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1. O conceito de educação

1.3. Educação/escolaridade

Como vimos anteriormente, à ideia de educação subjaz um conceito muito alargado, quer no que se refere aos seus conteúdos e objectivos, quer nos que diz respeito ao período de tempo a que se estende.

A educação, visando, cada vez mais, um projecto de convivência comum, apela, principalmente, para a realização pessoal do ser humano, na sua relação com os demais, o que a transforma num processo sempre inacabado. Pode, inclusivamente, dizer-se que

158 Não desenvolvemos esta nossa posição, em face das chamadas Novas Oportunidades, dado que

estaríamos a tergiversar relativamente ao assunto fulcral em estudo. Contudo, o cepticismo com que encaramos as Novas Oportunidades tem a ver com o facto de a nossa experiência, enquanto docentes, nos revelar que a legislação que regulamenta estes cursos prova que estes servem apenas a urgência de apresentar estatísticas positivas, no que diz respeito às taxas de escolaridade e ao nível de sucesso/insucesso dos alunos portugueses.

59 é uma realização exclusivamente humana, pois decorre de um crescimento interior, capaz de dotar o indivíduo de uma consciência liberta de condicionalismos, apta a fomentar o espírito crítico, a criatividade e a originalidade quando confrontado consigo mesmo e com o mundo que o cerca:

Com efeito, […] o tesouro que permanece como mistério a descobrir reside no interior da pessoa, de cada pessoa. O processo duradouro e sustentável de amadurecimento pessoal decorre das viagens interiores que cada um decida empreender, na aquisição de sentido próprio mas também em intensa unidade com os destinos de todos os demais.159

Já ao falarmos de escolaridade, os limites são bem mais definidos, apesar de sabermos que, por vezes, as duas noções (educação e escolaridade) são dadas como equivalentes. A escolaridade, podemos assim defini-la, é uma das etapas da educação. Aliás, esta etapa da educação é a que, verdadeiramente, nos importa analisar ao longo deste trabalho, uma vez que é na qualidade de professores, que queremos perceber o papel que poderemos desempenhar na educação dos nossos jovens, nomeadamente no que à educação espiritual diz respeito.

A escolaridade surge, deste modo, determinada pelo sistema de ensino de cada país e é delimitada por diplomas legais tanto no que tem a ver com a sua duração, como no que se relaciona com os conteúdos e objectivos/competências a alcançar pelos alunos. Assim, em Portugal, a Lei n.º85/2009 de 27 de Agosto prevê que a escolaridade obrigatória para os nossos alunos passa a ser até aos dezoito anos de idade, querendo isto dizer que todos os alunos devem ter como meta a conclusão do ensino secundário (12ºAno). Este novo diploma veio alterar, recentemente, a lei existente (Decreto-Lei 301/93 de 31 de Agosto) que apenas impunha a conclusão do ensino básico (9º Ano) ou a frequência da escola até aos quinze anos de idade.

Do mesmo modo, as competências a desenvolver pelos alunos do chamado ensino regular, apoiadas em áreas disciplinares e não disciplinares, ou seja num currículo universal, estão consagradas na lei. O ensino básico rege-se pelo Decreto-Lei n.6/2001 de 18 de Janeiro, enquanto o ensino secundário se regula pelo Decreto-Lei n.º 272/2007de 26 de Julho.

159 Carneiro, Roberto (2003): Fundamentos da Educação e Aprendizagem. Vila Nova de Gaia: Fundação

60 Como se torna óbvio, os sucessivos governos não perdem de vista as novas concepções educativas, manifestando preocupação em evidenciar a importância da escola, numa perspectiva integrada de educação ao longo da vida:

O Programa do Governo assume como objectivo estratégico a garantia de uma educação de base para todos, entendendo-a como início de um processo de educação e formação ao longo da vida, objectivo que implica conceder uma particular atenção às situações de exclusão e desenvolver um trabalho de clarificação de exigências quanto às aprendizagens cruciais e aos modos como as mesmas se processam.160

O sistema educativo português compreende, também, outras modalidades de ensino, às quais já tivemos oportunidade de aludir. Trata-se daquilo a que o governo chamou Novas Oportunidades, destinadas a alunos jovens que tenham abandonado ou pretendam abandonar o ensino regular, preparando-os, essencialmente para o mundo do trabalho, através de uma formação de cariz profissionalizante e com uma maior flexibilidade em termos curriculares, quer se trate de cursos apenas de certificação escolar, com equivalência ao nono ou ao décimo segundo ano, quer se trate de cursos de dupla certificação, escolar e profissional:

Este eixo [Objectivos Eixo Jovens - Iniciativa Novas Oportunidades] de intervenção tem como objectivo dar resposta aos baixos níveis de escolarização dos jovens através da diversificação das vias de educação e formação, pelo reforço do número de vagas de natureza profissionalizante e da exigência em garantir melhores taxas de aproveitamento escolar. Neste contexto, destaca-se o objectivo de inverter a tendência do aumento do número de jovens que não conclui o ensino secundário e, simultaneamente, a valorização das aprendizagens proporcionadas por este nível de ensino.161

Estes Jovens podem optar entre Cursos de Educação e Formação, Cursos Tecnológicos, Curso Profissionais, Cursos de Aprendizagem, Cursos do Ensino Artístico e Cursos de Especialização Tecnológica.

