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Operação Matias: voluntarismo e fragilidades Agosto de

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 157-164)

Capítulo III A LUAR – Três fôlegos

1. O primeiro fôlego Das Origens à Covilhã

1.3. Operação Matias: voluntarismo e fragilidades Agosto de

Numa reunião realizada nos inícios de Julho de 1968, em Lovaina, Bélgica, ficou decidida a realização de uma nova acção em Portugal373.

371ANTT/PIDE-DGS – Pr.8259 SC CI(2). UI: 7519-7521, Pt.3 “Comunicados”, Comunicado da LUAR Operação

Diana/Évora, Setembro de 1967, fls. 3-4

372IAN/TT, Arquivo PIDE/DGS, pr. 8250 SC CI(2), U.I. 7519-7527, 1º Vol., - “Fora do vulgar, mas legal. A polícia

portuguesa interroga três rebeldes em uma prisão de Madrid”, International Herald Tribune, fl. 381-383

A falta de dinheiro que grassava na organização, depois da entrega a Emídio Guerreiro do produto do assalto à agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, e que nunca fora totalmente recuperado, a que acrescia a dificuldade de utilizar ou cambiar as notas marcadas, fazia com que se colocasse a questão de arranjar financiamento para novas acções. Começava, assim, a surgir a ideia que era necessário fazer uma nova acção, em território português, que assegurasse meios financeiros, e desse modo, tornasse possível manter a autonomia política, económica e estratégica. Esta proposta era relativamente consensual dentro da organização, porém alguns elementos do Conselho Superior, como António Barracosa e Hipólito dos Santos, declaravam-se abertamente contra novo assalto a um banco, entendendo ser prioritário conferir cunho político a essa nova acção, subordinando-a portanto à clarificação e aprofundamento da orientação política da LUAR374. A estratégia de acção passaria, agora, por ocupar uma pequena cidade portuguesa, atacar os postos da GNR e da PSP, assaltar as agências bancárias, ocupar o posto da rádio e difundir uma proclamação à população da cidade, exortando-a a sair para a rua em apoio às forças revolucionárias375.

A primeira tarefa consistia em escolher uma cidade que reunisse condições para o efeito: tinha de ser uma cidade com interesse político e financeiro, bem situada geograficamente, perto da fronteira, com bons acessos, boa possibilidade de defesa e com uma população operária significativa376. Camilo Mortágua, refere em entrevista, em 2012, que ficou responsável pelo estudo de várias localidades e que era necessário mandar alguém a Portugal para fazer o reconhecimento do terreno. Mortágua aliciara para a LUAR alguns jovens estudantes portugueses da Universidade Católica de Lovaina, que tinham frequentado o Seminário dos Olivais em Portugal, mantendo não só um vasto leque de relações de amizade no interior, como podendo, em alguns casos, vir legalmente ao país377. A sua missão seria estabelecer contactos com indivíduos que poderiam estar na disponibilidade de entrar para a organização ou fornecer qualquer tipo de apoio logístico; adquirir cartas topográficas; observar e obter informações acerca dos postos da GNR, PSP e PIDE, das redes de distribuição telefónicas e eléctricas, dos quartéis da Legião Portuguesa e das agências bancárias; conseguir informações sobre aeródromos e os aviões neles existentes e sobre locais onde

Augusto Maria da Conceição Joaquim e Hipólito dos Santos.

374 SANTOS, José Hipólito, 2011, Felizmente houve a LUAR. Para a história da luta armada contra a ditadura,

Lisboa, Âncora Editora, pág. 158, 159

375SANTOS, José Hipólito, 2011, Felizmente houve a LUAR. Para a história da luta armada contra a ditadura, Lisboa,

Âncora Editora, pág. 160

376 SANTOS, José Hipólito, 2011, Felizmente houve a LUAR. Para a história da luta armada contra a ditadura,

Lisboa, Âncora Editora, pág. 160

377Os membros da LUAR que entraram em Portugal incumbidos desta acção são: José Luís Joaquim (“Lemos”);

Horácio da Costa Lopes (“Hermínio”); Manuel Artur dos Santos Jorge (“Jucundo”); e Daniel Teixeira (“David”). Entrevista a Camilo Mortágua, Alvito, 3 de Outubro de 2012

pudessem ser escondidas armas e outro material bélico. As cidades escolhidas para este efeito foram Aveiro, Braga, Bragança, Covilhã, Portimão, Estremoz, Évora, Portalegre e Viana do Castelo378.

