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Exemplos de reações químicas do cotidiano são complexos demais! O que diz o Relatório de Reprovação:

No documento Com a palavra, o autor (páginas 96-101)

2. Conteúdo indutor de aprendizagem equivocada

2.2. No livro do 4o ano na p. 55, exemplifica ­se transformação química

com o azedamento do leite. Apesar de haver uma mudança da aparência com a coagulação da caseína, podemos dizer que não houve formação de no­ vas substâncias: a caseína, a albumina, a lactose, a gordura, a água, os íons e as vitaminas continuam lá. Houve rompimento de pontes de hidrogênio, de repulsão elétrica entre micelas etc., mas só alterou a aparência e não quimicamente as substâncias. Também no exemplo da queima de gás, a criança visualmente imagina que o gás butano está re­ agindo com o fogo e não com o oxigênio para formar novas substâncias.

Louva ­se a iniciativa de buscar exemplos do dia ­a ­dia, mas eles pre­

cisam ser mais bem trabalhados. Apesar de mais próximos dos alunos, são mais complexos que os de laboratório, nos quais controlamos melhor

as variáveis.44

O trecho do nosso livro considerado (sic) “conteúdo indutor de aprendizagem

equivocada” é uma lista de reações químicas que fazem parte do cotidiano das pessoas

de uma forma geral e, sobretudo, dos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Segundo os avaliadores, o primeiro suposto erro que encontraram na página 55 do livro do 4º ano da Coleção Caminhos (Figura 3.5) foi o de citar a fermentação do leite como exemplo de reação química. Vejamos, o nosso texto afirma:

Quando o leite azeda, ele muda de gosto, de cheiro e o soro parece se separar do resto da mistura (o leite também é uma mistura). Leite azedo é muito diferente do leite novo, não é?

Segundo os avaliadores do PNLD 2010, o exemplo é indutor de aprendizagem errada porque (sic):

Apesar de haver uma mudança da aparência com a coagulação da caseína, podemos dizer que não houve formação de novas substâncias: a caseína, a albumina, a lactose, a gordura, a água, os íons e as vitaminas continuam lá. Houve rompimento de pontes de hidrogênio, de repulsão elétrica entre micelas etc., mas só alterou a aparência e não quimicamente as

substâncias.45

Apenas para poupar nosso cansado leitor, podemos simplificar o argumento dos avalia- dores de que o azedamento do leite não é resultado de reações químicas porque, segundo

44   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD

2010 – Coleção Caminhos da Ciência. Brasília: Ministério da Educação, maio/2009, p. 4. [grifos nossos]. 45   Ibidem, p.4. [grifos nossos].

eles, não há formação de novas substâncias, mas, apenas, uma mudança da aparência do leite provocada pela coagulação da caseína. Será? Não é o que dizem os tratados de Bioquí- mica. Veja, caro leitor: para escrever um livro didático, um autor necessariamente precisa fazer pesquisa e se certificar sobre a origem das informações que coloca em seus livros, além de ter conhecimento didático e muita criatividade. Nós utilizamos uma ampla bi- bliografia e fizemos questão, inclusive, de compartilhá -la com os professores e até mesmo com os avaliadores apresentando -a no Manual do Professor. Acreditamos ser importante retormar alguns preceitos teóricos que poderão ser úteis em avaliações posteriores não ape- nas dos nossos livros, mas também de outros. Segundo NELSON e COX (2005):

Certain lactobacilii and streptococcii, for example, ferment lactose in milk to lactic acid. The dissociation of lactic acid to lactate and H+ in the fermentation mixture lowers the

pH, denaturing casein and other milk proteins and causing them to precipitate. Under the correct, controlled conditions, the resultant curdling produces cheese or yogurt, depen- ding on the microorganism.46

[Certos lactobacilos e estreptococos, por exemplo, fermentam a lactose do leite em ácido lático. A dissociação do ácido lático em lactato e H+ na mistura fermentada

abaixa o pH, desnaturando a caseína e outras proteínas fazendo com que se pre- cipitem.

