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A bomba no Parque Mayer e as acções violentas da FAP

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 116-124)

Das eleições de 1958 à herança “fapista”

2. O movimento “marxista-leninista” e o “fapismo”

2.3. A bomba no Parque Mayer e as acções violentas da FAP

No dia 5 de Outubro de 1964 rebentava uma bomba em Lisboa, nos escritórios da Sociedade

Avenida Parque, proprietária do Parque Mayer. A explosão deste engenho ocorreu durante o

processo da sua montagem. Destinava-se a ser colocada numa das viaturas da PSP estacionadas junto à Esquadra daquela Corporação, na Rua do Arsenal, à entrada da Praça do Comércio. O responsável por esta acção era Artur Gouveia, que tinha entrado para a FAP através de Rui D' Epiney e do seu irmão José Luís D'Espiney, de quem era amigo desde a sua participação na crise académica de 1962.

Foi em casa de Artur Gouveia que a FAP imprimiu vários panfletos, num copiografo que este tinha desde que fizera parte da pró-Associação de Estudantes do Ensino Liceal e era responsável por imprimir os panfletos da Associação. Era o mais importante aparelho técnico da FAP no interior, e viria a imprimir “O Caminho da insurreição anti-fascista e da Liberdade ou “Em qualquer acção directa deve-se saber como se fabrica” [explosivos]228.

No final do mês de Maio, Artur Gouveia recebeu de José Luís d'Espiney um embrulho que continha duas cargas de explosivo plástico “SPE 808”, uma carga cilíndrica de trotil, dez detonadores eléctricos e uma caixa de detonadores com rastilho. De João Alberto Segurado, militante da FAP, recebeu dez detonadores eléctricos ligados aos respectivos fios condutores e uma

226“Cuidado com Eles”, Avante!, nº 349, Dezembro de 1964, p. 3

227“Comunicado”, Comité Marxista-Leninista Português, 28 de Janeiro de 1965, in CARDINA, Miguel, 2011, Margem

de Certa Maneira: O Maoismo em Portugal (1964-1974), Lisboa, Tinta-da-China, p. 46

228IAN/TT – PIDE/DGS – Prº. 1561-64 SC PC, NT: 5677-5678, Vol. 1 – Auto de Declarações de Artur Gouveia, fls. 41

caixa com mais 12 detonadores de combustão, que tinha conseguido através de um amigo que estava na tropa. O restante material necessário para construir uma bomba foi comprado por si em diversos estabelecimentos da cidade. Com tudo isto pretendiam-se montar duas bombas. A FAP começara a armazenar material explosivo para poder utilizar em futuras acções, sem que ainda existissem planos concretos para o efeito.A ideia desta acção terá partido de Artur Gouveia, que informou José Luís d'Espiney do que estava a planear, e seria levada a cabo pelo Grupo de Acção Popular, de que era responsável e do qual faziam parte mais três elementos.

O plano consistia em montar a bomba na sede da Sociedade Avenida Parque, de que era proprietário o pai de Artur Gouveia, para depois colocá-la junto da esquadra da polícia, numa viatura que lá estivesse estacionada. A bomba deflagraria às 11:45, do dia 5 de Outubro, em que se comemorava a implantação da República. Como o explosivo tinha rebentado inadvertidamente, a primeira acção armada efectuada por militantes da FAP ficou inviabilizada. Ainda antes desta tentativa, o GAP de que Gouveia era responsável reuniu algumas vezes para treinar o manejo de pistolas, aprender a limpeza e conservação de armamento e como fabricar cocktails Molotov229

Após rebentar o explosivo, Artur Gouveia, ferido numa mão, ainda apanhou um táxi e foi procurar abrigo nas embaixadas de Cuba, do Chile, da Venezuela e da Suíça, na tentativa de obter asilo político, mas não conseguiu refúgio. Procurou, assim, abrigo em casa de um amigo e pediu para chamar a namorada, que era enfermeira, para tratar da ferida. Porém, como o ferimento era grave acabou por ter de ser visto numa clínica, onde lhe amputaram um dedo. Desde o dia 5 de Outubro até ao dia 13, quando foi preso, passou por várias casas junto com a namorada, tendo sido ambos presos num apartamento que tinham alugado três dias antes230.

