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importância e problemas

No documento Com a palavra, o autor (páginas 43-47)

P

raticamente todos os livros, não importa o seu tema ou a sua natureza (literária, científica, jornalística etc.), possuem algum tipo de erro. A edição de um livro de- pende da intervenção de diversas pessoas que atuam com uma mesma meta (publicar o livro), mas com objetivos imediatos distintos (ter ideias, corrigir ideias, ilustrar o texto, vender etc.): autor, editor, preparador de texto, revisor, diagramador e técni- co da gráfica. Os erros podem acontecer em todas as etapas de edição: na escrita dos originais e, em particular, na preparação do original para edição e na etapa de revisão. Existem erros de- correntes do trabalho de diagramação e, inclusive, de impressão. Obras didáticas são particularmente suscetíveis a erros devido à grande quantidade de informação que apresentam, à variedade dessa informação e ao grande número de fotografias, ilustrações, tabelas e gráficos que utilizam. Para minimizar a ocorrência de erros, o processo de edição de livros didáticos passa por, pelo menos, três revisões visando à identificação e à correção de erros antes do “fechamento” dos arquivos digitais que serão utilizados para a impressão da obra.

Também contribui para a ocorrência de erros em livros didá- ticos o fato de estas obras abordarem conceitos básicos de gran-

des áreas do conhecimento. É difícil imaginar que um autor (ou um pequeno grupo de autores) tenha domínio teórico sobre todo o universo de assuntos abrangidos em uma co- leção didática. Esse quadro é particularmente complicado no caso dos livros de Ciências, História e Geografia, pois há a necessidade de lidar com conceitos complexos utilizando- -se uma linguagem simples. Por isso, é comum que autores e editoras enfrentem essas dificuldades recorrendo a especialistas que atuam como consultores e leitores críticos para revisão de aspectos didáticos e conceituais. Para nós, a experiência de escrever livros para os anos iniciais do Ensino Fundamental revelou -se um desafio intelectual bem mais difícil e exigente do que a escrita de teses de pós -graduação. Esta nossa opinião é compartilhada por todos os autores de livros didáticos oriundos dos meios acadêmicos com quem con- versamos, inclusive por aqueles que já atuaram como avaliadores.

O PNLD impõe dificuldades adicionais aos autores e às editoras de livros didáticos. Os editais preveem prazos muito curtos e podem conter exigências imprevistas. O Edital do PNLD 2010, por exemplo, trouxe várias inovações:

‹

‹ exigência de conformidade com o novo acordo ortográfico da Língua Portuguesa, mes- mo antes da consolidação da nova ortografia1;

‹

‹ livros não consumíveis para os alunos do 2º ano (antiga 1ª série) nos componentes

Ciências, Geografia e História2; ‹

‹ redução de quatro para três livros para as coleções dos componentes de Língua Portu-

guesa e Matemática3; e ‹

‹ compra de coleções para dois novos componentes curriculares (Letramento e Alfabeti-

zação Linguística e Alfabetização Matemática) para alunos do 1º e 2º anos, compostas por dois livros consumíveis4.

O prazo dado aos autores e às editoras para realizar todas as modificações exigidas foi de apenas 120 dias. Isto significa que os livros tiveram que ser inteiramente redigitados, diagramados e revisados novamente. Além dos volumes que deixaram de ser consumíveis exigirem novos textos e atividades. No nosso caso, foram mais de 3 mil páginas alteradas (Livro do Aluno e Manual do Professor de 4 coleções) em apenas 120 dias!

As normas que regem o PNLD reconhecem que a ocorrência de erros é inerente ao processo editorial. Tanto é que prevê a aprovação de livros que contenham pequenos erros, desde que estes erros não comprometam a formação do estudante. O cuidado com a com- pra de livros sem erros graves ou com o menor número possível de erros já seria suficiente para justificar a avaliação no âmbito do PNLD. Mas a importância da avaliação do livro didático é muito maior do que a de um revisor, um filtro contra erros pontuais.