Sob condições corretas e controladas, o coalho resultante produz queijo ou iogurte, dependendo do micro -organismo.]

O tratado de Bioquímica deixa claro que todas as afirmações dos avaliadores do PNLD 2010 estão erradas. O leite azeda pela fermentação da lactose. As moléculas de lactose são “quebradas” para dar origem a uma outra substância, o ácido lático. Consequentemente, SIM, podemos dizer que na fermentação do leite ocorre a formação de novas substâncias e o consumo de outras: com o tempo, aumenta a concentração de ácido lático, de lactato e de íons no leite enquanto diminui a concentração de lactose.

A mudança de aparência do leite é o resultado da coagulação da caseína, mas a sua desnaturação só acontece como decorrência do acúmulo de ácido lático produzido na fermentação da lactose. Ao contrário do que afirmaram os avaliadores do PNLD 2010, não é só a aparência do leite que muda, o leite azedo também muda de sabor e de cheiro. A própria expressão “leite azedo” indica que ele ficou… azedo! A mudança no cheiro e no sabor são indicadores do surgimento de novas substâncias, produtos de reações químicas, como destaca corretamente o nosso texto reprovado. Os avaliadores do PNLD 2010 erra- ram (ERRO TIPO 2). Erraram feio.

Pedimos desculpas ao leitor por nos alongar tanto na demonstração de um erro tão óbvio dos avaliadores. Isto talvez fosse desnecessário já que qualquer pessoa minimamente informada sabe: a) que o leite é fermentado por certas bactérias e fungos; b) que a fermen- tação do leite é o resultado de reações químicas mediadas por enzimas; e c) do papel da fer-

46   NELSON, D. L.; COX, M. M. Lehninger – Principles of Biochemestry. 4. ed. Nova York -EUA: W. H. Freeman, 2005,  p. 541. [tradução nossa]. O leitor pode conferir essa informação em qualquer livro didático de Biologia para o Ensino  Médio ou em outros tratados de Bioquímica, além do citado nesta nota.

mentação na produção de alimentos derivados do leite como iogurte, coalhada, queijos… Portanto, não é por acaso que a fermentação do leite é considerada um exemplo clássico de reação química e consagrada no ensino de Ciências por ser um fenômeno que faz parte do cotidiano dos alunos. Para verificar esta informação, basta consultar os livros -texto de química. RUSSELL, por exemplo, afirma:

Outros exemplos de transformações químicas são: a queima da madeira, a acidez do leite, a explosão de dinamite, o cozimento do pão e o processo que chamamos vida.47

Ao condenarem a fermentação do leite como exemplo de reação química, os avaliado- res do PNLD 2010 também afrontaram os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que estabelecem que os alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental devem ser informados sobre os cuidados na conservação dos alimentos e recomenda o trabalho com os processos associados à produção industrial e artesanal de alimentos48 (ERRO TIPO 3). Praticamente

todas as coleções de livros didáticos, inclusive aquelas destinadas aos anos iniciais do En- sino Fundamental e aprovadas no PNLD 2010, tratam da fermentação (ERRO TIPO 6). Apelamos para a paciência do leitor. Como o festival de equívocos dos avaliadores não se restringiu à fermentação, somos obrigados a continuar. O texto do Relatório de Repro- vação desaprovou também os demais exemplos de reações químicas do cotidiano, afirman- do que “também no exemplo da queima de gás,a criança visualmente imagina que o gás butano está reagindo com o fogo e não com o oxigênio para formar

novas substâncias”. Ora, voltamos a reiterar que a adequação dos exemplos do nosso

livro é atestada por RUSSELL (1994) no trecho reproduzido anteriormente. Não restam dúvidas de que são exemplos corretos factual e conceitualmente, amplamente difundidos nos textos acadêmicos. Os avaliadores do PNLD 2010, porém, insistem em denunciar a inadequação dos exemplos e, na falta de provas conceituais, apelam para o aspecto didático. Alegam que a menção à queima do gás de cozinha como exemplo de transformação quími- ca é equivocada porque (sic) “a criança visualmente imagina que o gás butano está

reagindo com o fogo e não com o oxigênio para formar novas substâncias”. Essa

afirmação não tem o menor sentido do ponto de vista didático e revela o desconhecimento dos avaliadores acerca de informações elementares sobre os processos de aprendizagem e as concepções didáticas mais atuais do ensino de Ciências (ERRO TIPO 2, novamente).

