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Esclarecer que as acções de assaltos a bancos servem apenas para arranjar financiamento para

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 166-170)

Capítulo III A LUAR – Três fôlegos

6. Esclarecer que as acções de assaltos a bancos servem apenas para arranjar financiamento para

manter a organização operativa408.

Além disso, a estrutura da organização foi reformulada: o novo órgão de direcção passou a chamar-se Comissão Político-Militar; passou a existir um Secretariado, com responsabilidades a nível das finanças, coordenação de actividades e controle da realização das tarefas; a Comissão

Militar passou a estar dividida em dois sectores - o sector de Planificação, Execução, Treinos e

Armamento e um sector de Formação de Quadros; foram também criadas as Comissões de

Agitação e Propaganda, a Comissão de Organização (esta englobava as áreas de Informações,

Recrutamento no Exterior, Arquivo e Ficheiro), e a Comissão de Documentação; passou a haver uma estrutura clandestina, conhecida por ACTID – Homens para a Acção, Casas e Garagens para Apoio, Transporte, Informação e Propaganda409.

2.2. “Caparica” - uma base de treinos

Depois do desastre da Covilhã, quando se procedia ao balanço da acção e da actividade da LUAR, foi necessário encontrar um local onde colocar os elementos que tinham conseguido sair de Portugal sem ser presos e que estavam sem trabalho, sem dinheiro e sem documentos. Para o efeito, arranjaram uma quinta nos Pirenéus, a 2000 metros de altitude, próxima da fronteira com Espanha e Andorra. Foi Camilo Mortágua que conseguiu arranjar a casa, por intermédio de Silva Martins, apresentando a proposta à nova direcção da LUAR410.

“Caparica” foi o nome dado a esta quinta que se tornou num campo de treinos Constava que

408SANTOS, José Hipólito, 2011, Felizmente houve a LUAR. Para a história da luta armada contra a ditadura, Lisboa,

Âncora Editora, pág. 91

409IAN/TT – PIDE/DGS, Pr: 6316 SC E/GT, UI:1531 – Auto de perguntas a Daniel Joaquim Campos de Sousa Teixeira,

23 de Agosto de 1968, fls. 82 a 96

410MORTÁGUA, Camilo, 2013, Andanças para a Liberdade, Vol. 2, Esfera do Caos, Lisboa, p. 206; Entrevista a

o local teria sido anteriormente utilizado pelos franceses durante a guerra da Argélia para esconder prisioneiros e que o seu proprietário teria colaborado com a OAS – Organisation de l' Armée Secrète, uma organização de extrema-direita francesa que se opunha à independência da Argélia411. Contudo, nenhum dos elementos da LUAR parece conhecer este aspecto, tendo sido mantidas sempre boas relações com o proprietário, que teria cedido o local apenas a troco do desempenho de algumas tarefas agrícolas, de pastoreio e de reparação de telheiros e de estábulos412.

Teriam ido para esta quinta cerca de uma dezena de militantes, havendo, por parte da Direcção da LUAR, o propósito de ministrar cursos de preparação política e treino militar, com vista a reorganizar a organização, de forma mais estruturada e com maior densidade política. O responsável pelo campo de treinos era Camilo Mortágua, tendo passado por lá, entre Novembro de 1968 e Fevereiro de 1969, cerca de quinze militantes. Uns tiveram estadias prolongadas no campo, enquanto outros estiveram lá apenas algumas semanas ou dias, e houve mesmo elementos que se deslocaram à “Caparica” apenas para participar em reuniões413. Entre Dezembro de 1968 e Janeiro de 1969, realizaram-se, neste local, alguns plenários, onde se decidiram questões importantes relativas à estrutura e funcionamento da LUAR: a Direcção passaria a ser eleita; deveriam circular internamente informações sobre questões de natureza política e sobre o funcionamento da organização; a Direcção deveria reunir mensalmente e fazer uma comunicação interna sobre as decisões tomadas414.

