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2.2 A ética do amor a Deus

3. Éticas racionais

3.3. Adela Cortina

O conceito de ética da razão cordial, de acordo com o pensamento de Adela Cortina, assume um carácter dialógico e assenta em várias tradições éticas anteriores, incluindo-se a ética das virtudes, a ética de Habermas, sem esquecer o papel dos sentimentos, e o recente enfoque nas competências. É que, com efeito, a competência comunicativa e a capacidade de estabelecer diálogo pressupõem a capacidade de estimar os valores, a capacidade de sentir e a capacidade de formar um juízo justo, através da aquisição de virtudes383.

Enquanto a ética discursiva, em Habermas por exemplo, se centrava apenas nas normas, por se terem por racionais e universalizáveis, sendo os valores vistos como a expressão de subjectividade, a ética da razão cordial, ao contrário, reconhece que sem a capacidade para estimar os valores da justiça, nem sequer é relevante saber se a norma é justa ou não. Se não houver a capacidade de reconhecer o valor dos vários interlocutores, a justiça das normas é inútil:

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La ética de la razón cordial, por su parte, reconoce que sin capacidad para estimar el valor de la justicia ni siquiera importa que una norma sea justa; sin capacidad de estimar a los demás interlocutores como valiosos, la justicia de las normas que deberían estar a su servicio es irrelevante.384

No fundo, quem não possui esta capacidade de apreciar os valores, que permitem velar pela vida dos outros e pela própria, é incapaz de uma vida moral385. Todavia, para se formar um juízo sobre o que é justo e o que é injusto não chega a razão e a capacidade de avaliar. É necessário o desenvolvimento de um carácter apto a colocar os interesses universalizantes e universalizáveis à frente dos interesses individuais. É necessária a cultura de um carácter capaz de reconhecer o melhor argumento386.

A formação de um carácter depende, certamente, do cultivo das virtudes com as quais se torna possível avaliar o que é justo ou injusto. Elas são, segundo Adela Cortina, as excelências em que o indivíduo se vai desenvolvendo, desde a infância na família e na escola e que o levam a procurar e a descobrir o justo:

Por eso, las virtudes no son el tipo de cualidades que agradan socialmente, que reciben el beneplácito general, como dijera Hume. El virtuoso puede ser francamente molesto en determinadas circunstancias. Pero tampoco las virtudes son únicamente las disposiciones que fortalecen la voluntad para tener la fuerza suficiente en el cumplimiento del deber, tal como las ha entendido la tradición estoica e kantiana. Son las excelencias en las que se va forjando el sujeto moral desde la infancia, desde la comunidad familiar y desde la escuela para querer, en este caso, lo justo y para poder descubrir lo justo.387

Neste processo dialógico e comunicativo que envolve a ética da razão cordial são indispensáveis os sentimentos, sobretudo os que dizem respeito à compaixão e à justiça pois quem não conhece o sofrimento e a injustiça, não será capaz de discernir entre o justo e o injusto e não terá a capacidade de actuar dignamente diante da fragilidade:

La representación del deber despierta el sentimiento de respeto hacia la propia grandeza, hacia la propia dignidad. Por esa grandeza existe tanto cuando las personas gozan de los bienes de la fortuna como cuando carecen de ellos. En ambos casos son dignos de respeto, pero en el segundo actúa también un móvil moral que es la compasión por el sufrimiento y la desgracia. Un móvil que es preciso cultivar para poder descubrir ese vínculo que nos une, que es tanto el del respeto por la grandeza como el de la compasión por la debilidad.

384 Idem, Ibidem, 17. 385 Idem, Ibidem, 17. 386 Idem, Ibidem, 18. 387 Idem, Ibidem, 18.

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Es este sentimiento el que, de una forma amplia, recibe el nombre de «sentimiento de humanidad.»388

Para que o diálogo seja efectivo é fundamental também que sejam reconhecidas as capacidades comunicativas dos diversos interlocutores. A autonomia para avaliar a validade dos diversos argumentos, vista como capacidade de optar por interesses universalizáveis ou como capacidade de formar um juízo moral assume uma importância iniludível. Todavia, para alcançá-la, levando por diante uma vida digna, torna-se imperioso que as sociedades assumam a responsabilidade de proteger as capacidades dos intervenientes e os ajudem a cultivá-las389.

Neste sentido, surgem os Direitos Humanos que, estando ao serviço das pessoas, têm por objectivo sublinhar a importância das suas capacidades básicas, de modo a que nenhum interlocutor possa sair lesado na sua dignidade, pois tal iria contra o sentido intrínseco do diálogo.

A ética da razão cordial serve, portanto, os interesses das sociedades plurais, articulando a ética de mínimos, ligada à ideia de justiça, com a ética de máximos relacionada com o conceito de vida boa390. Trata-se, segundo Cortina, de uma ética comunicativa, antropocêntrica, assente sobretudo na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na ideia da dignidade da pessoa humana:

Ciertamente, la ética de la razón cordial es antropocéntrica, en la medida en que tiene por fundamento el reconocimiento recíproco de seres dotados de competencia comunicativa humana, y también lo es el núcleo de esa ética cívica transnacional, que se asienta, al menos en buena parte, en la Declaración universal de los derechos humanos de 1948 y en el concepto de dignidad de la persona humana.391

É nossa opinião que, de entre as abordadas neste apartado, a ética cordial é a mais globalizante, dado que aceita todas as outras, acrescentando-lhe novos elementos, essenciais, quanto a nós, numa sociedade cada vez mais multicultural.

Assim, ela não descura o elemento racional e comunicativo das éticas formalistas, preconiza o cultivo das virtudes, no sentido da formação do carácter (através da educação) e traz a lume a importância dos sentimentos, sem os quais o ser humano terá dificuldade em avaliar a justiça ou injustiça de determinada situação.

388 Idem, Ibidem, 20. 389 Idem, Ibidem, 21. 390 Idem, Ibidem, 23. 391 Idem, Ibidem, 25.

153 No fundo, trata-se de uma ética humanista, preocupada não só com a formalização de um conjunto de princípios normativos (ética de mínimos) mas, principalmente, com a estruturação de um paradigma que vise o ser humano, na defesa da sua dignidade e da sua felicidade (ética de máximos) e, porque não dizê-lo, da sua condição de ser espiritual.

Assim, parece-nos que a ética da razão cordial visa a criação de um novo modelo, um modelo que assente no desenvolvimento de uma nova humanidade, capaz de proteger os mais vulneráveis, mas, igualmente, de lhes fornecer os meios para que deixem de o ser. É uma ética que reconhece os sentimentos.

Em nosso entender, os sentimentos de compaixão, a que alude Adela Cortina, só brotarão do coração de um homem espiritual, capaz de educar o ouvido para ouvir o apelo do mais profundo do seu ser.

3.4. As teorias do desenvolvimento moral e educação em valores