A explicação dada ao suposto equívoco do nosso exemplo revela que os avaliadores acreditam que as hipóteses espontâneas dos alunos impedem a aprendizagem de novos fatos, conceitos e explicações. Essa é a única interpretação possível para seus argumentos. Afinal, qual seria o problema do livro didático apresentar um fato (a queima do gás de cozinha é uma reação química) que contraria eventuais hipóteses dos alunos (como a hi- pótese imaginada pelos avaliadores de que a reação ocorreria com o próprio fogo49)? Não 47   RUSSELL, J. B. Química Geral. 2. ed. São Paulo: Makron Books, 1994. v. 1, p. 16.

48   Ver, por exemplo: PCN Ciências Naturais, p. 42 e 55, e PCN Meio Ambiente e Saúde, p. 77.

49   Cabe destacar que a reação do gás com o fogo foi, ao que tudo indica, “imaginada” pelos avaliadores do PNLD  2010. Eles não apresentaram qualquer comprovação de que essa seria uma hipótese esperada para um aluno do 4º ano  do Ensino Fundamental.

haveria problema algum, como atestam as teorias pedagógicas mais recentes e os documen- tos oficiais do próprio MEC.

No documento de Ciências dos PCN, por exemplo, é destacada a importância da pro- blematização nas orientações didáticas apresentadas para o ensino dessa área.

Os alunos desenvolvem fora da escola uma série de explicações acerca dos fenômenos naturais e dos produtos tecnológicos, que podem ter uma lógica interna diferente da lógica das Ciências Naturais, embora às vezes a ela se assemelhe. De alguma forma essas explicações satisfazem as curiosidades dos alunos e fornecem respostas às suas indagações. São elas o ponto de partida para o trabalho de construção da compreensão dos fenômenos naturais, que na escola se desenvolve.

É necessário que os modelos trazidos pelos alunos se mostrem insuficientes para explicar um dado fenômeno, para que eles sintam necessidade de buscar informações e reconstruí- -los ou ampliá -los. Em outras palavras, é preciso que os conteúdos a serem trabalhados se apresentem como um problema a ser resolvido.

O professor poderá promover a desestabilização dos conhecimentos prévios, criando situa- ções em que se estabeleçam os conflitos necessários para a aprendizagem — aquilo que estava suficientemente explicado não se mostra como tal na nova situação apresentada. Coloca -se, assim, um problema para os alunos, cuja solução passa por coletar novas in- formações, retomar seu modelo e verificar o limite dele.50

A explicação dada pelos avaliadores para a alegada inadequação do exemplo só com- prova, portanto, a qualidade da metodologia da Coleção Caminhos da Ciência, aprovada e elogiada em todas as avaliações das quais participou. Os argumentos dos avaliadores do PNLD 2010, na realidade, são testemunhos de sua imperícia para avaliar obras didáticas no contexto do PNLD. Afinal, ao que tudo indica, eles desconhecem até mesmo as reco- mendações dos documentos oficiais que fundamentam a avaliação.

Os avaliadores vão ainda mais longe e afirmam ironicamente:

Louva ­se a iniciativa de buscar exemplos do dia ­a ­dia, mas eles pre­

cisam ser mais bem trabalhados. Apesar de mais próximos dos alunos, são mais complexos que os de laboratório, nos quais controlamos melhor

as variáveis.51

Repare, caro leitor, como os avaliadores fazem críticas genéricas, sem substância. O que eles querem dizer com “precisam ser mais bem trabalhados”? Por acaso os avaliadores

do PNLD 2010 demonstraram que o conceito de reação química foi mal trabalhado? Não. Os avaliadores explicam o que querem dizer com “ser mais bem trabalhados”? Também

não! Críticas vagas, descontextualizadas e insubstanciadas como essa caracterizam o que de-

50   BRASIL.  SECRETARIA  DE  EDUCAÇÃO  FUNDAMENTAL.  Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências.  Brasília:  MEC/SEF, 1997, p. 117. [grifos nossos].

