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A Revolução Cubana e a sua influência nos movimentos de guerrilha

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 55-59)

Capítulo I O Mundo em Mudança

8. A Revolução Cubana e a sua influência nos movimentos de guerrilha

Após 1945, a forma de luta dominante, sobretudo no Terceiro Mundo, foi a guerra de guerrilha. As suas tácticas eram propagandeadas pela esquerda radical, inspirados por Mao Tsé- Tung, Fidel Castro e pelo general Giap.

A guerra de guerrilha na Indochina, na Malásia e na Argélia fizeram capa de jornais em todo o mundo, mas no imaginário prevalecia o exemplo da Revolução Cubana, pelo que alimentava de luta anti-imperialista, de símbolo de uma juventude rebelde e revolucionária, e de inspiração para os novos movimentos revolucionários que, seguindo a teoria do foco, procuram reproduzir nos seus países a guerrilga cubana.

general Fulgêncio Batista. O movimento de Fidel Castro contra a ditadura de Fulgêncio Batista começou em 1952, quando o ditador decidiu anular as eleições e um grupo de cidadãos protestou e recorreu desta decisão para o Tribunal das Garantias Constitucionais, que rejeitou o recurso. Com a ajuda dos seus partidários, Fidel tentou apoderar-se do quartel de Moncada, na província de Oriente mas fracassou, é preso, condenado a 15 anos de reclusão na ilha dos Pinheiros. Amnistiado pouco depois, refugiou-se no México, onde se ligou ao médico argentino Ernesto Guevara e ao general Alberto Bayo. Estes ajudaram-no a preparar um golpe contra a ditadura cubana: armaram o navio

Gramma e prepararam um desembarque na ilha. O Gramma que chegou à costa oriental de Cuba a

2 de Dezembro de 1956. Dez dias mais tarde, as forças governamentais apoderaram-se dos rebeldes mas alguns deles conseguiram refugiar-se na Sierra Maestra. Alcunhados de “barbudos”, recrutaram e treinaram vários camponeses pobres. Em 1958, dispunham de forças suficientes para declarar guerra ao regime de Fulgêncio Batista, atacaram quartéis, multiplicaram os atentados urbanos e aumentaram o número de recrutados. Só em Dezembro de 1958 é que a guerrilha de Fidel conseguiu conquistar a sua primeira cidade de 1000 habitantes, mas a sua estratégia demonstrava que uma força irregular, com poucos homens (inicialmente não seriam mais de 148 homens aos quais se foram juntando mais, à medida que a força revolucionária ia avançando no terreno), conseguia conquistar e defender um grande território libertado79.

Para esta vitória de Fidel contribuiu o facto de o regime de Fulgêncio Batista estar bastante frágil, sem apoio real. Toda a oposição uniu-se contra ele e mesmo os seus próprios apoiantes e agentes concluíram que o seu tempo tinha passado e que era hora de o ditador abandonar o poder. Sem apoios a ditadura desmoronava-se. A vitória do exército rebelde foi sentida pela maioria dos cubanos como um momento de libertação, de promessas de um futuro melhor.

Embora radicais, o objectivo primordial de Fidel Castro e dos seus camaradas era pôr fim à ditadura e não instaurar um regime comunista em Cuba. Aliás, inicialmente, eles não se afirmam como comunistas nem mostram ter simpatias pelo marxismo. Porém, tudo os empurrava para instaurar um regime comunista neste país. Primeiro, a ideologia “nacional-revolucionária” dos movimentos de guerrilha e o anti-comunismo feroz dos EUA, que inclinava quase automaticamente os movimentos de guerrilha da América Latina a aproximarem-se do marxismo. Depois, o clima de Guerra Fria fazia com que a URSS estivesse disposta a apoiar económica e militarmente um regime comunista. Por fim, o Partido Comunista Cubano tinha sobrevivido à ditadura como um partido organizado e os revolucionários precisavam de uma organização. Além disso, em Março de 1960, a CIA classificava o novo regime cubano como comunista e o governo dos EUA decidiam reduzir a quota açucareira cubana nos seus mercados e decretar o embargo à exportação de bens e

equipamento para a ilha. Em resposta, Fidel nacionalizou os bens americanos e assinou um acordo comercial com a União Soviética, que se comprometeu a comprar o açúcar e o petróleo cubano80. Em Abril de 1961, a CIA e o governo americano apoiavam a invasão da Baía dos Porcos81 e Cuba colocava-se sob a protecção de Moscovo, declarando-se uma República marxista-leninista. Dezoito meses mais tarde, a crise dos mísseis82 colocava o mundo sob a eminência de uma guerra nuclear.

