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A urgência de educar em valores

3 Educar para a vida espiritual e em valores

EDUCAÇÃO E VALORES Teorias e fundamentos

1. A urgência de educar em valores

262 Idem, Ibidem, 58. 263 Idem, Ibidem, 59.

107 Ao contrário do preconizado, por exemplo, por Jean Jacques Rousseau em Emílio ou Da Educação264, consideramos que existe no ser humano uma certa tendência para o egoísmo, para a violência, para a desorganização mental e para a indolência.

Se assim não fosse, o homem já nasceria capacitado para responder a todas as muitas dificuldades e obstáculos que, inevitavelmente, surgem ao longo da sua vida e não haveria lugar à educação, pois o indivíduo, naturalmente, saberia como conduzir-se de forma adequada aos seus interesses e aos dos outros265. Podemos dizer, por conseguinte, que se não houvesse iniquidade no ser humano, nunca poderia haver sociedades pervertidas266. Aliás, mesmo Aristóteles considerava que o homem virtuoso seria aquele que conseguisse dominar a sua complexidade biológica, sensitiva, intelectiva e divina, sendo, para esse efeito, necessária a disciplina267. Em termos latos, podemos comparar a disciplina aristotélica à educação, pois ela visa acrescentar algo à nossa «humanidade» inata:

Nuestra humanidad biológica necesita una confirmación posterior, algo así como un segundo nacimiento en el que por medio de nuestro proprio esfuerzo y de la relación con otros humanos se confirme definitivamente el primero. Hay que nacer para ser humano, pero sólo llegamos plenamente a serlo cuando los demás nos contagian su humanidad a propósito… y con nuestra complicidad. La condición humana es en parte espontaneidad natural pero también deliberación artificial (…)268

A proposta rousseauniana é, deve dizer-se, contraditória: se o homem fosse bom em si mesmo, não se justificariam as sociedades corrompidas e não haveria necessidade de educar. Mas, por outro lado, se apenas existisse uma natural tendência para o mal, mão seria possível educar, pois faltaria também o “homem prudente” capaz de orientar as crianças e os jovens para a sabedoria. Assim, postulamos que o homem também nasce dotado de uma bondade ontológica, pois sem ela toda a educação seria infrutífera. Por certo, é por acreditarmos na capacidade humana de ver e de fazer o bem que nos dispomos a educar.

A educação consiste, assim, no desenvolvimento global do ser humano que implica, sobejas vezes, esforço, disciplina, controle e domínio. Tal como a planta que o

264 Rousseau, Jean-Jacques (2006): Emilio ou da Educación. Madrid: Fundación BBVA, 78,79. 265

Cabanas, José Maria Quintana (2004): La Educación está enferma. Valencia: Nau Libres, 35.

266 Diz-nos Quintana Cabanas a este propósito:

“Dice Rousseau que el hombre es bueno pero la sociedade es mala. Esto es impossible: si el hombre es bueno, la sociedad – o conjunto de hombres – lo será también.” - Cabanas, José Maria Quintana (2004): La Educación está enferma. Valencia: Nau Libres, 91.

267Aristóteles (2006): Ética a Nicómaco. Lisboa: Quetzal Editores, 152, 153. 268 Savater, Fernando (2007): El Valor de Educar. Barcelona: Editorial Ariel, 22.

108 agricultor vai regando, podando e orientando para obter os melhores frutos, assim a criança humana deve ser alimentada e conduzida no sentido de chegar a ser um homem responsável, cioso dos direitos e deveres para consigo mesmo e para com os outros, no quadro da sua liberdade. Quer isto dizer que educar não é apenas transmitir uma série de conhecimentos e de tradições dos antepassados, embora isso também aconteça. Educar é, sobretudo, veicular um ideal de vida e um projecto social, o que significa ter subjacente um referencial específico de valores269. Neste sentido, ética e educação andam a par. Não devemos esquecer que Aristóteles considerava que o homem seria tanto mais virtuoso, quanto melhor fosse capaz de desempenhar as suas funções de cidadão, de acordo com a função que lhe estava atribuída e de acordo com a sua capacidade de conter os seus instintos meramente biológicos e individuais. Educar para um projecto comum e para um quadro de valores obriga à aceitação de uma ética e de uma moral, dado que serão preconizados juízos de valor, com vista à distinção entre o que é o bem e o que é o mal, ou seja, entre o que é aceitável dentro do grupo e o que não é. Platão apresenta, também, na sua obra A República a ideia de que a educação dos cidadãos é um processo essencial para um estado justo e bem ordenado270.