51   UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Relatório de Reprovação PNLD

nominamos ERRO TIPO 7. Lembre -se, impaciente leitor, que o conjunto ERRO TIPO 7 em nossa classificação abarca as críticas que, por serem genéricas e/ou infundadas, tornam impossível a reformulação da obra e, portanto, sua posterior inscrição nos PNLD seguintes.

Mesmo sendo tão vaga, é possível refutar a acusação. Entretanto, será necessário colocar a questão no seu devido contexto. A lista com os exemplos reprovados pelos avaliadores aparece na página 55 do livro do 4º ano da Coleção Caminhos (Figura 3.5). Portanto, ela é apresentada aos alunos após:

‹

‹ a leitura do texto introdutório da página 52;

‹

‹ a realização da experiência proposta na página 53; e ‹

‹ a discussão e sistematização dos resultados da experiência na página 54.

As páginas 52, 53 e 54 foram reproduzidas neste capítulo (Figuras 3.6, 3.7 e 3.8, res- pectivamente) para que o leitor possa analisá -las e verificar, por si mesmo, se de fato os comentários dos avaliadores são ou não falsos. O conceito de reação (transformação) quí- mica foi muito trabalhado nas páginas anteriores à lista de exemplos, inclusive por meio de experimentos “de laboratório, nos quais controlamos melhor as variáveis”.

Exatamente como os avaliadores afirmam que ele deve ser trabalhado. Ou seja, o fato ale- gado no Relatório de Reprovação é falso (ERRO TIPO 1).

O comentário de que os nossos exemplos “são mais complexos” é irrelevante e

impertinente. O livro não solicita ao aluno que reconheça ou descreva a complexidade da fermentação, o nosso livro apenas informa que o aluno consegue reconhecer algumas reações químicas cotidianas quando observa certas mudanças. No exemplo da fermen- tação do leite: a mudança no sabor, no cheiro e no aspecto. O reconhecimento de sinais de azedamento do leite não tem nada de complexo, muito pelo contrário, até mesmo crianças em idade pré -escolar reconhecem leite azedo.

Por último, informamos ao nosso leitor que o trecho do nosso livro condenado no Relatório de Reprovação é exatamente o mesmo desde a primeira edição da obra. Este texto foi aprovado pelas equipes de avaliação do PNLD 2001, 2004 e 2007 que não identificou neles qualquer erro ou inadequação. Os avaliadores do PNLD 2010 sequer justificaram sua divergência com as três equipes de avaliação que os precederam (ERRO TIPO 4).

A assinatura do Professor Doutor Antônio Carlos Pavão ao final do Relatório de Re- provação causa -nos pesar e estranheza. Justo o Professor Pavão! O incansável proselitista da importância dos museus de ciência para o ensino no Brasil. Justo o Professor Pavão, que em várias entrevistas recomenda veementemente a Revista Ciência Hoje das Crianças aos professores do Ensino Fundamental (recomendação com a qual comungamos pela qualidade dos artigos e das atividades propostas, inclusive sobre a fermentação do leite). Não é possível esquecer que o Professor Pavão participou das avaliações anteriores, que tão bem recomendaram a Coleção Caminhos da Ciência e cobriram de elogios os mes- mos conteúdos que a avaliação de 2010 agora reprova. A questão a ser esclarecida é se o Professor Pavão errou nos PNLD anteriores ou se ele errou agora. Existe alguma outra explicação?

Pequizeiro jovem não é pequizeiro?!

No documento Com a palavra, o autor (páginas 96-101)

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