• Nenhum resultado encontrado

Uso do termo “calor”

No documento Com a palavra, o autor (páginas 107-110)

O que diz o Relatório de Reprovação:

4. Características de experimentos e atividades de pesquisa

[...] Além disso apresenta alguns erros conceituais. Por exemplo, no

livro do 3o ano, p. 89, a proposta do experimento reforça a concepção

incorreta de que calor e temperatura são a mesma coisa. Isso ocorre, por exemplo, quando se pede, em “Como fazer” ao aluno que sinta o calor dos objetos e responda se todos estão com a mesma temperatura, ou ainda, quando pede que o aluno indique o calor que sentiu ao tocar

os objetos _ no caso, se frio, morno, quente ou muito quente.62

62   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD

Sob o título “características de experimentos e atividades de pesquisa”, os

avaliadores do PNLD 2010 não indicaram os experimentos ou as atividades de pesquisa que consideraram inadequados. Ao invés disso, dedicaram-se a condenar o uso do termo “calor” em uma instrução que solicita ao aluno “sentir o calor” de alguns objetos porque, de acordo com os avaliadores do PNLD 2010, isto (sic) “reforça a concepção incor­

reta de que calor e temperatura são a mesma coisa”.

A experiência e o texto em questão são os mesmos desde a primeira edição da obra e os avaliadores dos PNLD 2007, 2004 e 2001, não os apontaram como equivocados ou indutores a construção de concepção incorreta. Não o fizeram porque o termo é usado de modo correto e adequado, como demonstraremos a seguir.

Segundo o Dicionário Houaiss de Física, o termo “calor” pode ter duas acepções, a saber:

CALOR: 1 – Qualidade, estado ou condição do que é quente ou está aquecido; tempera- tura (relativamente) alta. 2 – FIS. TERM. forma de energia que se transfere de um sis- tema para outro graças à diferença de temperatura entre eles. É uma forma de energia em geral associada ao movimento (à energia cinética) dos constituintes de um sistema físico, passando de um sistema a outro, p. ex., por radiação eletromagnética, condução (colisões entre moléculas com transferência de energia) e convecção. Cf TERMODINÂMICA.63

O termo “calor” é utilizado no nosso livro condenado com o significado da primeira acepção do verbete. Esta acepção é adequada tanto para situações cotidianas como tam- bém para textos científicos fora do âmbito da Física.

A dualidade ou até a multiplicidade de significados (acepções) de um mesmo termo é uma realidade com a qual o aluno vai conviver por toda sua vida, inclusive ao estudar Ciências. O caso mais típico é o do termo “dia”. Por vezes “dia” é usado com o significado de uma unidade do calendário, outras vezes como uma unidade de tempo equivalente a 24 horas, ou ainda, o período iluminado de um dia do calendário… A tarefa do educador é ajudar os seus alunos a discernirem qual o significado do termo em função do contexto em que ele é usado.

Assim como não há problema algum no uso da palavra “vida” por físicos e astrônomos com acepções muito diferentes da acepção dessa palavra para a Biologia. Embora a Bio- logia seja a “ciência da vida” ela não é “dona” do termo. O mesmo vale para “calor” que não é “propriedade exclusiva” da Física, como reconhece o próprio Dicionário Houaiss de Física. As tentativas de impor a um termo apenas um significado é desnecessária, incorreta e impraticável. Os esforços nesse sentido podem ser resultado de uma certa ingenuidade, de um recalque ou de pura prepotência. A verdade é que a terminologia de uma disciplina científica não tem prioridade sobre a terminologia de outra disciplina.

O que constitui erro conceitual é usar um termo com significado incompatível com o contexto. Por exemplo, usar o termo “vida” em textos do domínio da Biologia com acep-

ções distintas daquela aceita nesse campo do conhecimento é inadmissível. O mesmo vale para o termo “calor” em textos do domínio da Física, nos quais o uso do termo na primeira acepção descrita no Dicionário Houaiss de Física caracteriza sim um erro conceitual. Em outros campos do conhecimento, como Fisiologia Humana, o mesmo não se aplica. O uso do termo “calor” em sua acepção mais coloquial é, fora da Física, plenamente admissível e, na realidade, comum até nos textos acadêmicos.