Educar é, portanto, proporcionar instrumentos intelectuais, afectivos, morais e éticos para criar pessoas capazes de construir uma sociedade melhor, cada vez mais perfeita. Não é por acaso que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada em 1948, refere no seu preâmbulo, que o ideal comum aí instituído deve ser instigado através da educação:

Proclama a presente Declaração Universal dos Direitos do Homem como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efectivos tanto entre as populações dos próprios Estados membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição. 271.

269 Idem, Ibidem, 145.

270 Platão (1983): A Repúlica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 86.

271

Adoptada e proclamada pela Assembleia Geral na sua Resolução 217-A (III), de 10 de Dezembro de 1948. Publicada no Diário da República, I Série A, n.º 57/78, de 9 de Março de 1978, mediante aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

109 Torna-se, por conseguinte, óbvia a urgência de educar em valores e, particularmente, nos valores éticos272. Contudo, sendo patente a divergência de autores e práticas nesta área, coloca-se-nos a questão: Que valores transmitir? Quem tem competência para educar moralmente?

Vivemos, como todos sabemos, numa sociedade global e multicultural, em que diferentes raças, etnias, culturas e religiões convivem, nem sempre da forma mais pacífica. Como pode, então, esta sociedade constituída por grupos tão heterogéneos pensar na construção de um ideal comum? Ou seja, que valores podem ser preconizados para todos, sem que haja colisão de interesses? Será que deveremos impor os valores das maiorias e menosprezar os das pequenas minorias? Devemos, ao contrário, atender aos ideais dos pequenos grupos, protegendo-os da aceitação quase despótica dos valores aprovados pelos grupos mais representativos? Aceitamos a sociedade do melting pot, em que se dá a tentativa de fusão entre todas as culturas presentes numa determinada sociedade? Ou preferimos o mosaico, em que todos os elementos, com as suas especificidades, formam um todo multifacetado? E será que estes dois conceitos, tão amplamente difundidos, são uma realidade, ou não passam de mais uma utopia? Seja como for, a questão mantém-se: que valores poderemos transmitir para que se alcance um consenso, qualquer que seja a organização social em que a multiplicidade de grupos coexista? Educar para um ideal comum parece ser uma tarefa árdua. Todavia, não é impossível. O importante é perceber, em primeiro lugar, que determinados valores não podem ser impostos. Educar, em termos institucionais, e para os valores de um ideal comum, apresenta-nos, assim, um desafio, que é o de evitar a prescrição:

De ahí que enseñar valores de manera responsable no consiste en predicar, si por tal se entiende exhortar o animar a los oyentes a actuar de una determinada manera, de acuerdo con normas o valores predeterminados. Más bien consiste en usar la reflexión, en forma ineludiblemente técnica antes apuntada, para hacer patente el fundamento racional que existe para actuar de modo digno, o cívico, o cooperativo, o heroico, es decir, de un modo moral.273

272

Usa-se frequentemente a expressão “Educação em Valores” como sinónimo de educação em valores éticos. Porém, como explica Manuel Patrício, a Educação em Valores ou Educação Axiológica envolve também a educação em valores práticos, em valores estéticos, em valores lógicos, em valores religiosos. É, porém, .indiscutível a relevância da educação nos valores morais até para a capacidade de discernimento em outras classes de valores (Cf. Patrício, M. (1993), Lições de Axiologia Educacional, Lisboa: Universidade Aberta)

273 Gutiérres, Gilbert (1997): “O Ensino de Valores ea Filosofía Moral”. In Revista Galega de Ensino, Especial sobre os valores, 38.

110 Esta questão envolve, quer a problemática da objectividade versus subjectividade dos valores ou da sua universalidade versus relatividade, quer a da sua ensinabilidade.