A revolução cubana tornou-se um exemplo admirado no mundo ocidental e como refere Hobsbawn, tinha todos os ingredientes para atrair e fascinar os jovens dos países desenvolvidos: heroísmo, romance, ex-líderes estudantis muito jovens, um povo exultante, uma região do globo que era um paraíso tropical e podia ser saudada por toda a esquerda revolucionária, sobretudo por aquela que não se revia na política da coexistência pacífica adoptada pela União Soviética83.

Cuba passou rapidamente a estimular uma série de movimentos guerrilheiros, sobretudo na América Latina. Régis Debray sistematizou uma nova teoria baseada na revolução cubana: a teoria

do foquismo. Num continente preparado para a revolução, havia apenas a necessidade de importar

grupos de guerrilheiros armados, levá-los para montanhas e formar focos para desenvolver a luta de libertação 84. Foi isso que Che Guevara tentou fazer no Congo e na Bolivia.

Por toda a América Latina grupos de jovens lançaram-se na revolução sob a bandeira de Mao ou Fidel. As organizações de guerrilha eram sobretudo constituídas por jovens intelectuais, vindos da classe média e dos centros urbanos embora se tivessem estabelecido em zonas rurais. Em alguns países foram também constituídas guerrilhas urbanas. Estas eram mais fáceis de montar pois

80HOBSBAWM, Eric, 2011, A Era dos Extremos. História Breve do século XX (1914-1991), Editorial Presença, Lisboa,

5ª edição, pag. 428-429

81A Invasão da Baía dos Porcos, foi uma tentativa frustrada de invadir o sul de Cuba por forças de exilados cubanos

anticastristas formados pelos Estados Unidos Com o apoio das forças armadas americanas, treinados e dirigidos pela CIA, os exilados tentaram invadir Cuba em Abril de 1961para derrubar o governo e depor o líder cubano Fidel Castro. A arriscada acção terminou em fracasso. As forças armadas cubanas derrotaram os combatentes do exílio em três dias, a maior parte dos agressores foi capturada pelo exército cubano e Fidel declarou vitória sobre o imperialismo americano.

82O episódio conhecido como a crise dos mísseis de Cuba ocorreu em Outubro de 1962 e foi um dos momentos de

maior tensão da Guerra Fria. A crise começou quando a URSS em resposta à instalação de mísseis nucleares na Turquia, em 1961, e à invasão de Cuba pelos Estados Unidos no mesmo ano, instalaram mísseis nucleares em Cuba. A 14 de Outubro de 1961, os Estados Unidos divulgaram fotos de um voo secreto realizado sobre Cuba apontando cerca de quarenta silos para abrigar mísseis nucleares. Houve uma enorme tensão entre as duas super-potências pois uma guerra nuclear parecia mais próxima do que nunca. O governo de John F. Kennedy, apesar de suas ofensivas no ano anterior, encarou aquilo como um acto de guerra contra os Estados Unidos. Nikita Kruschev o Primeiro-ministro da URSS, afirmou que os mísseis nucleares eram apenas defensivos, e que tinham sido lá instalados para dissuadir outra tentativa de invasão da ilha. Nenhum presidente dos Estados Unidos poderia admitir a existência de mísseis nucleares daquela dimensão a escassos 150 quilómetros do seu território nacional. O presidente Kennedy acautelou Khruschev de que os EUA não teriam dúvidas em usar armas nucleares contra esta iniciativa russa e fez um ultimato: ou desactivavam os silos e retiravam os mísseis, ou a guerra seria inevitável. Foram treze dias de suspense mundial devido ao medo de uma possível guerra nuclear, até que em 28 de Outubro Kruschev, após conseguir secretamente uma futura retirada dos mísseis dos EUA da Turquia, concordou em remover os mísseis de Cuba.

83HOBSBAWM, Eric, 2011, A Era dos Extremos. História Breve do século XX (1914-1991), Editorial Presença, Lisboa,

5ª edição, pag. 429

84DEBRAY, Régis, 1967, Révolution dans le Révolution. Luttes Armées et Lutte Politique en Amerique Latine, Paris,

podiam explorar o anonimato das grandes cidades e das massas, conseguiam obter dinheiro facilmente para comprar armas (muitas vezes através do assalto a bancos) e apenas necessitavam de um pequeno grupo de simpatizantes que as ajudasse.

De 3 a 15 de Janeiro de 1966, o regime cubano promoveu em Havana uma “Conferência de Solidariedade entre os Povos da Ásia, da África e da América Latina”. A Tricontinental reuniu 14 delegações governamentais, vindas de diferentes países do Terceiro- Mundo, entre os quais a China, representantes de movimentos nacionais (sul-vietnamitas, angolanos, moçambicanos, palestinianos) e líderes de movimentos de oposição. Ao todo estavam representados 88 países mais a URSS. O Vietname estava no centro de todas as discussões e todos os participantes foram unanimes em condenar a intervenção americana nesse país e foi fundada a Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS).

