• Nenhum resultado encontrado

Os encarregados de educação

3 Educar para a vida espiritual e em valores

3.2.2 Os encarregados de educação

Os Encarregados de Educação são, cada vez mais, parte integrante e actuante no sistema de ensino. Nos últimos anos multiplicaram-se esforços, mediante diplomas legais, para que estes tivessem uma participação activa na vida das escolas235. Por isso eles passaram a ter assento nos Conselhos Gerais, nos Conselhos Pedagógicos e nos Conselhos de Turma, sendo que as decisões de todos estes órgãos são, pelo menos em teoria, articuladas e partilhadas com eles. Dizemos em teoria, porque não é um conjunto de documentos legais que vai, por si só, alterar hábitos instalados. A lei pode obrigar à presença dos encarregados de educação, mas ela não garante que eles tenham as motivações certas e a formação adequada para salvaguardar os interesses dos alunos que representam. O que se verifica, frequentemente, nas escolas, é uma luta acesa entre pais e professores como se uns e outros não tivessem o mesmo objectivo: educar236.

Na verdade, os encarregados de educação não podem esquecer que o direito de intervir na escola não lhes assiste por ter sido dado por decreto, mas porque é uma competência intrínseca a que se deveriam sentir obrigados.

Quanto a nós, no entanto, o problema da representatividade dos encarregados de educação nos diversos órgãos escolares, não vem resolver o alheamento de muitos relativamente à educação das crianças. É certo que, neste momento, as decisões de fundo se tomam em conjunto. Contudo, os problemas reais e contextuais dos alunos continuam a carecer da presença sistemática dos respectivos encarregados de educação e da sua cooperação com a instituição escolar. Sem o contributo precioso dos encarregados de

234

Patrício, Manuel (1993): Lições de Axiologia Educacional. Lisboa: Universidade Aberta, 190-192.

235 A partir de 1998, com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 115-A/98 de 4 de Maio, os encarregados de

educação começaram a fazer parte da Assembleia de Escola (artigo9º), do Conselho Pedagógico (artigo25º) e dos Conselhos de Turma (artigo 36º). Depois deste diploma, outros se seguiram, que contam com a sua partipação activa, como por exemplo, o despacho normativo n.º 14/2011de 18 de Novembro (actualização do despacho normativo n.º1/2005 de 5 de Janeiro), que envolve os pais e encarregados de educação no processo de avaliação do respectivo educando (alínea c), ponto 7), ou com a Lei n.º 39/2010 de 2 de Setembro (artigo 6º), em que se prevê a responsabilidade dos pais e encarregados de Educação.

236 Eis o problema apresentado por Daniel Sampaio:

“ O panorama não é, em síntese, muito animador. Quando se fala com os pais, ouvimos queixas pela pouca segurança da escola ou pelas faltas dos professores; quando se pergunta aos professores, respondem-nos que os pais pouco aparecem e é difícil colaborar com eles. Parece que pais e professores não se unem no essencial e se mantêm numa posição de competição simétrica.” - Sampaio, Daniel (1996): Voltei à Escola. Lisboa: Editorial Caminho, 105.

94 educação, dificilmente se poderão tomar decisões acertadas, no âmbito dos seus problemas:

Muitos pais não vão à escola […] porque, na realidade não sabem qual o seu papel no edifício onde os filhos andam tantas horas. É necessário que não esqueçam que o processo de envolvimento ajuda os professores mas também melhora a família, porque aproxima os pais dos problemas dos filhos e determina um maior envolvimento afectivo.