É de salientar que esta primeira fase da LUAR será marcada pela adesão do núcleo de estudantes católicos da Universidade de Lovaina, na Bélgica, que tinha dois elementos na direcção – Augusto Maria da Conceição Joaquim e Fernando Branco. Augusto Maria da Conceição Joaquim tinha sido estudante no Seminário dos Olivais e desertou antes de embarcar para Angola, fixando residência na Bélgica, tendo-lhe sido concedida uma bolsa de estudo pelo governo belga na Universidade de Lovaina. Entre 1965 e 1966 foi membro do MAR e em Dezembro de 1967 formou um pequeno grupo em Lovaina, constituído por estudantes católicos portugueses, que promoviam reuniões de discussão sobre a situação política, económica e social de Portugal e que defendiam a via da “insurreição popular armada” para derrubar a ditadura em Portugal379.

O grupo escolhido entrou clandestinamente no país a 20 de Maio de 1968,e separou-se, indo cada um para o local que lhe tinha sido previamente atribuído. Passado duas semana e meia, José Luís da Conceição Joaquim, estudante na Universidade de Lovaina e irmão de Augusto Maria da Conceição Joaquim, foi preso pela PIDE. Avisado do sucedido nesse mesmo dia, Horácio da Costa Lopes, também estudante na Universidade de Lovaina, decidiu regressar imediatamente à Bélgica, mas os restantes, não sabendo de nada continuaram com as suas missões. José Luís da Conceição Joaquim, pressionado pela polícia, confessou o que sabia da organização e acabou por aceitar uma proposta da PIDE de ser posto em liberdade, mas com a obrigação de passar a informar de todas as missões da LUAR380.

A cada elemento vindo para o interior era fornecido um endereço na Bélgica para onde deveriam mandar a correspondência com relatórios das tarefas desenvolvidas. Com base nas indicações fornecidas pelo grupo que tinha entrado em Portugal, foi escolhida a cidade da Covilhã, como a que reunia melhores condições para a acção: uma cidade próxima da fronteira espanhola, com acessos fáceis de ser cortados, sem uma unidade militar próxima e com uma população operária bastante significativa e com uma longa tradição de luta pontuada por greves381.

Em meados de Julho de 1968, foram enviados para a Covilhã Fernando Branco e Fernando Lopes Gonçalves com a missão de recolher informações de forma mais sistemática, localizar objectivos e identificar pessoas que tivessem funções de direcção nos bancos, na PSP e na GNR.

378 IANTT/PIDE-DGS – Pr. 6316 SC E/GT, NT 1531 – Auto de declarações de Daniel Joaquim Campos de Sousa Teixeira, 23 de Agosto de 1968, fl. 46 a 52

379 Este grupo era constituído por: Augusto Maria da Conceição Joaquim, José Luís da Conceição Joaquim, Fernando

José dos Santos Branco e Luís Manuel Sobral.

380

SANTOS, José Hipólito, 2011, Felizmente houve a LUAR. Para a história da luta armada contra a ditadura, Lisboa, Âncora Editora, pág. 216-218.

381IANTT/PIDE-DGS – Pr. 9712 SC CI(2), U.I: 7572 – “Relatório sobre a tentativa de assalto à Covilhã”, 30 de Agosto

Com eles veio também Manuel José Torrão Correia, com experiência na passagem de fronteira, pois vivia na aldeia de Cicouro, na raia com Espanha. Passaram a fronteira a pé transportando duas malas de viagem que continham armas e material explosivo que Palma Inácio e Luís Benvindo tinham comprado na Checoslováquia382.

No exterior, principalmente na Bélgica e em Paris, continuavam os esforços para recrutar novos elementos, dispostos a participar nas acções, mas principalmente disponíveis a curto prazo. Os responsáveis pela operação de recrutamento eram Camilo Mortágua e António Barracosa, que também asseguravam a logística da operação, ou seja, a comunicação inter-grupos e com o “exterior”, a preparação militar e técnica desses elementos, o transporte e a documentação necessária383.