Vítima do bloqueio imposto pelos EUA, Castro tornava-se rapidamente em líder de todas as lutas anti-imperialistas e Cuba tornava-se a base da guerrilha que devia incendiar a América Latina e tornar-se o centro da revolução mundial. Os revolucionários de todo o mundo iam para a ilha receber treino militar e formação ideológica.

O Partido Comunista Português, em processo de formação do organismo denominado “acções especiais”, vocacionado para a realização de acções armadas, também enviou duas vagas de militantes a Cuba para receber treino e formação militar. Nos inícios de 1965, Rogério de Carvalho e Raimundo Narciso foram os primeiros operacionais das “acções especiais” a ir receber treino a esta ilha caribenha. Em 1966, partiu o segundo grupo, constituído por quatro militantes do PCP. Este segundo grupo de quadros enviados pelo PCP a Cuba para receber formação militar, e que deveriam vir a integrar as “acções especiais”, acabaram , após o treino, por seguir a via guerrilheirista, romper com o PCP e formar uma nova organização, as Forças Armadas de Libertação (FAL).

Desde início dos anos 60, que a Revolução Cubana fascinava sectores, dentro e fora do Partido Comunista Português, pois demonstrava a possibilidade de pequenos grupos, recorrendo às armas e a partir de um pequeno foco revolucionário, poderem derrubar uma ditadura apoiada pelo imperialismo. É importante, todavia, ressalvar que a evolução da Revolução Cubana e a aproximação progressiva de Cuba à União Soviética, principalmente a partir da “crise dos mísseis”, em 1961, suscitou reservas na FAP/CMLP, a primeira organização “marxista-leninista” portuguesa que se acentuavam com o tempo, embora os esforços de solidariedade anticolonialista e anti- imperialista desenvolvidos pelo regime cubano contrabalançassem essas reservas.

Por outro lado, exemplo de Che Guevara, distanciando-se dessa aproximação, protagonizando acções tão corajosas quanto voluntaristas, quer em África como depois, e ainda que

tragicamente, na América Latina, era encarado com um certo fascínio, sem perder totalmente de vista o contributo histórico de Che Guevara na Revolução Cubana.

Neste contexto, as tendências guerrilheiristas tendiam a avivar-se dentro das organizações marxistas-leninistas portuguesas . O núcleo formado em torno do jornal O Comunista, foi um dos grupos marxistas-leninistas que melhor expressam este deriva “guevarista” e “espontaneista”, em que a luta armada é vista como um factor catalisador da revolução. Hélder Costa, o seu principal dirigente, refere que tinha uma grande admiração pela revolução cubana e por Che Guevara, embora nunca tivesse sido adepto da adopção da linha foquista à realidade portuguesa, considerando que em Portugal seria mais fácil adaptar a táctica da guerrilha urbana85.

A LUAR é dos grupos em que a influência cubana mais se manifestou, embora pelo lado da actuação prática e sem grandes preocupações ideológicas. A tentativa fracassada da tomada da Covilhã por um grupo de revolucionários para, a partir daí, liderar uma insurreição contra o regime, não pode deixar de evocar a Sierra Maestra.

As próprias BR, apesar do heteróclito de influências que procuravam conjugar eram influenciadas pelo imaginário guevarista e pelas organizações latino-americanas baseadas na ideia que um grupo de revolucionários poderia derrubar um regime que tinha o apoio dos Estados Unidos.

Também o Grito do Povo e a OCMLP, que resulta da fusão daquele com o grupo O Comunista, defenderam a insurreição popular armada, como sendo a única via para tomar o poder em Portugal. No caso da OCMLP, existiu uma nítida divisão no seio da organização, com uma das facções a defender como prioritário a reconstrução do partido, a formação de quadros e a organização de lutas nas fábricas; enquanto outra, defendia que a prioridade era o desenvolvimento da via guerrilheirista, pretendendo armar os Comités Operários e desencadear a luta armada. No início de 1974, chegou a haver uma tentativa de imposição da “linha guerrilheirista”, que acabou por não prevalecer, mas as querelas internas em torno da luta pelo poder e da imposição de uma ou outra via continuaram até ao 25 de Abril de 1974.

As organizações marxistas-leninistas portuguesas buscaram inspiração na Revolução Cubana, nas guerrilhas da América Latina, na luta do povo do Vietname ou nas lutas de libertação colonial.

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 55-59)