser ontologicamente espiritual, manifesta uma necessidade intrínseca de se conhecer a si mesmo e de se encontrar, através de um aprofundamento interior que o conduz na busca da perfeição. Este foi o nosso ponto de partida e constituiu o objecto do nosso primeiro capítulo.

A religião é uma das formas mais comuns para a manifestação da espiritualidade humana. Contudo, outras formas de espiritualidade têm vindo a adquirir uma importância digna de destaque, dado que a «morte de Deus», anunciada, ainda no século XIX, por Nietzsche, fecha as portas aos valores religiosos tradicionais, abrindo-as à demanda de uma transcendência diferente, que preencha o vazio deixado por um eventual declínio do ideal religioso.

As tentativas mais recentes de aprofundar a espiritualidade têm vindo a revelar-se algo hesitantes e diáfanas, dado que respondem quase sempre e só a necessidades do sujeito, raramente orientando os seus seguidores na procura de uma construção pessoal integral, virada não só para si, mas integrando os outros. O «bem» é entendido apenas referido ao sujeito e à sua felicidade individual507.

Este é, quanto a nós, o risco a evitar, no que toca ao aprofundamento espiritual que, é nossa convicção, está intimamente ligado ao estabelecimento de uma escala axiológica que permita ao ser humano encontrar-se consigo mesmo, mas principalmente, encontrar-se na sua relação com os outros e com o mundo.

Com ou sem religião, o homem, porque espiritual, sente a sua incompletude e não prescinde da procura do que está em si e além de si. Esta procura pode operar-se por meio de uma religião, de uma filosofia ou apenas por meio das interrogações que se lhe colocam no seu quotidiano. O certo é que a espiritualidade humana desenvolve-se a

507 Canavarro, Abel (2012): “Nova Evangelização e Novas Espiritualidades”. In: Jornadas de Teologia.

200 partir de um «mergulho» no mais íntimo de cada um e do florescimento de um ser em construção, sempre em busca de um sentido para a vida508.

O desenvolvimento espiritual permite ao homem uma visão aprofundada do seu ser, bem como a capacidade de valorar e construir a escala axiológica que vai servindo de guia à sua conduta e lhe permite compreender-se, aceitar-se e realizar-se, na relação consigo mesmo e com os demais e com a transcendência, como quer que seja que a compreenda. E se fica claro que a espiritualidade auxilia o homem a encontrar um caminho para a vida, não se pode desmentir o seu papel na educação para a morte porque, efectivamente, quanto maior for a compreensão de si mesmo e do seu papel no mundo que o cerca, maior será a sua capacidade de se edificar como uma unidade, num universo complexo de polaridades: corpo e espírito, impulsos e valores, vida e morte.

E é justamente porque acreditamos que a espiritualidade desempenha um papel fulcral na educação para a vida e, consequentemente, na educação para a morte que pensamos ser urgente uma educação voltada para este vector. O homem, como ser espiritual tem de ser educado para que a sua espiritualidade possa florescer e, por isso, optámos por olhar, de forma mais atenta, ao longo do segundo capítulo, para o modo como a educação em Portugal está, ou não, a ter em conta o desenvolvimento espiritual dos nossos jovens.

Ao falarmos em educação, não nos referimos apenas à escola. Englobamos também a família e a sociedade. É indesmentível que o sistema educativo, muito mais preocupado com a resposta a problemas sociais, como a integração e os índices de escolaridade, bem como com o desenvolvimento de competências com vista a um mercado de trabalho, não dá relevância ao desenvolvimento espiritual dos jovens. Bem pelo contrário. Como vimos no segundo capítulo, as políticas educativas acabam por favorecer um certo ambiente de desumanização no interior das escolas. Os alunos, genericamente, não estão habituados a ter responsabilidade, disciplina, rigor, respeito, ou tolerância. Um ser em desenvolvimento que cresça neste clima de facilitismo e de individualismo, não desenvolverá a sua espiritualidade mas centrar-se-á apenas no seu próprio interesse, ou seja será espiritualmente deficitário, uma vez que a centelha espiritual existe, mas não se engrandecerá pelo contacto profundo com uma realidade maior, que é a da descoberta de um sentido para a vida, dentro de si mesmo e para além de si mesmo. A escola pública, com as suas leis e filosofias, está, por conseguinte, longe de auxiliar os jovens nesta descoberta espiritual.