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O regresso do líder

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 176-179)

Capítulo III A LUAR – Três fôlegos

3. O terceiro fôlego: da fuga de Palma Inácio à agonia da LUAR 1 O impacto do marcelismo

3.2 O regresso do líder

Em finais de Dezembro de 1969, Palma Inácio foi finalmente libertado das prisões espanholas e foi para Itália, onde a LUAR contava com o apoio do grupo Lotta Continua, organização de esquerda radical italiana, cujos dirigentes mantiveram relações com vários sectores da oposição portuguesa no exílio444.

Não são estranhos estes apoios na esquerda radical italiana, que se estendiam ainda a outras organizações e círculos políticos. A LUAR, aliás, sempre procurou manter contactos solidários com organizações revolucionárias de vários continentes: em África manteve contactos com o PAIGC; na América do Sul, com os Tupanamaros, no Uruguai, fornecendo a LUAR apoio logístico na deslocação dos dirigentes desta organização, sobretudo em França e na Bélgica; na Europa, com a ETA, no País Basco, a quem a LUAR forneceu materiais de guerra e os contactos para a aquisição de armas na Checoslováquia; e com o grupo Baader-Meinhof, na Alemanha, a quem dispensavam apoio logístico nas deslocações de militantes445.

De Itália, Palma Inácio, seguiu para França e para a Bélgica, países onde estava a direcção e as principais bases de apoio da LUAR. Numa reunião realizada nos últimos dias de Dezembro de 1969, a direcção informou Palma Inácio sobre as decisões tomadas quanto à orientação a seguir, designadamente, os aspectos relacionados com a criação de condições para a “implantação” da LUAR no interior do país – aparelho logístico, rede de casas de apoio e núcleos de militantes, clandestinos ou não; fim das “acções de incursão” esporádicas; selecção dos militantes através do estabelecimento de critérios mais rigorosos; criação de comités de base e aprofundamento da posição tomada relativamente ao marcelismo. Informaram, igualmente, que tinham procedido a uma

442 Entrevista a Camilo Mortágua, Alvito, 3 de Outubro de 2012

443Entrevista a Camilo Mortágua, Alvito, 3 de Outubro de 2012

444Entrevista a Camilo Mortágua, Alvito, 3 de outubro de 2012

445Entrevista a Camilo Mortágua, Alvito, 3 de outubro de 2012; IAN/TT – PIDE/DGS, Pr. pr. 9712 CI(2), vol. 1, U.I:

“limpeza” na organização, afastando aqueles que consideravam não possuírem as características psicológicas e ideológicas necessárias para militarem numa organização armada446.

Apesar de concordar com a generalidade do que lhe foi apresentado, Palma Inácio não escondia a decepção pelo facto de a LUAR contar agora apenas com cerca de uma vintena de militantes. Para ele, isso significava que a organização se tinha desmembrado e que era necessário voltar a captar militantes. Como tal, voltou a instalar o sistema de recrutamento inicial, segundo o qual podia ser membro da organização qualquer pessoa que mostrasse disponibilidade para pegar em armas. Joaquim Alberto Simões, ex-diácono no Seminário dos Olivais, que se tornou o braço direito de Palma Inácio entre 1971 e 1973, refere que esta era a única forma de uma organização de luta armada poder crescer, pois as acções praticadas envolviam riscos elevados:

“Aceitávamos quem calhava mas não podemos escolher os gajos que querem fazer luta armada. Quem a quer fazer tem de ser aceite. Nós não podemos escolher quem quer participar nas acções. Depois, as pessoas podem ser capazes ou não mas não as podemos excluir à partida, dizendo que não são capazes. Só em teoria é que possível seleccionar as pessoas que querem fazer acções armadas. Na prática não, porque têm de ser pessoas com disponibilidade para tal”447.

O facto de na LUAR voltar a predominar este tipo de recrutamento e de voltar a prevalecer a linha militar, levou a que pessoas que tinham sido afastadas da organização em 1969 tenham voltado a aproximar-se. Os elementos da direcção continuavam a procurar avançar nos aspectos mais políticos e organizativos, mas perduravam, e continuavam a predominar, os velhos métodos: pouca discussão teórica e política, falta de organização, muita disposição para fazer acções, reuniões em cafés, aceitação de todos os que quisessem lutar contra o regime.