Em finais de Julho de 1968, vieram para o interior Palma Inácio, Luís Benvindo e Daniel Teixeira para preparar os detalhes finais de toda a operação de assalto à Covilhã, baptizada como

Operação Matias384. O plano consistia no seguinte: um grupo de pessoas viria em pequenos grupos de França até à fronteira de Portugal, transportados em automóveis e carregando armas; de seguida reuniam-se junto à fronteira e passavam-na a pé com as armas, sendo aguardados já na parte portuguesa por elementos da LUAR, em automóveis alugados, que os transportariam para uma casa de cantoneiro desactivada, na estrada do Sabugal com a Guarda que tinha condições para esconder armas, explosivos e pessoas e que funcionaria como casa de apoio. Na casa do Sabugal decorreria a última reunião para ultimar os pormenores da acção – seria escolhido o responsável por cada comando e a respectiva missão, fariam a articulação geral dos grupos, decidiriam as armas a utilizar, hora de início e finalização, bem como os lugares de concentração, evacuação e fuga. Cada “comando”, dispunha de armas, braçadeiras e walkie-talkies. Entrariam na cidade, cortavam as ligações telefónicas e rodoviárias, para impedir a chegada da polícia ou de militares, o que poderia significar dinamitar pontes, estradas e caminhos-de-ferro; tomariam o quartel e desarmariam a GNR, a PSP, Brigada de Trânsito e a Legião Portuguesa. De seguida assaltavam os cinco bancos locais; tomavam a estação local da Emissora Nacional para transmitir uma Proclamação da LUAR previamente gravada; fariam larga agitação incluindo a realização de um comício na praça central com distribuição de manifestos385.

A acção seria realizada ao meio-dia, sendo essencial o factor surpresa. A ideia era estar na

382IAN/TT – PIDE/DGS, Pr. 8209 SC E/GT, UI: 1557 – Auto de declarações de Manuel José Torrão Correia, 26 de

Agosto de 1968, fls. 29-31

383 Entrevista a Camilo Mortágua, Alvito, 3 de Outubro de 2012

384 A operação foi assim baptizada em homenagem a António José Matias, falecido sob prisão, em 1967, acusado de pertencer à LUAR e de ter participado no assalto à agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz

385 SANTOS, José Hipólito, 2011, Felizmente Houve a LUAR: Para a História da Luta Armada Contra a Ditadura,

Covilhã apenas o tempo suficiente para realizar o previsto e depois recuarem para Espanha, onde estava instalado um dispositivo de apoio, ou no interior do país, para aqueles que dispunham de documentação legal. Pensavam inicialmente envolver cerca de quarenta efectivos na execução do plano, porém, apenas conseguirem mobilizar metade. Eram, na sua maioria, jovens, sem qualquer tipo de enquadramento político anterior, sem experiência militar e a maioria deles, sem nunca terem sequer pegado numa arma386.

António Barracosa, Hipólito dos Santos e Camilo Mortágua estavam responsáveis pela logística da operação – carros e forma de camuflar as armas e explosivos dentro deles, seleccionar quem conduzisse as viaturas, preparar os percursos e pontos de encontro na travessia da fronteira da França e da Espanha, redigir os cartazes e manifestos, preparar a fuga387.

Nos inícios de Agosto, uma parte significativa operacionais que iriam participar na acção da tomada da Covilhã, passaram alguns dias numa vivenda na região de Orly, arrendada por Camilo Mortágua, onde receberam treino de manuseamento de armas e utilização de cargas explosivas e detonadores eléctricos. Foi também nesta casa que, no dia 14 de Agosto, se reuniram todos os operacionais que participavam na acção, tendo-lhe sido entregues documentos falsos, e foi daqui partiram para a realização da acção388.

No dia 15 de Agosto de 1968, saíram de Paris cinco carros, que deviam circular com intervalos de meia hora, encontrando-se periodicamente em pontos pré-determinados389. Em cada carro havia um responsável que assegurava o contacto entre as restantes viaturas nos pontos de encontro estabelecidos. As viaturas eram conduzidas por elementos estrangeiros, ligados a meios de esquerda franceses, que haviam participado no Maio de 68 e apoiavam as acções da LUAR390. No dia 17 de Agosto, concentraram-se no local combinado, um pinhal junto a Tordesilhas e iniciaram os preparativos para a passagem da fronteira, sendo distribuídas as armas e o restante material - sacos, braçadeiras, comunicados. Ao princípio da noite, iniciou-se a passagem da fronteira, a pé, na direcção de Cicouro e Vimioso, zona a 50 km de Bragança, conduzidos por Manuel Torrão Correia, passador da confiança de Palma Inácio, que já o tinha ajudado por diversas vezes em situações semelhantes, designadamente durante o período de Julho e Agosto, em que este esteve clandestino em Portugal391. Na realidade, entre Junho e Agosto, Palma Inácio, clandestino no interior, deslocou-