Logo, antes de condenar o livro pelo uso do termo “calor” na sua acepção mais colo- quial, é necessário estabelecer o contexto em que ele foi usado. Na experiência condenada pelos avaliadores do PNLD 2010 solicita -se aos alunos que utilizem o sentido do tato, portanto, o termo foi usado no contexto da Fisiologia Humana. Vejamos o que diz SIL- VEIRA (2009):

Classificação biofísica

O sistema sensorial pode ser dividido de acordo com o princípio físico -químico subjacen- te à transformação de energia que ocorre nos seus receptores sensoriais em: […]

iii) Sistemas sensoriais termorreceptivos, cujos receptores são particularmente sensíveis à variação de temperatura ambiente e fazem parte do sistema sensorial somático (detecção de frio e calor).64

O mesmo uso do termo é dado por GASPAROTO (2009): Recepção e codificação das sensibilidades pressórica e táctil […]

2 – Terminações nervosas livres: são terminações nervosas ramificadas, morfologicamente indiferenciadas daquelas sensíveis aos estímulos térmicos ou químicos e que geram sensa- ções de calor, frio ou dor.65

Recepção e codificação da sensibilidade térmica

Os termorreceptores são responsáveis pela detecção da temperatura e de suas variações. … Esses receptores são especialmente sensíveis às perdas de temperatura e, assim, são chamados de receptores para o frio. … Outros termorreceptores são sensíveis às elevações de temperatura, com uma sensibilidade máxima por temperaturas estáveis entre 40 ºC e 45 ºC. São os chamados receptores de calor, distribuídos de forma semelhante aos re- ceptores de frio […].66

O texto do livro pede para o aluno sentir o “calor”. Ou seja, o termo foi utilizado no contexto da Fisiologia Humana e não no contexto do estudo da Física. Repare, caro leitor, que o termo “calor” foi usado com a mesma acepção encontrada em textos acadêmicos de Fisiologia Humana, comprovando que o nosso livro atende plenamente a exigência de cor- reção conceitual estabelecida pelo Edital do PNLD 2010. Logo, a crítica dos avaliadores

64   SILVEIRA, L. C. Base da fisiologia sensorial. In: CURI, R.; ARAUJO FILHO, J. P. (Org). Fisiologia Básica. 1. ed. Rio de  Janeiro: Guanabara Koogan, 2009, cap. 11, p. 183. 

65   GASPAROTO, O. C. Somestasia e dor. In: CURI, R.; ARAUJO FILHO, J. P. (Org). Fisiologia Básica. 1. ed. Rio de Janei- ro: Guanabara Koogan, 2009, cap. 12, p. 209.

do PNLD 2010 de que o termo foi utilizado com uma acepção que não conforma com o seu significado na Física Térmica é, portanto, irrelevante e não justifica a reprovação da Coleção.

Os avaliadores do PNLD 2010 condenaram o texto por exigirem que o livro use o termo como definido na sua acepção na Física Térmica, o que equivale à reprovação de um texto de Astronomia por se referir à “evolução das estrelas”67 ou ao “ciclo de vida das

estrelas” ou ao “nascimento” ou a “morte” da estrela sob o argumento de os termos “evolu- ção”, “nascer”, “morrer” e “vida” serem termos da Biologia e devem ser usados apenas com as acepções aceitas nessa área do conhecimento, o que seria ridículo, para dizer o mínimo.

A interpretação dos avaliadores do PNLD 2010 é, portanto, uma novidade que carac- teriza um novo critério de avaliação da terminologia dos livros didáticos que não consta do Edital do PNLD 2010 e excesso de rigor (ERRO TIPO 5).

Poucas referências a relações de respeito e cooperação

No documento Com a palavra, o autor (páginas 107-110)

Outline

Documentos relacionados