Manuel Claro tinha entretanto entrado em Portugal clandestinamente, com o objectivo de se inteirar da acção da FAP no interior do país e estabelecer novos contactos, transmitir directivas no sentido de dar à organização uma estrutura que lhe permitisse levar por diante as tarefas preconizadas. Neste sentido, realizou-se uma reunião em Óbidos, no dia 18 de Outubro de 1964, já depois da prisão de Artur Gouveia, da sua namorada e de outros elementos da FAP que lhe tinham dado apoio. Aí participaram Manuel Claro, José Luís d'Espiney, Fernando Barros e José Rijo, tendo sido decidido que a organização passava a ser encabeçada no interior por José Luís D'Espiney, Fernando Barros e José Rijo, formando os três um “comité marxista-leninista”. José Luís d'Espiney ficaria com a responsabilidade de orientar as acções armadas, José Rijo, com a tarefa de recrutamento e organização de novos elementos, principalmente no sector estudantil, e Fernando

229Para fabricar cocktails Molotov utilizavam lâmpadas usadas que enchiam de gasolina, depois de lhes retirar o

casquilho e abrir um pequeno orifício no fundo; juntavam-lhe em seguida um trapo embebido em gasolina, ao qual ateavam fogo, imediatamente antes de serem arremessadas

230IAN/TT – PIDE/DGS – Prº. 1561-64 SC PC, NT: 5677-5678, Vol. 1 – Auto de Declarações de Artur Gouveia, fls. 41

Barros, responsável pela imprensa da FAP.231.

A PIDE, porém, já estava no encalço dos elementos da FAP e rapidamente foram efectuadas várias prisões que desmantelaram a organização no interior232. Perante esta situação, em França, foi decidido que no exterior permaneceria um comité formado por Manuel Claro, Fernando Barros, Humberto Belo, Mário Silva, Custódio Coelho Lourenço, José Capilé e Jacinto Rodrigues. O secretariado seria composto por Francisco Martins Rodrigues, João Pulido Valente e Rui d'Espiney e viria para o interior tratar da reorganização orgânica, começando a preparar a sua entrada no país. Em Março de 1965, João Pulido Valente é o primeiro a chegar, seguindo-se os outros dois elementos em Junho desse ano233.

A estrutura no interior fica assim definida: Martins Rodrigues com a coordenação geral da organização, a imprensa e o sector operário da margem Sul, sendo aqui coadjuvado por Sebastião Capilé, passando a editar o jornal Unidade Popular, dirigido justamente a esses meios operários; João Pulido Valente controlaria os operários da região de Lisboa e Rui d'Espiney ficaria encarregado do sector estudantil, editando-se para o efeito o jornal Estudante Revolucionário234,

copiografado nos escritórios de Alain Oulman, compositor de Amália Rodrigues, ligado ao grupo através de Pulido Valente, tendo depois passado a ser controlado directamente por Francisco Martins Rodrigues. Alain Oulman era também responsável por receber os fundos e a correspondência vindos do estrangeiro, cedendo também as suas casas para reuniões235.

Em pouco tempo formaram-se vários GAP que tinham como objectivo levar a cabo acções violentas. A FAP tinha um pequeno paiol com armas numa arrecadação, a que Pulido Valente tinha acesso directo. Realizaram-se também treinos e experiências com cocktails molotov, c e armas de fogo em Monchique e nas Azenhas do Mar.

Durante a campanha eleitoral para a Assembleia Nacional de 1965, a FAP apelou à não ida às urnas, pois fazê-lo significaria legitimar a fraude eleitoral e o regime. Durante todo esse período foram distribuídas tarjetas e panfletos da organização com os dizeres “Contra o Fascismo; Votos Não, Armas Sim!” e “Armas para o Povo”. Passado este período, e em protesto contra a farsa eleitoral e contra a reabertura da Assembleia Nacional, lançaram cocktails Molotov contra a

231IANTT/PIDE-DGS, Pr. 1032-66 SC PC, U.I: 5837 - Auto de Declarações de Francisco Martins Rodrigues, fl. 20 a 29

232São arguidos no processo: Artur Gouveia; Bertília Rosa de Almeida e Silva; Carlos Alberto da Silva; José Luís

d’Espiney; Manuel Vítor de Azevedo Cruz; José Rijo; Artur Figueira; Maria Georgina Maia de Azevedo; Henrique Garcia Pereira; António da Paula Saraiva; António Almeida; Joaquim Sequeira; AntónioLopes Alves; Luís Manuel Gravata Filipe.