1   A Academia Brasileira de Letras ainda não havia sequer publicado o novo Vocabulário Ortográfico da Língua Por- tuguesa. 2   Nos programas anteriores, os livros destinados à 1ª série de todos os componentes curriculares deveriam ser con- sumíveis. 3   Para atender aos alunos do 3º ao 5º ano (antigas 2ª a 4ª séries). 4   O atual 1º ano corresponde ao último ano da antiga Educação Infantil (alunos geralmente com 5 a 7 anos de idade)  e o 2º ano à antiga 1ª série.

A avaliação do livro didático no PNLD é resultado de um imenso esforço por parte do Estado para convergir em políticas públicas voltadas para a melhoria da educação bra- sileira. Essa convergência sempre foi e ainda é um ponto crucial para qualquer governo, resultado de um longo e moroso processo regulado por intensas e árduas negociações entre os diferentes atores envolvidos, muitas vezes com interesses conflituosos e divergentes. Mas, até mesmo um leigo em educação e em política pública pode facilmente concluir que de nada adianta investir na formação dos professores se não lhes são dadas boas condições materiais para realizar o seu trabalho. O livro didático, na nossa opinião, insere -se no conjunto das condições materiais que o Estado proporciona aos professores e aos alunos do sistema público para ensinar e aprender. O contrário também pode acontecer: bons livros combinados com falta de atualização dos docentes podem resultar, no mínimo, em desperdício de recursos públicos.

Como já discorremos na introdução deste livro, a implantação da avaliação conceitual e pedagógica dos livros didáticos no contexto do PNLD foi decorrente de importantes acontecimentos no âmbito da educação: a Conferência Mundial de Educação para Todos, o Plano Decenal de Educação para Todos e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) – dentre outros. A compreensão de que o livro didático distribuído às escolas públicas do país deveria refle- tir os valores do novo Estado democrático que ressurgia após os anos de ditadura represen- tou um grande avanço na educação. Desde então, a avaliação do PNLD exige que o livro didático vá além de mero instrumento para informar de fatos e conceitos e efetive -se como instrumento transformador de realidades, ou seja, como um meio para que os alunos de- senvolvam as capacidades que lhes permitam produzir e usufruir dos bens culturais, sociais e econômicos (MEC, 1997). O livro didático não pode veicular e reforçar preconceitos de qualquer natureza. Pelo contrário, deve promover o diálogo, o respeito entre os gêneros, a diversidade étnica, a pluralidade e o convívio de ideias. Simultaneamente, o livro didático deve conter informações corretas, atualizadas e relevantes dentro de uma proposta didática e pedagógica coerente e consistente, que seja útil para aluno e professor. Estes objetivos são claramente descritos em todos os editais do PNLD. Foram esses valores maiores que nortearam as primeiras avaliações didáticas e conceituais do PNLD e ainda determinam, com algumas variações, os critérios específicos da avaliação até os dias de hoje.

Como cidadãos, concordamos com esses valores e, por isso, sempre defendemos a ava- liação dos livros didáticos. O livro didático não é uma mercadoria qualquer e não deve ser tratado como tal, nem mesmo no mais selvagem regime capitalista. A publicação de alguns trabalhos acadêmicos nos anos 1980 e 1990 já apontavam a necessidade de o MEC verificar a qualidade dos livros didáticos, pois era forte a presença de erros conceituais, informações desatualizadas e estereótipos que reforçavam preconceitos e comportamentos intolerantes5.

Não temos dúvida de que a avaliação do livro no âmbito do PNLD foi um dos maiores avanços do programa, cuja importância só se compara à da universalização e ampliação do

5   Alguns desses trabalhos poderão ser consultados na Revista Ciência Hoje [online], publicada pela Sociedade Brasi- leira para o Progresso da Ciência (SBPC). Disponível em: <http://cienciahoje.uol.com.br/revista -ch/> (acesso: maio/2010).  Basta acessar a página da revista e realizar uma busca da expressão “livros didáticos” (usar o plural).

atendimento6. A avaliação promoveu diminuição significativa na quantidade e na gravida-

de dos erros comumente encontrados nos livros didáticos. Possibilitou uma renovação edi- torial tanto em termos de conteúdo como na forma dos livros. Como já mencionamos, foi também a avaliação do PNLD que abriu espaço para autores com abordagens pedagógicas mais modernas e livros menos ortodoxos, com maior cuidado na produção e programação visual mais adequada.