386 Entrevista a Fernando Pereira Marques, Lisboa, 26 de Setembro de 2012

387 SANTOS, José Hipólito, 2011, Felizmente Houve a LUAR: Para a História da Luta Armada Contra a Ditadura,

Âncora, Lisboa, p. 160

388

IAN/TT – PIDE/DGS – Pr. 8259 SC CI(2), Vol. 4, NT: 7519-7521 – Auto de declarações de Filipe Viegas Aleixo, 24 de Setembro de 1968, Fls. 25-35

389 O grupo de “combatentes” que vinha efectuar esta missão era o seguinte: Alberto Curado, António Barracosa, Armando Ribeiro, Carlos Biló Pereira, Fernando Pereira Marques, Filipe Viegas Aleixo, Idálio Fialho, Jacinto Rodrigues, Jaime Bastos, Jaime Campos, Joaquim Cleto, Joaquim Palminha, Joaquim Silva Ramos, Jorge Manuel de Oliveira e Sousa, José Hipólito dos Santos, José João Guerreiro da Silva Cabanita, Luís Manuel de Moura Portugal Sobral, Mário Gastão Martins da Costa e “Múrcio”.

390 O grupo de condutores era constituído por: Maria Kiebooms, Fred, Jean Royaut, Sérgio Cajarville, dois belgas, um francês e um uruguaio, de que desconhecemos o nome.

se várias vezes a Espanha para contactar Mário Robles, advogado espanhol, que tinha sido seu advogado quando esteve preso em Espanha, e que aceitara defender também os elementos da LUAR, entretanto presos em Irun392 e a sua circulação entre os dois lados da fronteira fora sempre conduzida por Manuel Torrão.

Os operacionais da LUAR eram aguardados já na parte portuguesa, junto à fronteira, por Daniel Teixeira e Fernando Branco, que dispunham de dois carros alugados, destinados a conduzir os grupos que iam chegando para a casa do cantoneiro, entre o Sabugal e a Guarda. Um acidente com o carro fez com que Daniel Teixeira ficasse impossibilitado de cumprir a missão, pelo que passou a haver apenas um carro disponível para esta tarefa. Na viatura onde já vinha Fernando Branco, Daniel Teixeira e o motorista, juntaram-se mais sete membros da LUAR, entre os quais Palma Inácio e Manuel Torrão. Dez pessoas no total, pelo que, por precaução, para evitar chamar a atenção da polícia ou de populares, Manuel Torrão saiu do carro pouco depois, Fernando Branco foi deixado numa gare de comboios e Daniel Teixeira em Macedo de Cavaleiros. Porém, quando iam retomar viagem, foram abordados por um polícia que pediu os documentos ao condutor, que era Palma Inácio, pois o carro tinha ficado mal estacionado. Este não tinha carta de condução e tentou contornar a situação pedindo ao polícia para não passar a respectiva multa. Todavia, o agente obrigou-o a acompanhá-lo à esquadra da polícia e multou-o. Palma Inácio reagiu, puxou da pistola e disparou várias vezes para o ar, enquanto o carro arrancava velozmente em fuga por caminhos não asfaltados. A polícia perseguiu-os e cercou-os, apoiada por populares que julgavam tratar-se de delinquentes comuns. Ainda tentaram fugir a pé, esconder-se nos campos, mas acabam todos presos393.

Levados para a Delegação da PIDE no Porto, foi com grande espanto os agentes verificaram que naquele grupo se encontrava Palma Inácio. Revistaram o carro e encontraram armamento de fabrico checo, principalmente armas automáticas e pistolas-metralhadoras. Depois foi a busca pela região até conseguirem localizar a casa de apoio, já abandonada, mas onde ficara parte significativa do material destinado à acção, incluindo uma quantidade significativa de munições e 17 quilos de explosivos, apreendido assim pela polícia394.