Para os adultos, foi criado o «Objectivos - Eixo Adultos – Iniciativa Novas Oportunidades» que tem como principal finalidade a subida dos níveis de qualificação da população adulta. Estas acções dirigem-se a pessoas maiores de dezoito anos que não

160 Decreto-Lei n.6/2001 de 18 de Janeiro.

161 “Novas Oportunidades Aprender Compensa”. Internet. Disponível em

61 concluíram o 9º ano de escolaridade ou o ensino secundário. Os adultos podem, deste modo, optar por fazer reconhecimento, validação e certificação de competências adquiridas (RVCC) ao longo da vida, em contextos informais de aprendizagem ou enveredar por cursos de Educação e Formação de Adultos162.

Seja como for, tanto no ensino regular, como no ensino ligado às Novas Oportunidades (cujos objectivos, currículos e horas de formação estão igualmente definidas em diversos diplomas legais), o pano de fundo é a escolaridade obrigatória, isto é, um percurso estabelecido, tendo como referencial as aprendizagens que devem ser, ou deveriam ter sido, feitas ao longo de um percurso escolar.

Porém, é importante não esquecer que, sendo a escolarização dependente de um sistema educativo e, por conseguinte, de um governo, seja ele de esquerda, de centro ou de direita, ela terá a tendência a ser, como prova a história, instrumentalizada. Não esquecemos, por certo, o conceito de escola dos tempos de Salazar, que tinha por objectivo a transmissão de um ideário político e religioso, mantendo as massas na ignorância e na ilusão de que viviam no mundo ideal163. Também os estados socialistas instrumentalizaram as escolas, integrando as crianças em sistemas de ensino que lhes permitissem condicioná-las, levando-as a aceitar a «construção de operários», ou seja homens máquinas, aptos a produzir164. O mesmo sucedeu, quando, no pós-guerra, a economia florescente arrastou consigo os sistemas educativos, pondo-os ao seu serviço165.

Nos dias de hoje, é provável que a grande maioria dos países democráticos não use a escola de forma tão ostensivamente direccionada. Contudo, não podemos negar que continua a tratar-se de uma instituição em que as pressões políticas, sociais e económicas se fazem sentir:

Em Dezembro de 1991, publicava a Comissão Europeia um memorando sobre o ensino superior. Nele recomendava às universidades que se comportassem como empresas submetidas às regras concorrenciais de mercado. O mesmo documento formulava o voto de que os estudantes fossem tratados como clientes, incitados não a aprender, mas a consumir.

162 Idem, Ibidem.

163 Mónica, Maria Filomena (2008): Vale a Pena Mandar os Filhos à Escola?. Lisboa: Relógio D’Água

Editores, 48.

164

Gomes, J. Pinharanda (2003): “Teses de Educação e Ensino de Guilherme Braga da Cruz”. In: Humanística e Teologia Tomo XXIV – FASC.2:161-174.

165 Carneiro, Roberto (2003): Fundamentos da Educação e Aprendizagem. Vila Nova de Gaia: Fundação

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As aulas tornavam-se deste modo produtos, dando os termos «estudantes» e «estudos» lugar a expressões mais apropriadas à nova orientação: «capital humano», «mercado do trabalho.»166

A escola acaba por ser o reflexo das carências e contingências das sociedades e, por isso, muitas vezes, em vez de olhar às necessidades dos jovens, controla-os «a partir de mecanismos comandados por forças ocultas: “hidden curriculum”, “hidden hand”, “hidden foundations.”».167

Concluímos, portanto, que a escolarização, sendo, como já dissemos, uma etapa da educação, é conduzida e orientada pelos sistemas de ensino em que aparece inserida, ou seja, ela é regulada e formatada à medida de factores de várias ordens: políticos, sociais, económicos, culturais, etc.

A educação, pelo contrário, resulta de um conjunto de experiências, conducentes ao desenvolvimento total de cada indivíduo, nomeadamente ao aperfeiçoamento da sua inteligência, da sua sensibilidade, do seu sentido estético, da sua responsabilidade e da sua espiritualidade. A educação cria, assim, condições para que o ser humano possa formar um pensamento autónomo e crítico, estabelecendo os seus próprios critérios, com vista à tomada de decisões sustentadas168.

Assim, para que uma sociedade seja constituída por cidadãos esclarecidos, é importante dar-lhes as condições não só para frequentar a escola, mas, sobretudo, para que eles sejam capazes de colher dela os melhores frutos, pois, como dizia Vergílio Ferreira, “(…) a sabedoria é feita […] apenas do que resta depois do que se deitou fora.”169

2. Análise do sistema de ensino português à luz dos valores e da