233IANTT/PIDE-DGS, Pr. 1032-66 SC PC, U.I: 5837 - Auto de Declarações de Francisco Martins Rodrigues, fl. 20 a

29; CARDINA, Miguel, 2011, Margem de Certa Maneira: O Maoismo em Portugal (1964-1974), Lisboa, Tinta-da- China, p. 47

234Os artigos do jornal eram redigidos por Victor Manuel Catanho, José Luís Machado Feronha, Rui d'Espiney,

Francisco Martins Rodrigues e José Aurélio Martins de Abreu

235IANTT/ PIDE-DGS, Pr. 1032/66 SC -PC, U.I: 5837- Auto de Declarações de Francisco Martins Rodrigues, fl. 20 a

esquadra do Matadouro e contra a escola da PIDE, em Lisboa Além destas iniciativas, Rui d'Espiney, ainda organizou na sua instalação clandestina perto de Loures um curso de formação “marxista-leninista” durante três dias236.

Todavia, a estrutura da FAP/CMLP continuava a ser muito fraca, agrupando apenas um pequeno número de militantes e simpatizantes.

A 21 de Outubro de 1965, João Pulido Valente foi denunciado à PIDE por Mário Mateus, um antigo membro do PCP que se infiltrara na FAP e era informador da PIDE desde Agosto desse ano237. Descoberto, Mário Mateus acabaria por confessar essa colaboração policial perante Rui d’Espiney e Martins Rodrigues, os quais, num “Tribunal Revolucionário” perto de Belas, acabariam por executá-lo: “O delator foi submetido a uma cerrada vigilância após a prisão de Pulido Valente, e, em breve, se acumularam sobre ele indícios acusadores. Uma vez comprovada a sua culpabilidade, depois duma confissão perante um tribunal revolucionário, o denunciador Mário Mateus foi condenado à pena de morte. A sentença foi rapidamente executada”.238

Mas a polícia apertava o cerco. Em Janeiro de 1966 Martins Rodrigues era preso e no mês seguinte seria a vez de Rui d'Espiney, prolongando-se as prisões pelas semanas seguintes, até ao total desmantelamento da organização no interior do país.

Martins Rodrigues e Rui d'Espiney foram sujeitos a brutais espancamentos e torturas e condenados, respectivamente, em 25 de Novembro de 1967, a 15 anos e a 14 anos e nove meses de prisão, pelo assassinato de Mário Mateus. Em 1970, foram novamente julgados por pertencerem à FAP/CMLP e foram condenados, em cúmulo jurídico a 20 e a 19 anos de prisão e a medidas de segurança. Pulido Valente foi condenado a 15 anos de prisão. Os três só viriam a ser libertados a 27 de Abril de 1974239. Encerrava-se assim a experiência da FAP que, não obstante, foi a primeira organização a defender a luta armada nos anos 60.

2. 4. A desarticulação FAP/CMLP

Após a vaga repressiva subsistem, entre 1966, apenas militantes isolados, alguns pequenos colectivos, praticamente autónomos, cuja actividade se limitava à edição de textos de natureza teórica e, por vezes, alguma imprensa própria, que se articulavam com incipientes estruturas de

236 Entrevista Rui d'Espiney, Setúbal, 10 de Fevereiro de 2012

237CARDINA, Miguel, 2011, Margem de Certa Maneira: O Maoismo em Portugal (1964-1974), Lisboa, Tinta-da-

China, p. 49

238“João Pulido Valente e Sebastião Capilé nas garras da PIDE”, Revolução Popular nº 6, Dezembro de 1965, p. 1, in

Comité Marxista-Leninista Português, s.d, Revolução Popular, Lisboa, Edições Voz do Povo, p. 140; Entrevista Rui d'Espiney, Setúbal, 10 de Fevereiro de 2012; CARDINA, Miguel, 2011, Margem de Certa Maneira: O Maoismo em

Portugal (1964-1974), Lisboa, Tinta-da-China, p. 49-50

239CARDINA, Miguel, 2011, Margem de Certa Maneira: O Maoismo em Portugal (1964-1974), Lisboa, Tinta-da-

apoio à falsificação de documentos e à saída de militantes e de anti-fascistas perseguidos pela polícia. É o caso do Comité Comunista Viva o Leninismo e o Comité de Propaganda Revolucionária, grupos que mantinham uma relação ténue com a direcção do CMLP em Paris240.

No exterior, discutia-se a situação e a continuidade da FAP/CMLP, dando-se prioridade à edificação do partido, o que levou à dissolução da FAP e, segundo Miguel Cardina “a constantes processos de <<luta ideológica>> apostados em <<desmascarar>> todas as tendências guerrilheiristas que fossem aparecendo no seio do CMLP”241.

