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Metodologia e Fontes

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 30-35)

Em termos de fontes recorreu-se à utilização de documentação escrita e de entrevistas orais. Na documentação escrita privilegiou-se a documentação elaborada pelas diferentes organizações de luta armada (panfletos, comunicados, jornais), a documentação encontrada nos arquivos pessoais e os processos existentes no Arquivo da PIDE/DGS, que se encontra na Torre do Tombo.

A utilização de fontes policiais, sendo incontornável para o período e tema em questão,

40BEBIANO, Rui, 2005, Contestação do regime e tentação da luta armada sob o marcelismo, in Revista Portuguesa de

História, Tomo 37, Coimbra .

41VIEGAS, Tereza, 1996, As Brigadas Revolucionárias: A Resistência Armada à Ditadura (1970-1974), in História

coloca várias dificuldades ao investigador. Sabe-se que a maioria dos interrogatórios policiais é feitos de perguntas e respostas imprecisas, frequentemente com lacunas e parcelas. Os autos de declarações não fornecem uma transcrição do que se passou no interrogatório, mas, são uma criação burocrática posterior. Não se pode esquecer que a maioria dos presos políticos foi sujeito a tortura física e psicológica que está ausente dos autos e que resistiam a dar dados concretos sobre a sua situação, procurando fugir à investigação e iludir responsabilidades. Por outro lado, a polícia omitia ou falsificava nos seus relatórios factos ou objectos da sua investigação de forma a extrair elementos de prova que pudessem sustentar uma condenação em tribunal e fornecer dados susceptíveis de proceder à investigação de outros indivíduos. Além disso, é preciso ter em conta que o conteúdo dos arquivos da PIDE/DGS reportam-se a acontecimentos recentes, encarados ainda de forma traumática pelas pessoas que os viveram ou pelos seus familiares. Portanto, apesar de ser uma documentação fundamental é de evitar considerar a exclusiva utilização desta documentação. É assim dever do historiador ter em conta todas as contingências da utilização das fontes policias procurando cotejá-las e compará-las com outras fontes escritas e/ou testemunhos orais.

A utilização da chamada história oral foi determinante para a elaboração deste trabalho. Devido à falta de documentação escrita produzida por estas organizações, sobretudo a LUAR e a ARA, e ao facto de grande parte dos protagonistas desta história ainda estarem vivos tornou-se fundamental o recurso às entrevistas orais.

Note-se que por história oral entende-se que é uma técnica específica de investigação, um modo de fazer pesquisa, um método e não uma disciplina particular42. O recurso a este método de pesquisa traz consigo um debate, ainda muito intenso no meio académico, sobre a conexão entre história e memória, a subjectividade e o estatuto destas fontes.

A história oral só começou a ganhar protagonismo a seguir à 2ª Guerra Mundial, apesar de o recurso a entrevistas orais já ser amplamente utilizado em outras disciplinas sociais como a sociologia e a antropologia. Os testemunhos orais têm adquirido centralidade na abordagem de temáticas para as quais escasseias fontes e no tratamento de objectos cuja especificidade exige uma particular atenção aos valores, atitudes e percepções dos actores históricos43. O debate sobre a objectividade deste tipo de fonte contínua muito presente. Segundo Irene Pimentel, o depoimento oral não constitui uma prova, embora possa contribuir para esta. O testemunho oral é dado sempre num tempo diferente daquele que actor viveu o acontecimento pelo que já o resultado de uma mediação e reflexão. A memória é selectiva e tem imperfeições, é condicionada pelo esquecimento e pela selecção das lembranças. Ao mesmo tempo, o testemunho oral é provocado pelo historiador

42NIETHAMMER, Lutz (1989), «Para qué sirve la historia oral», Historia y Fuente Oral, nº 2, pag. 13

que interroga a testemunha, em função de um saber prévio, e constrói a sua própria fonte com base numa narrativa que já foi por si previamente estabelecida44.

Por outro lado, nos últimos anos vários autores têm vindo a salientar as características específicas, as potencialidades e a subjectividade desta fonte, considerando que podem ser uma vantagem e não uma desvantagem epistemológica. É de referir os estudos pioneiros de Luísa Passerini sobre as comunidades operárias de Turim em que a autora enfatiza a intersubjectividade da fonte, considerando importante a construção dinâmica, múltipla, relacional e intersubjectiva que o sujeito faz do acontecimento; assim como realça a interpretação do historiador sobre a narrativa oral45.

Actualmente, a historia oral tem vindo a encarar a memória como um objecto de estudo considerando que a credibilidade da fonte não está no grau de exactidão do que é dito mas também no que é silenciado e que possibilita a análise do sentido dado aos acontecimentos. Segundo Miguel Cardina “Se é verdade que os testemunhos nos podem alertar para factos desconhecidos, eles permitem igualmente abordar temas como a subjectividade, a imaginação, o desejo, a estrutura da memória e a relação entre indivíduo e os contextos sociais, políticos, económicos e culturais que o circundam”46.

Apesar de todos os constrangimentos as entrevistas orais permitem colocar o historiador frente a frente com o protagonista da história e ainda que a memória seja um processo filtrado pelo tempo, reconstruída pelas vivências e passagem dos anos, a fonte oral é uma peça indispensável para os trabalhos históricos de épocas mais recentes e é incontornável no quadro do esforço da reconstituição histórica.

