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Índios paramentados acentuam (sic) “o caráter ‘exótico’ dessas pessoas”?!!

No documento Com a palavra, o autor (páginas 112-115)

O que diz o Relatório de Reprovação:

5. Manual do professor / proposta pedagógica / linguagem

5.8. Nas fotos de índios, eles aparecem paramentados de penas para as

festas, acentuando o caráter “exótico” dessas pessoas.69

Os avaliadores do PNLD 2010 não têm noção do trabalho com resistência e afirmação cultural de grupos étnicos minoritários! Este é um caso exemplar de imperícia (ERRO TIPO 2). O texto do Relatório de Reprovação encerra um erro tão grosseiro que mereceria ser colocado no anedotário de erros de avaliação. Só não vai porque não é divertido, muito pelo contrário. É intolerável, triste e muito preocupante. Não há qualquer possibilidade de desculpa ou explicação possível para atenuar a postura dos avaliadores do PNLD 2010 ao se referirem às populações indígenas como pessoas com um (sic) “caráter exótico”. Isso

é uma afronta aos povos indígenas brasileiros, à Constituição Federal, à legislação, à ética, enfim, a todos os valores de uma sociedade democrática e plural. Os avaliadores do PNLD 2010 desconsideraram frontalmente os critérios de avaliação estabelecidos pelo Edital do PNLD 2010 e todas as diretrizes do MEC sobre o assunto (ERRO TIPO 3).

Os avaliadores desconhecem ou desconsideram que as lideranças indígenas e de outras minorias brasileiras promovem o uso de elementos característicos de suas culturas como importante instrumento de afirmação étnica, cultural e religiosa. Isso é gravíssimo! As roupas, paramentos e adornos de diferentes grupos étnicos e culturas devem ser sempre valorizados por questão de direito e respeito. Em particular no livro didático.

Uma boa maneira de ilustrar esta questão é observar o cartaz que promove o 1º Encon- tro Nacional de Culturas Jê, no qual todas as fotografias mostram pessoas paramentadas e objetos tradicionais (Figura 3.13)70.

Os avaliadores nem se deram ao trabalho de analisar direito as fotografias presentes na Coleção Caminhos da Ciência. A fotografia mostrada na página 142 do livro do 3º ano foi feita nos corredores do Congresso Nacional, onde o Caiapó fotografado estava, orgu- lhosamente paramentado, lutando pelos direitos dos povos indígenas brasileiros! Ele não estava paramentado (sic) “de penas para as festas”!

O despreparo dos avaliadores do PNLD 2010 para avaliar questões de cidadania me- rece reflexão mais detalhada para revelar a profundidade dos seus preconceitos. A con- denação ao livro é justificada por eles porque nas fotografias os índios (sic) “aparecem paramentados de penas para as festas, acentuando o ‘caráter exótico’ dessas

pessoas”. A redação dos avaliadores do PNLD 2010 não deixa dúvidas, eles consideram

69   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD

2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 8. [grifos nossos]. 70   Disponível em: <http://encontroje.blogspot.com> (acesso: maio/2009).

os índios “pessoas exóticas”. Tratar as etnias ameríndias (ou qualquer outra) como “pessoas exóticas” tem forte conotação racista. O viés racista e preconceituoso é reforçado quando os avaliadores do PNLD 2010 afirmam que os paramentos tradicionais dessas culturas acentuam seu “caráter ‘exótico’”.

A conclusão inexorável é que os avaliadores do PNLD 2010 julgam que é mais apro- priado que os Caiapó, os Ianomâmi e os demais povos indígenas brasileiros só apare- çam nos livros didáticos trajando roupas características da sociedade majoritária, para não acentuar seu “caráter ‘exótico’”. Ora, isso significa que os avaliadores do PNLD 2010

exigem que as etnias indígenas devem esconder seus traços culturais. Para eles, não existiria o problema se o Caiapó e o Ianomâmi fotografados estivessem trajando terno e gravata. Esta é uma abordagem “assimilacionista”, condenada por lideranças indígenas e antropó- logos e incompatível com os valores consolidados na Constituição Federal. O texto dos avaliadores do PNLD 2010 tem um forte ranço (em todas as acepções do termo) do racis- mo dissimulado que ainda permeia em parte da sociedade “branca e europeia” brasileira, com sua triste história genocida e escravocrata.

Os avaliadores do PNLD 2010 desprezaram as recomendações dos PCN – Ética e Cidadania e referências importantes para este assunto como a obra organizada por SILVA e GRUPIONI, “A temática indígena na escola – novos subsídios para professores de 1º e 2º graus”71.