É importante, ressalvar que a evolução da Revolução Cubana e a aproximação progressiva de Cuba à União Soviética, principalmente a partir da “crise dos mísseis”, em 1962, suscitava reservas na FAP/CMLP. Reservas que se acentuaram com o tempo, embora os esforços de solidariedade anticolonialista e anti-imperialistas desenvolvidos pelo regime cubano contrabalançassem essas reservas. Por outro lado, o exemplo de Che Guevara, distanciando-se dessa aproximação, protagonizando acções tão corajosas quanto voluntaristas, quer em África como depois, e ainda que tragicamente, na América Latina, era encarado com um certo fascínio, sem perder totalmente de vista o contributo histórico de Che Guevara na Revolução Cubana242.

Neste contexto, as tendências guerrilheiristas tendiam a avivar-se quanto mais se tomava consciência do isolamento, da fragmentação e da falta de implantação no interior, como que constituindo, afinal, a resposta à falência prática de um projecto político que ganhara corpo e ânimo com as movimentações de rua entre 1958 e 1962, iluminadas depois por experiências internacionais como a da Revolução Cubana, principalmente.

O processo de edificação do partido e dissolução da FAP foi conturbado, semeado de expulsões, abandonos, cisões mas que, em boa medida, vão ajudar a explicar os rumos diferenciados que o movimento marxista-leninista tomaria com reflexos no modo como era encarada a violência revolucionária e as acções armadas.

Tornava-se claro que um grau de pulverização orgânica e a desorientação exigiam um esforço analítico e o início de um caminho que permitisse reorganizar o CMLP e redefinir a sua articulação com a FAP. Este é, assim, o período que decorre desde Fevereiro de 1966 até à 1ª Conferência, em Janeiro de 1967. Logo após as prisões no interior, e no meio do maior abalo, os dirigentes em Paris tomaram um conjunto de medidas nesse sentido. Foi decidido enviar para o país dois elementos da direcção a fim de verificar a situação no concreto mas estes recusariam, o que

240Cf: CARDINA, Miguel, 2011, Margem de Certa Maneira: O Maoismo em Portugal (1964-1974), Lisboa, Tinta-da-

China, p.55 a 57

241CARDINA, Miguel, 2011, Margem de Certa Maneira: O Maoismo em Portugal (1964-1974), Lisboa, Tinta-da-

China, p. 58

242Sobre este assunto, ver: ELBAUM, Max, 2002, Revolution in the Air. Sixties Radicals Turn to Lenin, Mao and Che,

levou ao seu afastamento da organização. Para colmatar essas brechas foram cooptados dois novos membros que tinham chegado do interior, ao mesmo tempo que recusavam a cooptação de outros dois por actividades anteriores consideradas suspeitas ou não esclarecidas. Por outro lado, de acordo com a tradição comunista, Francisco Martins Rodrigues e Rui d’Espiney foram expulsos, acusados de mau comportamento face à polícia, pois teriam falado durante o interrogatório, não tendo resistido às violentas torturas infligidas pela PIDE243.

Em Junho de 1966, a direcção do CMLP edita o documento As Futuras Tarefas do Comité

Marxista-Leninista Português. Este é o primeiro grande documento de análise do trabalho da

FAP/CMLP entre 1964 e 1966, apontando os erros políticos e conspirativos naquele período. Primeiro, o facto de ter criado a FAP, uma frente de combate que pretendia agregar todos os que quisessem combater a ditadura através das armas, e só depois o CMLP. Segundo, a predominância que se continuou a atribuir às actividades da FAP, de tal forma, que durante um certo período não havia uma distinção clara entre as duas organizações. A não primazia da formação do CMLP teria impedido a formação de quadros comunistas, problema agravado com a quase ausência de implantação no meio operário que deveria ser a sua base social de apoio, criando um enorme lastro de dificuldades na organização, quer dos poucos militantes, quer de acções concretas, para o que não existiam inclusivamente pontos de apoio seguros, condição indispensável para o funcionamento clandestino. Fazer acções armadas sem uma organização forte e estruturada tornou-se “aventureirismo voluntarista”.

Assim, a tarefa imediata do CMLP devia ser reforçar a sua actividade: intensificar a luta ideológica; desenvolver a “elaboração de uma linha revolucionária”; implantar-se no meio operário e “onde for possível, onde a penetração for maior e a organização mais forte”; estimular “pequenas acções armadas”, que seriam uma etapa de preparação para a passagem a “etapas armadas superiores”, para o que devia haver preparação militar para conferir os conhecimentos necessários à sua realização em condições de segurança. O documento chamava, no entanto, a atenção para “uma certa tendência anarquista e terrorista que de uma forma ou doutra se infiltrou nas nossas fileiras”244, o que dá uma ideia do ambiente que se vivia.