Em pouco tempo, Palma Inácio voltou a controlar a organização, a fazer novos contactos e a tomar decisões sem o conhecimento da direcção. Muito em consequência disto, os dirigentes em exercício foram-se afastando, embora mantendo-se solidários com a organização. A partir desta altura, começou a ganhar protagonismo dentro da LUAR um conjunto de novos militantes e dirigentes, a maioria vinda dos sectores católicos e marxistas-leninistas, que defendiam a realização imediata de novas acções. Formalmente, não houve uma direcção instituída e Palma Inácio assumia-se como líder histórico e único, tomando as decisões sozinho, ainda que contando com o apoio e aconselhamento de alguns militantes.

Nesta fase a LUAR consegue estabelecer em Portugal uma rede de apoio com base nos sectores dos católicos progressistas. As amizades que ligavam os ex-seminaristas dos Seminário dos Olivais, e os seus conhecimentos e solidariedade dentro dos católicos leigos faziam com que se

446 Entrevista a Hipólito dos Santos, Lisboa, 29 de Abril de 2012

criassem importantes laços de interajuda. Foram eles que abrigaram os militantes da LUAR quando estes se movimentam no interior do país para fazer estudos e planos de acções; serviram de motoristas nas deslocações pelo país destes militantes; foi na casa de alguns destes indivíduos que foram escondidas armas e materiais explosivos; fizeram de “pombo-correio”; asseguraram comunicações com o exterior, trazendo e levando mensagens; e guardaram dinheiro da organização.448

Nesta última fase da LUAR, entre 1971 e 1974, o sector católico estava muito ligado a Joaquim Alberto Lopes Simões, que tinha sido um dos líderes da contestação que ocorreu dentro do Seminário dos Olivais entre 1966-68 e que tinha ido para França onde estabeleceu contacto com os Padres Operários, chegando a participar activamente nas actividades destes, como, por exemplo, dar missa para as comunidades emigrantes portuguesas em Paris.

Esta radicalização à esquerda dos “católicos progressistas” levou a que outros católicos radicalizassem as suas posições entre os anos de 1968 e 1974, envolvendo não só leigos mas também membros do clero, muito influenciados pelo caso do Padre Felicidade Alves, figura destacada dentro da igreja, cónego da diocese de Belém, que evoluiu para posições muito críticas em relação ao regime, ao ponto de ele próprio optar por sair da Igreja, vindo a ser excomungado. Num processo semelhante, muitos outros padres iniciam igualmente um processo de distanciação e crítica em relação ao regime449.

A todo este clima não era alheio a influência do Concílio do Vaticano II. Havia uma geração mais nova de padres que seguiam vivamente as reuniões conciliares, liam avidamente as suas conclusões e tinham contacto com teólogos muito pouco heterodoxos que defendiam uma nova igreja, mais sensível aos problemas sociais, vivendo em contacto com o mundo real, com as comunidades, que criticavam o capitalismo e as ditaduras, que defendiam a democracia, a liberdade, a igualdade e a auto-determinação dos povos. Estes padres aproximavam-se cada vez mais das comunidades, tendiam a trabalhar no seu seio e iam constatando a miséria e a injustiça social em que vivia uma grande parte dos portugueses sem que nada seja feito dentro da Igreja e do governo para melhorar esta situação. Ao mesmo tempo, iam-se tornando cada vez mais críticos da guerra colonial, defendendo que os povos das colónias tinham direito á independência e que a guerra era contrária à defesa da Paz preconizada pela Igreja Católica450.

É dentro deste contexto que alguns sectores católicos se foram aproximando da LUAR, primeiro, e das BR, depois, prestando apoio logístico. Para muitos católicos, as acções armadas

448Entrevista a Joaquim Alberto Lopes Simões, Riachos, 25 de Julho de 2012

449 Entrevista a Francisco Fanhais, Alvito, 18 de Julho de 2012

eram sobretudo o reflexo da vontade de fazer algo concreto, de participar activamente na luta pelo fim da ditadura e da guerra colonial.

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 176-179)