Em contraste ao despreparo (será racismo latente?) dos avaliadores do PNLD 2010 há a experiência dos autores sobre a questão. Aloma F. Carvalho é pedagoga e ministrou cursos de formação de professores indígenas de aldeia realizados junto a comunidades do esta- do de Rondônia, participou dos movimentos educacionais que resultaram no documento “Referencial de Educação Indígena” publicado pelo MEC no final da década de 1990 e ela- borou materiais didáticos para escolas indígenas do Maranhão, do Tocantins e do Parque Indígena do Xingu. Em todas essas oportunidades, pôde constatar a justa reivindicação dos povos indígenas de valorização de sua cultura e das suas formas de expressão.

O outro autor, Francisco A. de Arruda Sampaio, foi fundador do Instituto de An- tropologia e Meio Ambiente – IAMÁ72 e desenvolveu trabalho sobre o assunto, em

particular com as comunidades indígenas de Rondônia. Foi coordenador de projeto socioambiental que, entre outras ações, promoveu o 1º Encontro das Nações Indígenas de Rondônia. Também deu palestras de capacitação para professores de aldeia em Mato Grosso do Sul. Nesses encontros, os professores indígenas foram unânimes em destacar a importância da valorização das culturas indígenas nos livros didáticos para a autoes- tima dos seus alunos.

71   SILVA, A. L.; GRUPIONI, L. D. B. (Org.). A temática indígena na escola – novos subsídios para professores de 1º e

2º graus. Brasília: MEC/MARI/UNESCO, 1995.

72   GRUPIONI (1995) listou o IAMÁ entre as entidades de apoio aos índios que podem oferecer informações per- tinentes sobre a questão indígena (GRUPIONI, L. D. B. Livros didáticos e fontes de informação sobre as sociedades  indígenas no Brasil. In: SILVA, A. L.; GRUPIONI, L. D. B. (Org.), opus cit., p. 521.

O caro leitor já deve ter concluído que a acusação de que a Coleção Caminhos da Ciên- cia apresenta os indígenas como “exóticos” não é verdadeira. São os avaliadores do PNLD 2010 que enxergam os povos indígenas como tal.

Mais uma vez somos obrigados a destacar que o trecho do livro onde aparecem as fotos condenadas é o mesmo desde a primeira edição da Coleção Caminhos da Ciência. A Co- leção foi avaliada nos PNLD 2001, 2004 e 2007. Nessas três oportunidades os avaliadores julgaram que o tratamento dado à questão da pluralidade cultural é adequado e promove a construção da cidadania, um dos motivos pelos quais a obra foi aprovada e recebeu a clas- sificação de “recomendada com distinção” em todas as oportunidades nas quais a avaliação atribuiu classificação às obras aprovadas.

Novamente devemos manifestar a nossa surpresa com as assinaturas dos professores Studart e Pavão no Relatório de Reprovação. Para nós é triste verificar que dois acadê- micos, responsáveis por zelar pela qualidade do livro didático utilizado nas escolas públi- cas brasileiras, assinaram um relatório no qual classificam as populações indígenas como “exóticas” e censuram a presença de fotografias em que indígenas aparecem nos seus

trajes tradicionais. Se nos contassem, não teríamos acreditado. A assinatura do Professor Pavão é a que nos causou maior espanto. Afinal, ele participou das avaliações anteriores que tão bem qualificaram nossos livros com “fotos de índios” nas quais “eles apare­

cem paramentados de penas”.

É com certo alívio que informamos ao nosso prezado leitor que outras coleções apro- vadas no PNLD 2010 também apresentam indígenas que “aparecem paramentados de

penas” em suas fotografias e/ou ilustrações. Este fato indica que o problema é pontual,

exclusivo da avaliação da Coleção Caminhos da Ciência, e que outros avaliadores que participaram da avaliação do PNLD 2010 julgaram com maior competência e de acordo com os critérios estabelecidos pelo Edital do PNLD 2010. Simultaneamente, a presença de fotografias e ilustrações de indígenas “paramentados de penas” em outras coleções

também é prova de afronta ao princípio da isonomia (ERRO TIPO 6).

Diante de mais este caso de flagrante dualidade nos critérios de avaliação, não pode- ríamos deixar de comentar que, quanto mais nos aprofundamos na análise do Relatório de Reprovação, mais nos convencemos de que a nossa obra estava condenada à exclusão antes mesmo de sua inscrição no PNLD 2010. As evidências são cada vez maiores e mais gritantes, não é mesmo, caro leitor?

Predominância de separação étnica

No documento Com a palavra, o autor (páginas 112-115)

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