Os pais são essenciais à escola, porque ajudam a definir prioridades e fazem força em conjunto para a resolução de problemas, mas são também muito importantes para o professor, visto que podem ajudar a compreender melhor o aluno e a descobrir soluções para as dificuldades.237

Contudo, de uma forma geral, para os encarregados de educação parece ser mais cómodo atribuir as responsabilidades educativas apenas à escola e aos professores, chamando a si apenas a tarefa de «defender» as crianças das injustiças que contra elas possam ser praticadas, dando-lhes quase sempre a razão que lhes deveriam, a maior parte das vezes, tirar:

A menudo los maestros se quejam de no poder educar bien a los alumnos por el hecho de que los padres apoyan comportamientos y actitudes de sus hijos que andan lejos de lo que es una buena educación. Ante la fuerza (y la autoridad) de la familia, los educadores escolares se sienten impotentes.238

Efectivamente, a maioria dos encarregados de educação deposita a educação das crianças/jovens nas mãos da escola e dos professores, desfazendo-se dos pesados encargos que isso acarreta239. Contudo, assume posições contraditórias, conforme o sucesso ou o insucesso que se regista. É comum que o encarregado de educação de um aluno bem sucedido chame a si «os louros» pela boa prestação do seu educando. Muito mais raro é assumir as suas responsabilidades perante uma situação problemática ou desviante. Aliás, esta desresponsabilização não se confina às questões da vida escolar. Ela é ampla e salta para a esfera do social:

Hace unos meses los médios de comunicación españoles se ocuparon de esas discotecas que abren noche y dia ininterrumpidamente, permitiendo a los adolescentes fines de semana de três dias sin Salir de ellas, viajando de unas a otras en un estado de sobriedad cada vez más deteriorado que se salda com frecuentes

237Sampaio, Daniel (1996): Voltei à Escola. Lisboa: Editorial Caminho, 108.

238 Cabanas, José Maria Quintana (2004): La Educación está enferma. Valencia: Nau Libres, 23. 239 Savater, Fernando (2007): El Valor de Educar. Barcelona: Editorial Ariel, 59.

95

accidentes mortales de carretera, perdida de concentración en los estúdios, etc. Los padres, reconociendo que ellos no podían ser guardianes de sus hijos, exigían de papá Estado que cerrase esos establecimientos tentadores o al menos controlara policialmente con mayor rigor a quienes utilizan vehículos de motor para ir de unos a otros. No sé si estas medidas de vigilancia serán oportunas, pero sorprende en todo caso la facilidad con que esos progenitores daban por supuesto que, como ellos eran incapaces de hacerse cargo de sus vástagos, el Ministerio del Interior debía controlar a los de todos los españoles.240

É verdade que os encarregados de educação estão cada vez mais atentos ao que se passa nas escolas. É inquestionável a importância do seu contributo para a construção de linhas orientadoras de actuação, nomeadamente através da sua participação na idealização do Projecto Educativo. Porém, estamos ainda longe de uma cooperação efectiva, despretensiosa e desinteressada. Em nosso entender, os representantes dos encarregados de educação são, na sua maioria, ainda movidos por motivações totalmente alheias à boa condução das práticas educativas nas nossas escolas. Motivos que vão desde as conveniências de um determinado grupo às preferências políticas. Todos servem, no entanto, para minar os verdadeiros interesses da educação241.

Ora se os encarregados de educação continuam a encarar a sua posição nas escolas como uma força de bloqueio ou de contrapoder, não nos parece que estejam, ainda, preparados para olhar para a escola como uma instituição dinâmica e cooperativa, ou a participar um projecto comum, interessado em transmitir ou em fazer a apologia de valores morais, éticos ou espirituais.

3.2.3. Os alunos

Evidentemente, não poderíamos falar do papel da escola sem falarmos naqueles que deveriam, de facto, ser o centro de todas as tomadas de decisão: os alunos. É por eles e para eles que professores, pais/encarregados de educação e demais entidades envolvidas deveriam lutar, pois (assim o confirma o chavão) eles são o nosso futuro.

Como já vimos, contudo, não é fácil conquistar os alunos para as «causas» da escola e do ensino. Os nossos jovens e crianças (falamos de Portugal e do mundo ocidental de uma maneira geral242) vivem num mundo bem diferente daquele em que

240 Idem, Ibidem, 63. 241

Sampaio, Daniel (1996): Voltei à Escola. Lisboa: Editorial Caminho, 108.