Entretanto, no pinhal junto à fronteira ainda estavam nove395 dos dezanove elementos que

Âncora, Lisboa, p. 237

392

IAN/TT – PIDE/DGS, PR: 8259 SC CI (2), UI: 759-7521, Vol. 1 - “Relatório Secreto do MNE para o Director da PIDE”, s.d, fls. 239

393 IANTT/PIDE-DGS – Pr. 9712 SC CI(2), U.I: 7572 – “Relatório sobre a tentativa de assalto à Covilhã”, 30 de Agosto

de 1968, fls. 127, 128. Foram presos Herminio da Palma Inácio, Filipe Aleixo, Carlos Biló Pereira, Fernando Pereira Marques, Joaquim Ramos, José João Guerreiro da Silva, Fernando Branco, Daniel Teixeira e Manuel Torrão.

394

IANTT/PIDE-DGS – Pr. 9712 SC CI(2), U.I: 7572 – “Relatório sobre a tentativa de assalto à Covilhã”, 30 de Agosto de 1968, fls. 127, 128

tinham entrado em Portugal. Esperavam pelo transporte que os havia de levar à Covilhã, porém este tardava. António Barracosa decidiu então ir a Espanha, a pé, para contactar o comando recuado encarregado da coordenação geral. Foi informado por Hipólito dos Santos que a operação fracassara e que os restantes elementos do seu grupo deveriam sair do país o mais rapidamente possível396. Na realidade, essa decisão tinha, no entanto, sido já tomada pelos elementos que tinham ficado no pinhal e que já haviam inclusivamente atravessado a fronteira, tentando regressar a França e à Bélgica pelos seus próprios meios397. O grupo que estava em Portugal desde Julho e que tinha ficado de esperar pelos restantes elementos que iam efectuar a acção na casa do Sabúgal, desesperados com a falta de notícias, também decidiram sair do país pelos seus próprios meios398. Era uma debandada desorganizada e dispersa, mas em boa medida inevitável. Alguns fugiram individualmente, arriscando passar a Espanha sozinhos e a pé, por locais que não conheciam. Outros fugiram em pequenos grupo, de dois ou três elementos. Procuravam por todos os meios chegar a França ou à Bélgica, para contactar os elementos da organização que se mantinham em Bruxelas399.

O balanço da operação foi desastroso para a LUAR: foram presos oito elementos, entre os quais Palma Inácio, o chefe da organização; assim como o motorista e o passador; verificou-se a perda considerável de material bélico, bem como armas, munições e explosivos; recursos financeiros desesperadamente essenciais para a organização prosseguir a luta contra o regime.

Sem líder, sem armas e sem dinheiro, o desastre da Operação Matias significou também o fim de uma fase da LUAR. Uma fase caracterizada pela prevalência das acções militares em detrimento das acções políticas; em que o debate ideológico e político praticamente não existia; em que o funcionamento da organização era, em larga medida, desarticulado, improvisado, vivendo ao sabor da coragem, do voluntarismo e da capacidade de improvisação de cada um dos militantes. Mas esta foi uma fase em que os seus protagonistas conseguiram fazer acções mais espectaculares e com maior repercussão pública contra o regime português, chamando inevitavelmente a atenção para a comunidade nacional e internacional para a luta da oposição e para a luta antifascista.

396 Entrevista a Hipólito dos Santos, Lisboa, 29 de Abril de 2012 - Hipólito dos Santos refere que, no dia 22 de Agosto,

ao final da manhã, na localidade de Navasfrías, em Espanha, tinha sido surpreendido por Alberto Curado, Joaquim Palminha e Luís Miguel de Moura Portugal Sobral que lhe relataram que os operacionais que tinham entrado em Portugal ainda não tinham recebido notícias de Palma Inácio, pelo que deduziram que alguma coisa tinha corrido mal.

397

SANTOS, José Hipólito, 2011, Felizmente Houve a LUAR: Para a História da Luta Armada Contra a Ditadura, Âncora, Lisboa, p. 241, 242

398Grupo constituído por Alberto Curado, Joaquim Palminha, Luís Manuel de Moura Portugal Sobral, Joaquim Cleto,

Luís Benvindo e Fernando Lopes Gonçalves.

399 SANTOS, José Hipólito, 2011, Felizmente Houve a LUAR: Para a História da Luta Armada Contra a Ditadura,

2. O segundo fôlego: da Covilhã à fuga de Palma Inácio

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 157-164)