A estadia de tantos indivíduos num local tão isolado era justificada, dizendo que faziam parte de uma Associação para o Acolhimento de Trabalhadores Estrangeiros, que era legal, e foi registada na Préfecture de Paris, em Janeiro de 1969, o que facilitou o disfarce quando a polícia começou a fazer visitas à quinta415.

Esta estadia nos Pirinéus, que deveria servir para facultar treino político e militar aos membros da LUAR, não foi devidamente aproveitada, apesar de se terem realizado alguns cursos de montagem de explosivos, utilização de mapas militares e técnicas de clandestinidade, bem como ter propiciado a realização de reuniões plenárias, onde foram constituídos grupos de reflexão e de debate político. Porém, a maior parte do tempo foi passada na realização de trabalhos na quinta e a preparação física e militar nunca foi efectuada com rigor e disciplina. Aos poucos, foi-se gerando

411“O aventureiro da Revolução”, Revista do Expresso, nº 1196, de 29 de Setembro de 1995, p. 42

412Entrevista a Hipólito dos Santos, Lisboa, 29 de Abril de 2012.

413Núcleo residente na “Caparica”: Camilo Mortágua, Maria Helena Vidal, Alberto Curado, Idálio Fialho, Lemos e Sá,

Henrique Teixeira, Joaquim Palminha, José Ramalho, Walter Leitão, Fernando Lopes Gonçalves. Elementos que estiveram algumas semanas ou dias na “Caparica”: Armando Ribeiro, Jaime Bastos, Jacinto Rodrigues, Hipólito dos Santos. Elementos que foram à “Caparica” apenas para participar em reuniões: Anne Gonceberg, Augusto Maria Joaquim, Jaime Campos, Jorge Rocha, “Fred”

414 Centro de Documentação 25 de Abril, Espólio de José Hipólito dos Santos, LUAR, “CAPARICA”, fls. 1 a 5

415Centro de Documentação 25 de Abril, Espólio de José Hipólito dos Santos, Sub-secção LUAR, “CAPARICA”, fls. 1

grande desmotivação, agravada pelo medo de uma incursão da polícia à base. Apesar de declararem pertencer a uma associação legal, muitos dos que se encontravam na “Caparica” eram procurados pela polícia portuguesa por participação no assalto à Covilhã. Neste quadro, vários elementos abandonaram a base e, a 17 de Fevereiro de 1969, a “Caparica” foi definitamente desactivada416.

A saída apressada da “Caparica” colocou novamente alguns militantes da organização em situação complicada ao nível da legalidade e da sobrevivência material, sem alojamento e sem rendimentos. A LUAR não tinha meios financeiros para os tornar revolucionários profissionais, pagos pela organização. Restava-lhes apenas seguir os caminhos de milhares de emigrantes portugueses: encontrar trabalho. Porém, segundo Hipólito dos Santos, alguns deles enveredaram pela marginalidade e procuraram obrigar a organização a entregar-lhes dinheiro, tendo, inclusivamente, raptado Luís Benvindo, em Paris, para exigir uma quantia pela sua libertação. Um desses grupos, na estadia na “Caparica” teve um comportamento a tal ponto indisciplinado que levou a direcção da LUAR proceder ao seu afastamento417. Neste sentido, outra das principais decisões resultantes desta fase foi proceder ao afastamento daqueles que evidenciavam comportamentos marginais e de problemas com a disciplina. Sem quaisquer processos de averiguações internas deixaram pura e simplesmente de ser contactados pela organização418. A falta de estrutura de enquadramento orgânico facilitou que o processo pudesse ser feito desta forma.

O processo de selecção de militantes para a realização de acções passou a ser mais exigente e mais controlado pela direcção. A situação, todavia, tinha constrangimentos, pois não havia um aparelho ou qualquer dispositivo que pudesse controlar o historial pessoal e político dos elementos a recrutar, o que condicionava seriamente o processo. Havia a consciência que só um recrutamento rigoroso impediria as infiltrações policiais, as traições, as fugas de informação. Era preciso que os novos militantes demonstrassem uma sólida formação pessoal, moral e política, espírito de iniciativa, capacidade de viver em clandestinidade, de obedecer às directrizes da organização, de sobrevivência e de rigoroso sigilo. Mas, as dificuldades em concretiza-lo, anulavam em larga medida estas intenções.