242 Hernando Sanz refere a este propósito:

“ En la educación actual se constatan una serie de hechos que están disminuyendo su calidad y su buena fucción, tanto en el ámbito de la enseñanza escolar como en el de la formación y buenos hábitos de los educandos, y esto no solo en España, sino en todos los países

96 viveram os seus pais e avós. Em primeiro lugar, porque existem condições económicas e sociais muito mais favoráveis. Em segundo lugar, porque o desenvolvimento tecnológico foi avassalador.

Todos sabemos que as crianças de hoje vivem, regra geral, numa atmosfera em que não falta o necessário. Em termos materiais, nada lhes falta: nem o essencial, nem o acessório e tudo está à distancia de um simples pedido. A ideia de que as crianças deveriam mostrar comportamentos e atitudes dignas de merecer um presente foi completamente posta de parte. Quem de nós não se lembra do «gira-discos» que o nosso amigo ganhou por ter sido o melhor aluno da turma naquele ano? Quem de nós não se lembra de como esperávamos o dia de Natal para receber aquela prenda de sonho porque nos tínhamos portado bem durante o ano?

Ora, hoje em dia, basta entrarmos no quarto de um adolescente para nos apercebermos rapidamente que computadores, consolas de jogos, telemóveis, mp3, televisores, leitores de CDs, etc. se tornaram coisas absolutamente banais, sem que para isso fosse preciso nenhum esforço. As nossas crianças não conquistam nada à custa do seu próprio empenho. Por isso, não valorizam nada do que lhes vai parar às mãos, tendo como dado adquirido que ter é decorrente de ser: sou, logo tenho.

Pode perguntar-se de que modo a opulência em que se vive influencia as crianças e os jovens enquanto alunos. Quanto a nós, a relação parece-nos clara. Se as crianças crescem na ilusão de que não são necessários o esforço, a entrega e o compromisso para alcançar um objectivo, então as mesmas crianças não verão necessidade de estudar e de se empenhar nos trabalhos escolares, pois acreditam que, de uma forma ou de outra, terão o seu futuro assegurado. A concorrer para corroborar esta ideia está, igualmente, o facilitismo que impera nas nossas escolas e que leva os alunos a acreditar que não é preciso aplicar-se porque, na verdade, nunca serão confrontados com o fracasso. No fundo, os adultos (pais e professores) estão a contribuir, em grande escala, para a desresponsabilização total das crianças e dos jovens que, por isso mesmo, parecem cada vez mais lentos no seu processo de crescimento:

Antes la adolescencia era una transición corta entre la niñez y la juventud, la famosa edad del pavo, que apenas duraba lo que un breve sarampión. Ahora […]se ha atrasado mucho más aún su final: cuándo acaba la adolescência? Acaso no tienen más rasgos de

occidentales comenzando por los más avanzados.” – Sanz, Maria Ángeles Hernando

(2005): “ La crítica a los fallos de la educación actual”. In: Bases para una Pedagogía Humanista. Madrid: PPU, 91.

97

adolecesntes que de jóvenes los universitarios de premier año hoy dia…?243

Convém, igualmente, não esquecer que o universo dos nossos alunos é recheado de aparelhos tecnológicos que, na sua maioria, lhes permitem o escape de um mundo que, principalmente na fase da adolescência, eles, constantemente, põem em causa244. Eles vivem mergulhados nos videojogos, nas salas de chat, nas conversas ao telemóvel, nos sites de mensagens instantâneas e nas redes sociais. À primeira vista, tal facto pode parecer insignificante mas, efectivamente, verifica-se que as crianças e adolescentes estão a perder a capacidade de brincar, de comunicar e de se relacionar, tornando-se materialistas, egocêntricos e egoístas. Eles parecem não notar a falta de um amigo real (por oposição ao amigo virtual, que muitas vezes nem conhecem) com quem possam partilhar brincadeiras, segredos, sorrisos, olhares… Simplesmente isolam-se no seu quarto, onde passam horas em frente a um monitor, tendo por único movimento o dos dedos que, incansavelmente, manuseiam as teclas.