O educador não pode educar em valores se ele próprio não os sente e vive como tais. Educar em valores é promover a compreensão, a fruição e a criação de algo que se considera (e não pode deixar de considerar-se) digno de ser reconhecido, estimado e querido como próprio do ser-se e tornar-se humano. Porém, se a perspectiva pessoal do educador não tem um suporte que supere a sua subjectividade, acabará por ser doutrinante, qualquer que seja a metodologia que adopte e estará a desrespeitar a criança ou o jovem, dificultando a sua visão crítica e o seu desenvolvimento.

Assim, a educação em valores morais implica a procura de valores cuja objectividade e amplitude seja o mais abrangente possível, evitando o relativismo a que temos vindo a assistir nas últimas décadas:

O relativo, a construção da vida em comum dos homens, ordenada em liberdade, não pode ser absoluta – pensar assim foi justamente o erro do marxismo e das teologias políticas. Mas também no domínio da política, o relativismo total não é solução: existe a injustiça, que nunca pode ser justiça (p. ex., matar inocentes, negar a indivíduos ou grupos o direito à sua dignidade humana e a condições de vida condizentes); e existe justiça que nunca pode ser tornada injustiça.274

Há que descobrir, por isso, quais os valores partilhados por todos, independentemente da raça, do credo ou da cultura275. Esses valores, universalmente consentidos, são, indiscutivelmente, os consagrados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Aliás, o termo universal não nos parece, de todo, inofensivo. Ele aponta para a inclusão de todo o ser humano, quem quer que seja, onde quer que viva. A Declaração Universal dos Direitos Humanos surge, nos dias de hoje, como um verdadeiro fio condutor no que diz respeito aos valores que queremos promover. Não é por acaso, aliás, que esse documento já sofreu alterações, desde a sua proclamação, em meados do século passado. Trata-se de um texto de carácter dinâmico, que tende a acompanhar o ritmo da história, adaptando-se a novos problemas sociais, políticos, económicos e até ecológicos que vão surgindo no decurso da evolução das sociedades276.

274 Ratzinger, Joseph (2006): Fé, Verdade e Tolerância. Lisboa: Universidade Católica Editora, 107. 275 Cortina, Adela (2002): Ética Civil y Religión. Madrid: PPC Editorial, 13.

276

Fala-se em três gerações na interpretação dos Direitos Humanos: A primeira geração corresponde aos direitos civis e políticos, como as liberdades individuais, o direito à vida, à segurança, à igualdade de tratamento perante à lei, e ao direito de propriedade e de se deslocar. A segunda geração tem a ver com os direitos económicos e sociais, como o direito à saúde, à educação, à habitação, ao trabalho, ao lazer e aos

111 Os direitos humanos não se devem, porém, à acção de vontades políticas, mas à necessidade de estabelecer prerrogativas inerentes à dignidade da espécie humana e é por isso que são consensuais:

Os direitos pessoais, civis, políticos, económicos, sociais e culturais, bem como as liberdades fundamentais, que se encontram, hoje, consignados nas Constituições da maior parte dos Estados, que formam a Comunidade Mundial, e em diversas cartas, convenções, declarações, pactos e protocolos internacionais, reflectem as vicissitudes das contingências da evolução histórica da humanidade e consubstanciam o resultado da luta do homem pela dignidade, pela liberdade e pela igualdade de todos os seres humanos independentemente da raça, da cor e da religião de cada um. Fundamentam-se nas teorias do jusnaturalismo e do transnacionalismo, mas também nas teorias de instituição, do Estado de Direito e do Estado do bem-estar social. E assentam nos princípios da dignidade, da liberdade, da igualdade, da solidariedade e responsabilidade, de autoridade e da universalidade.277

Todavia, não devemos esquecer que os Direitos Humanos e os valores que a Declaração consagra se referem à justiça como referencial último, ou seja, ao que é moralmente exigível aos seres humanos na sua relação uns com os outros. Adela Cortina propõe a partir daqui a distinção entre uma ética de mínimos e uma ética de máximos ou da felicidade278. Escreve a autora:

Tiene pleno sentido que una sociedad democrática y pluralista no desee inculcar a sus jóvenes una imagen de hombre admitida como ideal solo por alguno de los grupos que la componen, pero tampoco renuncie a transmitirles actitudes sin las que es imposible la convivencia democrática. Sin embargo, la solución no consiste en cambiar el rótulo de «moral» por el de «ética» en la asignatura correspondiente, sino en explicitar los mínimos morales que una sociedad democrática debe transmitir, porque hemos aprendido al hilo de la historia que son principios, valores, actitudes y hábitos a los que no podemos renunciar sin renunciar a la vez a la propia humanidad. Si una moral semejante no puede responder a todas las aspiraciones que compondrían una «moral de máximos», sino que ha de conformarse con ser una «moral de mínimos» compartidos, es en definitiva el precio que ha de pagar por pretender ser transmitida a todos.279

direitos dos trabalhadores. A terceira geração é a dos chamados direitos dos povos, que dizem respeito aos direitos básicos dos povos, tais como o direito ao desenvolvimento, à paz, e à participação no património comum da humanidade. – Genevois, Margarida (s.d): “Direitos Humanos na História”. Direitos Humanos na Internet. Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/margarid.htm (consultado em 10 de Agosto de 2010.

277

Fernandes, António José (2004): Direitos Humanos e Cidadania Europeia. Coimbra: Livraria Almedina, 9.

278 Cortina, Adela (2002): Ética Civil y Religión. Madrid: PPC Editorial, 65. 279 Cortina, Adela (2009): Ética Mínima. Madrid: Editorial Tecnos, 38,39

112 Assim, a ética de mínimos apresenta valores morais mais abrangentes e, portanto, dignos de serem subscritos por todos280, enquanto a ética de máximos, para além desses, se confronta com a coerência entre eles e a espiritualidade:

Questões morais são essencialmente sobre o respeito, a liberdade e o bem-estar do outro. E sobre estas há, de facto, uma forte consciência na Europa. No entanto, existem outras questões, tradicionalmente ligadas à grande religião, para as quais não temos resposta. Quatro exemplos: “Para que serve envelhecer?”, “como educar os nossos filhos?”, “como pensar o luto pela pessoa amada?”, finalmente a questão da banalidade da vida quotidiana como a descreveu Heidegger em “Ser e Tempo”.281

A ética da felicidade responderá, por certo, a este tipo de questões espirituais, pois oferece ideais de vida e apresenta modelos de conduta. Porém, é difícil, de acordo com Adela Cortina, que se torne objecto da educação institucional, dado que o caminho para a felicidade é variável de acordo com os diferentes indivíduos ou grupos a que pertencem.

À escola, pois é dela, sobretudo, que falamos quando aludimos à educação institucional, cabe ensinar, simultaneamente, a diversidade da espécie humana e criar a consciência de que há semelhanças e que é necessária a interdependência entre todos os seres humanos282:

Aqueles que vêem a diversidade das culturas tendem a minimizar ou a ocultar a unidade humana, aqueles que vêem a unidade humana tendem a considerar como secundária a diversidade das culturas. Pelo contrário, é pertinente conceber uma unidade que assegure e favoreça a diversidade, uma diversidade que se inscreva numa unidade.283

Sabemos, contudo, que educar é um processo que ultrapassa as paredes de uma sala de aula. Aliás, a primeira instituição educativa é, em nosso entender, e como já tivemos oportunidade de dizer, a família. Há, nos dias de hoje, a tendência para se acreditar que a escola pode e deve substituir a família na educação de uma criança. Nada poderia, do nosso ponto de vista, ser mais errado. Família e escola deveriam actuar de forma colaborativa, em vez de mostrarem ressentimentos e desconfianças mútuas284. A família é a base da educação e o sucesso do futuro cidadão será tanto mais efectivo,

280

Camps, Victoria (2010): El Declive de la Ciudadanía. Madrid: PPC Editorial, 13.

281 Ferry, Luc (2001): “Perdida a religião, mantemos valores superiores à vida”. In Público (15 Março),

44.

282 Delors, Jacques (1996): Educación. Hay un tesoro escondido. Madrid: Santillana, 82. 283

Morin, Edgar (2002): Os Sete Saberes para a Educação do Futuro. Lisboa: Instituto Piaget, 61.