2.3. A necessidade de uma base política e as dificuldades de “implantação” no interior

Se a nova direcção procurava dar à LUAR uma estrutura operacional mais organizada, ganhava igualmente corpo a necessidade de uma linha política estruturada e consolidada. Para isso, foi preparado um documento político, publicado em Dezembro de 1968, para ser debatido entre os

416Entrevista a Hipólito dos Santos, Lisboa, 29 de Abril de 2012

417Entrevista a Hipólito dos Santos, Lisboa, 29 de Abril de 2012

418SANTOS, José Hipólito, 2011, Felizmente houve a LUAR. Para a história da luta armada contra a ditadura, Lisboa,

militantes, intitulado Linha Política, que pretendia dar a conhecer a orientação política e ideológica da organização.

Neste documento a LUAR afirmava que não era um partido político, nem “fruto duma plataforma política”, admitindo no seu seio a pluralidade de tendências desde que estas defendessem “uma política interna e externa socialista”. Defendia a independência total das colónias; a “emancipação cultural, económica e política do Trabalhador”; e a instauração do “poder popular”. Admitia, contudo, a necessidade de continuar a aprofundar o documento com base na “experiência da luta de classes em Portugal”, propondo ser o detonador da “luta popular armada”, dirigida contra a “grande burguesia monopolista, colonialista e imperialista”, a “grande burguesia rural e latifundiária”, a “média burguesia aliada dos outros” e “todos os intermediários comerciantes usurários, exploradores do pequeno industrial, pequeno agricultor e povo” Continuava a assumir como objectivo a radicalização das formas de luta contra a ditadura, apoiando actos como a passagem da greve à sabotagem, a sublevação de militares nos quartéis, a criação de grupos de auto- defesa que actuariam nas manifestações e a organização de actos contra figuras do Estado ou agentes policiais responsáveis por torturas419.

Todavia, o modo como as questões são colocadas evidencia uma necessidade de mudança na prática política da organização. Por exemplo, a radicalização deixava de se expressar através de acções isoladas, por mais espectaculares que fossem, para lhes ser conferida nítida sustentação política em função de objectivos estratégicos claramente enunciados, designadamente no que se refere à articulação deste tipo de acções com a dos trabalhadores e o movimento de massas. Além disso, a LUAR, lutando contra o regime, passava também a ter como pontos centrais da sua luta a guerra colonial e aumento do custo de vida, acompanhando as reivindicações das manifestações populares contra o regime420. A táctica militar a seguir nesta fase, passaria a ser a dos movimentos de guerrilha que proliferavam pela América Latina e pela Europa na época: às acções populares seguiam-se as da organização, que levariam a uma resposta violenta das forças policiais e à intensificação da repressão, a que se seguia uma resposta militar da organização421.

Com esta reorganização procurava-se, inclusivamente, conferir um carácter democrático à organização, pretendendo-se a eleição da direcção a partir das bases, que deveriam receber informação periódica sobre as actividades desenvolvidas. Nota-se aqui a influência que o Maio de 68 francês teve na organização. A LUAR rejeitava o “centralismo democrático” e procurava

419“Linha Política”, Dezembro de 1968. in SANTOS, José Hipólito, 2011, Felizmente houve a LUAR. Para a história da

luta armada contra a ditadura, Lisboa, Âncora Editora, pág. 106

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“Linha Política”, Dezembro de 1968, in SANTOS, José Hipólito, 2011, Felizmente houve a LUAR. Para a história

da luta armada contra a ditadura, Lisboa, Âncora Editora, pág. 106

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articular as bases com os organismos de nível superior, de baixo para cima. Assim, a estrutura orgânica seria a seguinte:

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 166-170)