Todavia, no quadro da reorganização do aparelho de imprensa, ainda no Verão de 1966, em Agosto, procura reatar-se a publicação do Revolução Popular com a edição do nº 7. Foi aí que se divulgou a expulsão de Martins Rodrigues e de todos os que, no vendaval repressivo que

243“Declaração do Comité Marxista-Leninista”, in Revolução Popular nº 7, Agosto de 1966, p. 32; Entrevista Rui d'Espiney;

Francisco Martins Rodrigues nos seus escritos confirma que, depois de violentamente torturado, decifrou documentação em cifra que a PIDE lhe tinha apreendido e assinou o auto de declarações que lhe foi apresentado. Cf: RODRIGUES, Francisco Martins, 2008, Os anos do silêncio, Lisboa, Dinossauro/Abrente, p. 72, 73

244Comité Marxista-Leninista Português, 1966, As Futuras Tarefas do Comité Marxista-Leninista Português, S.I.;

desmantelou a organização no interior, tinham traído “os mais elementares deveres de comunista, denunciando camaradas, contribuindo para o desmantelamento da FAP, vibrando um golpe profundo na confiança dos militantes, acentuando a desmoralização da classe operária, já tão abalada por tantos erros e traições”245.

Neste número são publicados três artigos fundamentais, que revelam um conjunto de contradições e uma desorientação de fundo em matéria de política de alianças e de linha política. Dois desses textos pretendem de algum modo retomar matérias que haviam marcado a série anterior do Revolução Popular quanto ao posicionamento crítico e na demarcação política e ideológica em relação ao PCP. Um desses textos era sobre “o abandono da aliança operário-camponesa pelos reformistas de Cunhal”, que praticamente glosa o artigo publicado em Outubro de 1964 no número 1 dessa publicação, se bem que afeiçoado a documentos mais recentes do PCP. O outro texto, sobre a política de alianças, critica duramente o Movimento de Acção Revolucionária (MAR), na linha de caracterização que já havia sido estabelecida no número 4 do Revolução Popular, isto é, como um

“agrupamento radical burguês” e não como força marxista, que apesar das críticas à FPLN, não a

denuncia “como um obstáculo à revolução em Portugal, como um apêndice da ideologia burguesa que tende a manter o proletariado sob a sua tutela”246. Mesmo do ponto de vista da violência revolucionária, que o MAR defende, a crítica do Revolução Popular nº7 é contundente, considerando que o MAR apenas pretende realizar actos pré-insurrecionários, hesitando depois em enveredar pela luta armada. O terceiro desses artigos é porventura o mais significativo quanto ao ecletismo desta edição e reporta-se à Conferência Tricontinental de Havana, realizada em Janeiro de 1966, uma iniciativa dos cubanos que procurava aglutinar um grande movimento internacional de carácter anticolonial e anti-imperialista.

Construído com base em abundantes citações de documentos da própria Conferência, pelo artigo passa a valorização da Revolução Cubana e a importância da luta anti-imperialista, designadamente o caso da luta do Vietname, desenvolvida pela via armada revolucionária. Porém, ao mesmo tempo, o artigo procura demarcar-se da intervenção que a delegação soviética apresenta na Conferência, bem como da forma discriminatória como o PC cubano impediu a participação dos novos partidos marxistas-leninistas da América Latina.

Critica-se aí a evolução do PC cubano, que nunca se pronunciara sobre o dissídio sino- soviético, embora alinhasse claramente com os soviéticos. No entanto, o modo como o artigo termina não deixa de ser significativo quanto a uma possibilidade remota de regeneração do Partido Comunista de Cuba: “A Revolução Cubana deixou de ser um exemplo para os povos do mundo.

245“Declaração do Comité Marxista-Leninista”, in Revolução Popular nº 7, Agosto de 1966, p. 32

[Evidentemente, nós não excluímos a possibilidade – se bem que longínqua – de ver Castro, num sobressalto de honra revolucionário, rejeitar todo o seu oportunismo] ”247.

Era esta tensão entre o fascínio pela Revolução Cubana e a importância dos movimentos anti-imperialistas, por um lado, e por outro, o não alinhamento com a China por parte dos comunistas cubanos, cada vez mais dependentes dos soviéticos, que impregnavam a Direcção do CMLP. Uma Direcção efectivamente órfã da primeira geração de dirigentes, continuando-se a reclamar dessa herança, mas com dificuldades em discernir com clareza doutrinária. As questões da violência revolucionária e o seu lugar na linha política do CMPL marcavam em larga medida o pulsar desta Direcção.

Não demoraria a que, internamente, o Revolução Popular nº 7 e por consequência o núcleo

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 116-124)