Utilizou-se também como material de análise a documentação produzida pelas próprias organizações, sendo de ressalvar a inexistência de documentação abundante deste tipo. A LUAR, sendo uma organização que tinha a sua base militante no exterior, sobretudo, em Paris e Bruxelas, e tendo como foco principal da sua atenção a acção directa e não a produção de matéria teórico- ideologico, não produz praticamente documentação, destacando-se sobretudo os comunicados e o jornal Fronteira, produzido e editado em França e dirigido aos emigrantes portugueses. Por seu lado, a ARA sendo uma organização clandestina e braço armado do PCP, apenas publica os seus comunicados e não há conhecimento de qualquer produção política e teórica. Outra documentação sobre a organização poderá existir nos arquivos do PCP mas como estes se encontram indisponíveis

44PIMENTEL, Irene, 2007, A historia da PIDE, Rio de Mouro, Circulo de Leitores

45ASSERINI, Luísa, 1984, Torino operaria e fascista, Roma/Bari, Laterza; PASSERINI, Luísa, 2003, Memoria e

utopia. Il primato dell’intersoggetività. Torino, Bollati Boringhieri

46CARDINA, Miguel, 2011, Margem de Certa Maneira: O Maoismo em Portugal (1964-1974), Lisboa, Tinta-da-China,

à consulta pública não foi possível aceder. As Brigadas Revolucionárias, por sua vez, vão dar origem ao PRP – Partido Revolucionário do Proletariado – pelo que se preocupam em ter uma produção teórica mais vasta. Esta documetação encontra-se disponível para consulta on-line, através do site da Fundação Mário Soares, que se tem preocupado em digitalizar e colocar à disposição o espólio de vários oposicionistas do Estado Novo.

Por outro lado, esta documentação é sempre marcadamente ideológica e propagandística, resultante de intenções muito específicas, constituindo discursos que deixam de fora por exemplo, quaisquer referências aos processos de discussão que conduziram a essas versões.

Além disso, é preciso referir que o facto de lidarmos com a escassez de fontes e de nos depararmos com a contingência de utilizar fontes muito diferentes para cada organização teve necessariamente efeitos na estrutura desta dissertação. Enquanto para a LUAR e a ARA utilizamos mais as fontes orais e produzidas pela PIDE/DGS, para os capítulos sobre o PRP/BR conseguimos trabalhar com uma maior produção teórica.

Importante foi também a consulta de fontes impressas, nomeadamente os jornais clandestinos que circulavam em Portugal na época e os periódicos das organizações de esqueda radical que existiram em Portugal entre 1967 e 1974: Avante! (PCP), Militante (PCP), Portugal

Livre (FPLN), JAPPA (boletim da Junta de Acção Patriótica dos Portugueses na Argélia), Liberdade

(órgão da FPLN), Passa-Palavra (órgão dos militares da FPLN), A Arma Crítica (FPLN),

Revolução Popular (CMLP), Revolução Portuguesa (Grupo Revolucionário Português de

Libertação), O Proletário (CMLP), O Comunista (CMLP), Unidade Popular (CMLP), Estrela

Vermelha (CMLP), Viva o Comunismo (CCR’S), Bandeira Vermelha (MRPP), Folha Comunista

(URML), Bolchevista (grupo O Bolchevista), Grito do Povo (Grupo o Grito do Povo), Guerra

Popular (Comités Guerra Popular).

No Centro de Documentação 25 de Abril encontram-se espólios de oposicionistas que viveram grandes períodos no exílio e que integram notas manuscritas tomadas em reuniões, sistematização de ideias, minutas de documentos, correspondência e outros documentos que se tornam fundamentais para aprofundar as actividades referentes às oposições Apesar de, nem sempre, estes espólios pertencerem a militantes das organizações armadas, foram fundamentais para compreender os debates que se realizavam sobre a questão da violência politica no seio da oposição portuguesa.

6. Estrutura

Consideraram-se cinco capítulos na estrutura da dissertação. O primeiro procura contextualizar as principais mudanças ocorridas no mundo durante os “longos anos 60” e o seu impacto em Portugal,

destacando a questão da violência política que emergiu nesta altura em Espanha, França, Itália e Alemanha. Pretende-se traçar o quadro que levou a que nestes países, no final dos anos 60, surgissem organizações que se reivindicavam de esquerda, que defendiam o recurso à luta armada para lutar contra o que consideram ser o autoritarismo do Governo, a sociedade de consumo, a injustiça social, sendo que, no caso espanhol e com a ETA, a questão social se entrelaça com a questão nacional pela independência do Pais Basco.

No segundo capítulo analisa-se a radicalização da contestação ao Estado Novo, a partir das eleições de 1958, e situa-se o debate sobre o recurso à luta armada neste contexto. Procura-se, também, compreender a cisão do PCP que deu origem ao aparecimento da FAP e as discussões e cisões que irão ocorrer dentro desta última organização em torno da questão da luta armada.

Nos três últimos capítulos, abordam-se as organizações que realizaram efectivamente acções armadas em território português – a LUAR, a ARA e as BR. Nestes capítulos procurar-se-á traçar os antecedentes de cada uma das organizações; descrever sucintamente as suas acções; analisar a sua estrutura e formas de operacionalização; compreender a forma como a repressão da PIDE/DGS e do Governo afectou cada uma delas.

A conclusão, procura sistematizar de modo articulado como se colocou e que efeitos teve o recurso á violência revolucionária por parte dos sectores mais radicalizados das oposições ao Estado Novo.

Capítulo I

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 30-35)