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Educação ao longo da vida

1. O conceito de educação

1.2. Educação ao longo da vida

Como já tivemos oportunidade de referir, a educação é um processo e não um ciclo fechado. Este novo paradigma, que começa a ganhar consistência a partir dos anos setenta do século XX, rompe com a divisão tripartida dos sistemas educativos, constituída pela educação de infância, pela educação de jovens e pela educação de adultos. A visão tradicionalista da educação, que se referia exclusivamente à idade escolar, punha a tónica na acção do adulto sobre a criança e sobre o jovem e visava o objectivo de os preparar para a vida adulta. Porém, ao aceitarmos que a educação é um processo paralelo à própria existência, ela deixa de ser um meio, passando a ser um fim, ou seja, ela torna-se numa dimensão ubíqua da vida149. Por isso, podemos defini-la como sendo «o processo de crescimento global e harmónico de cada ser humano, ao longo das diferentes fases da sua existência, desde que nasce até que morre.»150

Na verdade, desde o primeiro dia da existência de qualquer ser humano que começa o seu processo educativo. Ao contrário dos outros animais, em que a biologia parece determinar todas as suas realizações e aprendizagens, as quais estarão adquiridas ao fim de um curto espaço de tempo, o ser humano inicia uma caminhada que só terá o seu epílogo com o fim da vida. É evidente que as aprendizagens serão progressivas e de acordo com factores como a idade, as capacidades cognitivas, psicológicas, afectivas e, como é claro, com o meio envolvente:

El niño pasa por dos gestaciones: la primera en el útero materno según determinismos biológicos y la segunda en la matriz social en que se cria, sometido a variadísimas determinaciones simbólicas […] La comunidade en la que el niño nace implica que se verá obligado a aprender y también las pecularidades de esse parenizaje. Hace casi ochenta años, en su artículo «The Superorganic» aparecido en American Anthropologist, lo expuso Alfred L. Kroeber: «La distinción que cuenta entre el animal y el hombre no es la que se da entre lo físico y lo mental, que no es más que de grado relativo, sino la que hay entre le orgánico y lo social … Bach nacido en el Congo en lugar de en Sajonia, no habría producido ni el menor fragmento de una

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Dias, José Ribeiro (2009): Educação o Caminho da Nova Humanidade. Porto: Papiro Editora, 18.

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coral o una sonata, aunque podemos confiar en que hubiera superado a sus compatriotas en alguna otra forma de música.»151

Aliás, a educação só faz sentido porque o ser humano é um ser social. Ele aprende em sociedade e para se poder encontrar consigo mesmo em sociedade. Efectivamente, o homem só sente necessidade de continuar o seu processo de aprendizagem porque, ao ser confrontado com os saberes que continuamente se vão produzindo, toma consciência da sua ignorância152. Estas áreas do conhecimento abarcam, como se torna evidente, todas as vertentes da vida humana, passando pelas questões sociais, culturais, científicas, académicas, profissionais, afectivas, espirituais, morais, éticas, etc. Sócrates, no século V a.C., dizia: «Só sei que nada sei», o que significa que a sua visão sobre as aprendizagens ou, se preferirmos, sobre a educação era bastante actual. Ninguém se pode arrogar o feito de tudo saber e, por isso, a vida é a contínua acumulação e relação de saberes. Todavia, para que este processo se verifique mais eficazmente, o indivíduo deve ter a capacidade de aprender a aprender (capacidade que lhe deve ser facultada pela escola)153, reconhecendo, de antemão, a sua necessidade de formação constante, buscando sempre novos sentidos na sua realização pessoal e na sua relação com os outros.

São conhecidos os quatro grandes pilares da educação ao longo da vida: primeiro aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com outros e aprender a ser154.

O primeiro afasta-se da antiga ideia de que o importante era a aprendizagem mecânica de um conjunto de saberes e advoga, isso sim, o manuseamento de instrumentos cognitivos, culturais, científicos e tecnológicos no sentido de responder às novas fontes de informação e de conhecimento. Trata-se de dominar meios que permitam que cada pessoa aprenda a compreender o mundo em que vive, pelo prazer de conhecer e descobrir.

O segundo pilar, aprender a fazer, prende-se com a necessidade de colocar em prática os conhecimentos adquiridos, quer no momento presente, quer tendo em vista o que poderá ser a evolução do mundo do trabalho no futuro, estabelecendo-se, assim, um laço entre o conhecimento e as aptidões e competências que, neste mundo instável, o trabalho exige.