284

113 quanto melhor for desempenhada, pelo grupo familiar, a competência educativa. Como já vimos, a escola só poderá trabalhar no âmbito de uma ética de justiça, dada a pluralidade de indivíduos que a frequentam, ao passo que a família poderá actuar num conjunto de valores, que vão ao encontro das suas especificidades e convicções. No fundo, é à família que cabe, não só a educação para o respeito e para a tolerância, mas também a educação espiritual dos seus jovens, seja ela de carácter religioso ou não. Além do mais, a eficácia das acções educativas, por parte dos familiares, será muito superior, uma vez que o número de educandos é diminuto, se comparado com o número de alunos numa sala de aula, e o factor afectivo é, todos sabemos, basilar285.

Aceitamos que a escola e a família são primordiais na educação. Não podemos, contudo, esquecer que o meio envolvente desempenha um papel, igualmente, importante neste âmbito. Aliás, talvez seja, até, o factor mais relevante no que toca à educação dos indivíduos pois, como se torna evidente, tanto a escola como a família estão mergulhadas num universo mais vasto, que acaba por determinar a forma como ambas agem. Na verdade, e sobretudo, a partir do século das luzes, as sociedades sofreram enormes alterações que, inevitavelmente, tiveram repercussões na vida das pessoas e, consequentemente, na sua educação. Não podemos negar que a estrutura familiar se alterou consideravelmente, não devemos desvalorizar o facto de que se deu a secularização do mundo e o descrédito das crenças religiosas, aliado à supervalorização dos conhecimentos científicos e do uso da razão. A era da posmodernidade foi ainda mais longe, ao perder a confiança na razão, nos princípios ideais e nos valores absolutos. É a época do relativismo, em que o reino do dever ser, deu lugar ao primado do reino do ser, com todas as suas contingências286.

Há, aliás, quem creia que foi justamente a mundivisão posmodernista que esteve na origem da chamada crise da educação. Falamos de crise, ao percebermos que, cada vez mais, a educação tem sofrido inúmeros fracassos. Basta pensar no abandono e no insucesso escolar, na indisciplina dentro da sala de aulas, no desrespeito pelos professores e pelos mais velhos, de uma maneira geral, no mal-estar generalizado ao nível das escolas287. Mas, e uma vez mais, considerando a educação no seu sentido lato, basta ligar o televisor para perceber que, mesmo os valores preconizados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem continuam a ser alvo de permanentes

285

Cabanas, José Maria Quintana (2004): La Educación está enferma. Valencia: Nau Libres, 78.

286 Idem, Ibidem, 75.

287 Lipovetsky, Gilles e Serroy, Jean (2010): A Cultura-Mundo Resposta a uma Sociedade Desorientada.

114 violações, verificando-se que o conceito de um ideal comum está muito longe de ser atingido.

A posmodernidade, apadrinhando a cultura da realização imediata dos desejos, traz uma nova noção para a educação: a de que educar será “assegurar imediatamente e sem obstáculos a felicidade ao pequeno ser”288

. Ora, isto conduz inevitavelmente ao egoísmo e ao hedonismo, fazendo, mesmo, perigar os verdadeiros objectivos da educação, que passam pela construção de um mundo justo e fraterno para uma nova humanidade289. Por isso, cada vez mais, educar é urgente. Educar é preciso.

Como vimos anteriormente, as sociedades actuais tendem a viver de forma descomprometida e liberta de valores considerados opressores, entre os quais os religiosos. Não queremos com isto dizer que o mundo pós-moderno viva na ausência de uma ética. Apenas percebemos que o conceito é cada vez mais discutível. Se preferirmos a teoria de Habermas, trata-se de uma ética discursiva, que pode ser descrita em poucas palavras, como “a construção de “um ponto de vista moral” donde seja possível fazer um juízo ético realmente imparcial e universal”290

.

Na verdade, como já vimos, as sociedades sofreram enormes alterações, às quais não foram alheios factores como o iluminismo (ainda no século XVIII) ou o sistema capitalista fortemente implementado ao longo do século XX, já para não falar das duas guerras mundiais que destroçaram a humanidade. Quer as revoluções de carácter cultural, quer as de carácter político ou económico acabam sempre por deixar marcas indeléveis.

Após acontecimentos tão marcantes, a existência em sociedade foi repensada: a qualidade de vida das pessoas foi-se enriquecendo de forma considerável e vertiginosa;