Para além de criarem, nos jovens, esta ambiência de uma certa alienação, as tecnologias da informação que, obviamente, têm as suas vantagens, abrem, ainda, janelas discretas e indiscretas para o nosso mundo. As crianças têm acesso, desde muito cedo, a todos os tipos de informações. No passado, elas viviam num ambiente em que as principais fontes de informação eram os livros e os adultos, havendo critérios de selecção relativamente aos dados que podiam receber, de acordo com a sua idade. No fundo, havia, aos olhos das crianças, um mundo oculto, o mundo dos adultos, que elas tinham curiosidade em conhecer. Porém, sabiam que para desvendar esse mundo nebuloso, era necessário amadurecer. As tecnologias acabaram com esta revelação progressiva das realidades da vida. Isto é, deixou de haver inocência porque os mais novos podem assistir em directo e ao vivo aos acontecimentos mais dolorosos e às realidades mais intensas: violência, mentira, traição, morte, doença, sexo, etc.

O mundo, e tudo o que nele existe, faz parte do quotidiano dos nossos alunos. Assim, parece difícil acreditar que o professor possa, ainda, ter alguma coisa de relevante a dizer. Antes, podia jogar com a curiosidade natural de quem sabe que existe algo mais para aprender, e que está ansioso por penetrar nos mistérios que até ali lhe foram vedados. Agora, os alunos chegam à escola fartos de informações e

243 Rojano, Jesús (2005): “La Odisea Adolescente: Qué les está passando y por qué?”. In: Misión Joven

336-337:8.

98 conhecimentos que não lhes exigiram nenhum esforço a adquirir245. O seu interesse fica, logo à partida, comprometido. Por isso nos questionamos: o que ensinar a estes alunos sem motivação intrínseca?

Por um lado, as escolas estão ainda longe de ser o cenário cibernético de que eles tanto gostam. Por outro lado, as matérias a aprender não lhes interessam, tanto mais que lhes exigem um esforço (relativo) para o qual eles não vêem necessidade. Na verdade, os alunos, habituados ao conforto, à comodidade, ao facilitismo e ao imediatismo, não podem sentir-se integrados numa instituição que lhes peça (ainda que cada vez menos) responsabilidade, trabalho e empenho com vista a alcançar objectivos longínquos ou, em muitos casos, inexistentes.

A escola poderia ter um papel fundamental, no sentido de, de alguma forma, contrariar este estado de coisas. Até porque, como sabemos, a identidade destes jovens está ainda em construção e faz-se na articulação entre o que é pessoal e o que lhes é dado do exterior:

La identidad, pues, en tanto proceso vivo y siempre inacabado, no se cosntituye desde una plena pasividad por parte del sujeto. Cuenta también como factor esencial la propria decisión en ir dando forma y estilo, «estilo personal», a esse material que la vida ha ido configurando en cada uno. Construcción de sí mismo, pues, en la que articulamos nuestro querer, nuestra decisión y nuestra aspiración ideal con lo que a través de los otros se fue sedimentando en nuestro interior.246

Porém, não nos parece que a escola esteja a ser capaz de apontar novos caminhos aos alunos. Muito pelo contrário. Cada vez mais, ela parece incentivar a continuidade deste estado de coisas, traduzindo-se esse facto nos repetidos casos de indisciplina e violência, que demonstram a ausência de valores cívicos e morais tão básicos como, por exemplo, o respeito pelos outros e pela sua dignidade247, provando-se a urgência de se repensar a escola, com tudo o que esse conceito possa incluir.