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Sangrar as picadas de cobras e tratá las com querosene, urina e fumo é correto?!

No documento Com a palavra, o autor (páginas 115-118)

O que diz o Relatório de Reprovação:

5. Manual do professor / proposta pedagógica / linguagem

5.8. [...] Coloca predominantemente os conhecimentos populares como atitudes a serem evitadas, como mitos. Vide tratamento de picadas de cobra, mistura de alimentos como manga e leite. Não foi possível identificar exemplos positivos. Um conhecimento popular muito próxi­ mo dos alunos é a confecção da alimentação. Existem várias formas de

preparar e conservar alimentos que envolvem processos físico ­químicos

e bioquímicos que não são levados em consideração para estudo ou para

mudança de hábitos alimentares das crianças. E’ um exemplo de como se

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perde a oportunidade de refletir sobre o cotidiano, fazendo emergir

o extraordinário daquilo que é ordinário.74

A afirmação de que os livros da Coleção Caminhos da Ciência não valorizam o conhe- cimento popular é uma inverdade. Só no livro do 2º ano, por exemplo, há pelo menos três situações nas quais se valoriza o conhecimento popular:

‹

‹ na página 82, na qual se mostra um vaqueiro do Piauí com sua roupa de couro para se

proteger dos espinhos de plantas da caatinga;

‹

‹ na página 112, na qual se mostra a tecnologia de artesãos do Raso da Catarina (Bahia) no uso da fibra do caroá na confecção de cestas, sacolas e redes; e

‹

‹ na página 153, na qual se mostra um observatório astronômico construído pelo antigo povo Maia.

No livro do 3º ano, também se valoriza o conhecimento popular, em particular no capítulo 17 (Visões de mundo), no qual se comparam as explicações para o surgimento do mundo de acordo com os antigos semitas (tradição judaico -cristã), os Ianomâmi e os Caiapó. Caso os avaliadores do PNLD 2010 tivessem lido o capítulo, notariam que ele trata justamente sobre as limitações do conhecimento científico e a importância de outras formas de conhecimento na formação de valores e princípios culturais! Ainda neste livro, merece destaque a leitura de trechos do discurso do Chefe Seattle no qual se contrapõe a visão conservacionista do chefe indígena à visão predatória dos “brancos”.

No livro do 4º ano, a mesma postura de respeito e valorização do conhecimento popu- lar se mantém, como no caso do uso de materiais por diferentes culturas (página 32) e no texto que destaca o grande conhecimento que as culturas indígenas têm sobre os animais e plantas do ambiente em que vivem (página 77).

No livro do 5º ano, não há situações de contraposição entre o conhecimento popular e o conhecimento científico, mas é importante destacar que na introdução deste volu- me há uma discussão sobre “ciência e sociedade” na qual se aborda a Revolta da Vacina (pp. 8 -9) e destaca -se a importância de respeitar a população e a necessidade de governo e cientistas informarem a população sobre as medidas de prevenção de doenças em vez de tentar impor soluções à força. Estes fatos são mais do que suficientes para comprovar que a acusação dos avaliadores do PNLD 2010 a respeito do tratamento do conhecimento tra- dicional é falsa (ERRO TIPO 1) e, simultaneamente, corroborar o parecer dos avaliadores dos PNLD 2007, 2004 e 2001 ao aprovarem a Coleção e a reincidência dos avaliadores do PNLD 2010 no ERRO TIPO 4.

A condenação das recomendações da Coleção Caminhos para os casos de acidentes ofídicos merece um comentário especial. As ilustrações e o texto condenados pelos avalia- dores do PNLD 2010 foram retirados de um folheto do Instituto Butantan (como atesta

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o crédito ao lado do texto e das ilustrações) destinado a orientar a população no caso de acidentes ofídicos75! Isso pode ser facilmente comprovado nas próprias páginas 105, 106 e

107 do livro do 4º ano (Figuras 3.14, 3.15 e 3.16).

Caro leitor, repare o absurdo do parecer dos avaliadores do PNLD 2010. O texto con- denado apenas informa que, em casos de acidentes com picadas de cobras:

‹

‹ desespero, nervosismo e pânico não ajudam, só atrapalham;

‹

‹ a pessoa picada deve permanecer o mais quieta possível, sem andar e, muito menos,

correr;

‹

‹ não se deve amarrar a perna ou o braço picado (isto é, não fazer torniquete); ‹

‹ não se deve fazer cortes nem sangrar o local da picada; e ‹

‹ não se deve usar remédios caseiros, querosene, álcool, fumo, urina etc. porque eles só

vão piorar as coisas.

Os avaliadores do PNLD 2010 demonstram desconhecer que os tratamentos e remé- dios caseiros colocam em risco a integridade física e até mesmo a vida das vítimas de picada de cobras, prova cabal de sua imperícia (ERRO TIPO 2). Técnicos e especialistas con- tratados pelo MEC enfatizaram, em diversos encontros com autores de livros didáticos, a importância de se incluir nos livros didáticos de Ciências os procedimentos propostos pelo Instituto Butantan no que se refere a acidentes ofídicos (em alguns editais chegaram a exigir explicitamente a obrigatoriedade de conformidade do livro didático de Ciências com as recomendações do Instituto Butantan para acidentes ofídicos).

O leitor merece ser informado que o mesmo texto e as mesmas ilustrações foram utili- zados nas edições anteriores da Coleção e foram considerados adequados pelos avaliadores dos PNLD 2001, 2004 e 2007. Ou seja, o parecer dos avaliadores do PNLD 2010 está equivocado e, novamente, diverge dos avaliadores dos PNLD anteriores (ERRO TIPO 4).

O livro trata de modo adequado o conhecimento tradicional, valorizando -o como fon- te de valores e princípios ou como tecnologias apropriadas ao meio. Ao mesmo tempo, e também de modo adequado, oferece informações científicas para desmistificar crendices que podem levar a comportamentos injustificáveis (por exemplo, não misturar manga com leite) ou afetar a saúde (tratamento errado em caso de acidentes ofídicos). Ao contrá- rio do que afirmam os avaliadores do PNLD 2010, é precisamente isso que se espera dos livros didáticos de Ciência.

O caro leitor provavelmente concordará conosco que este item do Relatório de Repro- vação contém erros tão grosseiros que também merece um lugar no já extenso anedotário da avaliação do PNLD 2010.

75   Para verificar o texto e as imagens presentes nos folhetos do Instituto Butantan, basta consultar o site do próprio  Instituto. Disponível em: <www.butantan.gov.br/info_uteis.htm> (acesso: maio/2009).

Abordagem considera apenas os alunos de meio urbano

No documento Com a palavra, o autor (páginas 115-118)

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