151 Savater, Fernando (2007): El Valor de Educar. Barcelona: Editorial Ariel, 25, 26. 152 Idem, Ibidem, 27.

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Cabanas, José Maria Quintana (2004): La Educación está enferma. Valencia: Nau Libres, 198.

154 Delors, Jacques (2009): Os Quatro Pilares da Educação. Internet. Disponível em

57 O terceiro pilar, aprender a viver com os outros, insere-se no contexto actual das, já referidas, sociedades multiculturais e visa uma cultura de paz, baseada na construção de uma identidade, assente, principalmente, em valores de cidadania.

Por último, aprender a ser, é, de todos os pilares da educação ao longo da vida, o mais importante, pois ele acaba por ser o resultado dos anteriores. Se um indivíduo for capaz de aprender a aprender, de aprender a fazer e de aprender a viver com outros, terá encontrado o caminho para a sua própria identidade. Mais do que nunca, nos dias de hoje, em que se fala, de forma crescente, em desumanização, motivada por uma padronização de estilos de vida, cada vez mais dependentes das tecnologias, torna-se urgente preparar as pessoas não apenas para uma determinada sociedade, mas garantir- lhes referências intelectuais que lhes permitam compreender o mundo ao seu redor e agir como obreiros responsáveis e íntegros, mas também como pessoas criativas, capazes de usufruir da liberdade de pensamento, discernimento, sentimentos e imaginação para desenvolverem as suas faculdades e serem senhores do seu próprio destino, ajudando na construção do destino comunitário155.

A educação ao longo da vida surge, portanto, como um processo bastante complexo e globalizante que permite que as pessoas se apropriem de um conhecimento dinâmico do mundo, dos outros e de si próprias:

O seu objectivo já não consistirá em preparar a criança ou jovem para a vida mas em estimular o processo da vida mesma, em ordem a que a pessoa, como agente da sua própria educação, concretize o seu projecto de existência visando a sua realização pessoal em comunhão com todos os outros membros da Família Humana e dentro dos condicionalismos do respectivo ecossistema.156

Está, assim, estabelecido o elo de ligação entre a educação e a dimensão espiritual, pois a educação permanente consiste em criar condições para que todos, e cada um, na medida das suas capacidades, tomem consciência das suas necessidades e aspirações e encontrem eles próprios meios de as satisfazer e realizar, promovendo, deste modo, a sua própria auto-realização e o bem comum.

Efectivamente, um processo de educação ao longo da vida implica, antes de mais, o reconhecimento do direito de todos à educação, como aliás, está preconizado na Lei de Bases do Sistema Educativo português, desde 1986157 e na Constituição da República. Por isso, à luz desta filosofia, as nossas políticas educativas dos últimos anos

155 Idem, Ibidem

156 Dias, José Ribeiro (2009): Educação o Caminho da Nova Humanidade. Porto: Papiro Editora, 216. 157 Lei de Bases do Sistema Educativo de 14 de Outubro de 1986.

58 têm vindo a implementar novas e variadas ofertas educativas que, em teoria, são uma boa resposta às necessidades educativas diagnosticadas para o país, mas que, na prática, e em nosso entender, enquanto profissionais da educação, acabam por estar francamente desvirtuadas158. São elas: cursos do Ensino Recorrente, cursos profissionais, cursos CEF (Cursos de Educação e Formação), Cursos EFA (Educação e Formação de Adultos) e sistemas de RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências) estes últimos pretendendo valorizar as aprendizagens realizadas fora do sistema de educação ou de formação profissional.

Estas novas ofertas têm subjacente a ideia de que, de facto, não há uma idade para aprender e de que as formas tradicionais de ensinar e de aprender podem, indubitavelmente, ser equacionadas de acordo com o público-alvo da educação. Necessitam, porém, de um equilibrado processo de avaliação.

Reconhece-se, assim, que os conhecimentos se adquirem na escola, quer mediante currículos regulares, quer mediante outras oportunidades de formação, mas também fora dos muros escolares, mediante as experiências da vida. O importante é, sem dúvida, que o ser humano se realize numa perspectiva pessoal, de forma activa e consciente, mas também numa perspectiva social, de modo participativo e responsável. A educação ao longo da vida é a pedra angular deste processo em que o homem, ao aprender a ser, aprende a valorizar a sua condição humana e a sua dignidade, em respeito pela condição humana e pela dignidade dos seus semelhantes.