Nós não nos cansamos de comentar que só nos tornamos autores de livros didáticos graças à implantação da avaliação no PNLD. Portanto, não é por acaso que somos seus de- fensores radicais. Denunciamos suas falhas mais graves visando apenas seu aprimoramento e para evitar que esses erros comprometam a sua continuidade. A bem da verdade, defen- demos, há muito tempo, que a avaliação deveria ser estendida a todos os livros didáticos, inclusive àqueles utilizados nas escolas particulares. Em nossa experiência, já verificamos, em mais de uma ocasião, que os alunos da escola pública têm acesso a livros mais mo- dernos e de melhor qualidade do que os alunos da escola particular. A avaliação deveria abranger também o crescente mercado de apostilas produzidas pelos chamados “sistemas de ensino”. É fato que os “sistemas de ensino” têm tido uma penetração cada vez maior nas escolas públicas, muitas vezes disfarçados de programas de capacitação de professores sob a tutela de instituições não governamentais, e que essa penetração ainda não foi regu- lamentada pelo governo – está fora de controle. Em nossa opinião, o que essas instituições querem mesmo é vender livros para o Estado brasileiro, o maior cliente do mercado edi- torial do país. O PNLD, em sua maturidade atual, representa um instrumento eficaz para regulamentar mais essa interferência privada no espaço público da escola.

Nossa convicção da importância da avaliação pedagógica dos livros e materiais didáti- cos destinados à escola pública é tão profunda que não nos conformamos com a omissão da SEB na divulgação dos pareceres integrais da avaliação de todas as obras, sejam elas aprovadas ou reprovadas. Não aceitamos as justificativas da SEB de não divulgar os rela- tórios da avaliação e tampouco quem são os avaliadores com o objetivo de “proteger” o MEC, as universidades, os avaliadores e as editoras7. Como a avaliação é feita com recur-

sos públicos, a um custo muito alto (aproximadamente R$ 10 mil por livro8), ela é um

bem público e todos os seus resultados deveriam ser de conhecimento geral por serem do interesse de todos os brasileiros, em particular dos pais de alunos, dos professores e dos educadores em geral.

Além do mais, a divulgação ampla de todos os pareceres da avaliação permitiria que seus conteúdos fossem verificados por pessoas de fora do processo, em especial por pesquisadores da área de educação ou das áreas de conhecimento dos livros avalia- dos. A pesquisa acadêmica, com um maior volume de dados quantitativos e qualitativos,

6   O atendimento a todas as escolas públicas do país (universalização) e a todo o Ensino Fundamental e Médio  (ampliação).

7   A necessidade de criar estratégias que “protejam” esses atores faz parte do discurso oficial da SEB, como compro- va correspondência enviada pela SEB à Editora Sarandi, em 2005 (Ofício COGEAM/DPE/SEB/MEC nº 7/2005). 

8   BRASIL. FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO. Relatório de gestão do FNDE: exercício de

poderia ser ampliada e aprofundada e, eventualmente, contribuir para o aprimoramento do próprio PNLD. Seria uma excelente oportunidade para aproximar ainda mais os pes- quisadores do livro didático das políticas públicas relacionadas ao livro didático, o que democratizaria a reflexão sobre esse instrumento de ensino – atualmente concentrada em alguns poucos centros de pesquisa que em sua maioria, coincidentemente ou não, são responsáveis há vários anos pela avaliação pedagógica do PNLD.

A maior transparência do PNLD certamente apontará falhas no processo avaliativo e erros na avaliação. Isso é um problema? Na nossa opinião, não. Pelo contrário, o conhe- cimento de eventuais falhas é saudável e contribui para o aperfeiçoamento da própria avaliação. Todos sairiam ganhando: os autores, os editores, os alunos, os professores, os gestores, os pesquisadores e até mesmo os técnicos do MEC e do FNDE. Mas os principais beneficiários do aperfeiçoamento do processo avaliativo seriam, sem dúvida alguma, os professores e os alunos. Para não dizer a educação brasileira em geral.

Distorções e problemas do atual sistema de avaliação dos

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