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De O Comunista à OCMLP

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 129-134)

Das eleições de 1958 à herança “fapista”

3. A herança fapista

3.2. De O Comunista à OCMLP

O processo de luta interna que se vinha desenvolvendo no CMLP origina um conjunto de dissidências e abandonos que, nesta fase, culminam precisamente na 2ª Conferência. No novo ciclo que se abre, há um veio diferenciador, entre o sector politicamente vencido, que se vai, em grande parte, reagrupar numa nova organização – O Comunista e a nova direcção saída da 2ª Conferência.

Hélder Costa, considerado justamente como o principal impulsionador desta nova organização que se estrutura em função de uma publicação com o mesmo nome, consegue reunir alguns dos elementos que haviam pertencido à Direcção do CMLP eleita na 1ª Conferência, bem

265Comité Marxista-Leninista Português, “Resoluções da 2ª Conferência do CMLP”, in Estrela Vermelha, nº1, Janeiro

de 1969, p. 5 a 14

266Comité Marxista-Leninista Português, “Resoluções da 2ª Conferência do CMLP”, in Estrela Vermelha, nº1, Janeiro

como militantes não organizados que pertenciam, ou haviam pertencido, ao PCP, principalmente de Grândola, de onde era originário.

Seriam inicialmente cerca de dez elementos, dispostos a polarizar gente que se identificava com a esquerda radical, militando ou não em organizações políticas. O grupo começou a editar, em Dezembro de 1968, o jornal O Comunista, do qual saíram catorze números267. Mantinham alguns contactos com o interior, quer por esta via, quer pela actividade que Hélder Costa havia desenvolvido antes de se exilar em Paris. Apesar de ser normalmente referido que foi em Paris que se fez a reunião fundadora de O Comunista, José Alberto e a sua companheira Lina, membros fundadores de O Comunista, referem que esta se realizou na Galiza e que participou também a companheira de Hélder, Martine, muito activa na solidariedade com os desertores exilados268.

O Comunista apresentava uma estrutura federal na qual os núcleos que se iam constituindo tinham uma grande autonomia, servindo o jornal como o elo de ligação entre eles. Desta forma, rejeitavam o centralismo democrático que era defendido intransigentemente pelo CMLP e não se viam como vanguarda mas como organizador e coordenador de vários núcleos independentes que seguiam uma linha geral política e ideológica comum. O grupo conseguira, mercê dos contactos mantidos, alguma implantação no interior entre o meio estudantil, mas também operário269.

Entre 1972 e 1973 foram presos vários indivíduos acusados de pertencerem a esta organização. Cinco deles, por exemplo, presos em 1973, eram oficiais milicianos, acusados de promover cursos de manuseamento de armas e explosivos, de incitar os soldados à deserção, de promover um grupo de estudos sobre o movimento associativo e auxilio à emigração clandestina, de realizar acções de propaganda contra o regime e a guerra colonial270.

A questão da luta armada esteve sempre presente na formação da organização que defendia abertamente a luta armada, ainda que não tivessem conseguido efectuar alguma acção. No primeiro número de O Comunista, é especificado que “a nossa ideologia não existe se não desencadearmos a luta armada. É na prática que se vê a verdade ou a mentira de uma teoria. Para nós, a violência da luta de massas e a passagem à luta armada (forma superior da luta de classes) são parte integrante do que pensamos. Assim, como a ditadura burguesa se impõem pela violência, a ditadura do proletariado só poderá triunfar pela violência”. Sublinham ainda que a linha de acção da organização é: “organizar e consciencializar a classe operária e posteriormente lançar a acção violenta nos locais de trabalho, nos campos, etc. - sempre feita pelos trabalhadores e no meio dos trabalhadores. Essa acção violenta irá, por sua vez, consciencializar e chamar à luta outros

267Entrevista a Hélder Costa, Lisboa, 31 de Julho de 2012

268Entrevista José Alberto e Lina Alberto, Vila d'Alva, 13 de Setembro de 2012

269Entrevista a Hélder Costa, Lisboa, 31 de Julho de 2012

trabalhadores até aí adormecidos pela dominação burguesa” 271. Para O Comunista, o problema colocava-se ao nível da articulação entre a luta de massas, que teria de ser organizada por um partido “marxista-leninista”, e a acção armada, que seria executada por operários e camponeses, actuando na cidade e no campo.

A atenção prestada à formação política e ideológica dos militantes e o aprofundamento das questões doutrinárias permitiria evoluir de uma fase inicial marcada por um certo eclectismo, pois era a fase dos primeiros contactos e recrutamentos, e de formação de núcleos, a par de uma maior definição ideológica à luz dos cânones marxistas-leninistas, principalmente, a partir de 1970; o que levou ao abandono de alguns grupos. Um destes grupos radicado na Suíça, que editava o jornal A

Voz do Povo, foi criticado por não defender a linha sindical clandestina, por editar um cartaz

“derrotista” sobre a guerra colonial e por defender o “guevarismo”272.

No fundo, sem abandonarem completamente as concepções de luta armada, tornavam mais claro que essas acções deviam assentar nas massas e ser uma iniciativa das massas, sendo para o efeito fundamental a criação de um partido revolucionário baseado no que designariam como a “aliança operário-camponesa”. O problema passava, pelo menos teoricamente, por colocar a organização do partido como a tarefa mais urgente, ressalvando sempre que se a luta se agudizasse os militantes da organização deveriam estar “no seio das massas, sempre aprendendo na prática” nunca se escudando atrás de “justificações teóricas” mas “lutando aberta e corajosamente”273.

Em finais de 1972, O Comunista funde-se com a organização O Grito do Povo, criando a OCMLP – Organização Comunista Marxista-Leninista Portuguesa.

O Grito do Povo tinha sido criado no Porto, em finais de 1969, ainda sem essa designação, resultante, sobretudo do incremento de uma certa actividade à esquerda do PCP, desenvolvida, desde o ano anterior, entre a juventude. São sectores em discordância com o Partido Comunista em matérias como as formas de luta da oposição, e o combate à guerra colonial, já que defendiam a deserção, e assentavam as suas concepções em novos paradigmas culturais que se distanciavam dos do PCP. Durante a campanha para as eleições de 1969 estas divisões acentuam-se com estes novos sectores a defenderem a radicalização da luta política e a não ida às urnas para não compactuar com a fraude eleitoral manipulada pelo do regime. Neste contexto, estes novos sectores vão começar a agrupar-se em torno de jornais e cooperativas culturais, como é o caso da Cooperativa Confronto e da publicação Cadernos Necessários.

Entre 1969 e 1970 começa-se a estruturar O Grito do Povo, propriamente dito, a partir de

271“A luta Armada”, O Comunista nº 1, Dezembro de 1968

272CARDINA, Miguel, 2011, Margem de Certa Maneira: O Maoismo em Portugal (1964-1974), Lisboa, Tinta-da-

China, p. 141

um sector ligado ao movimento estudantil, os chamados Comités de Base, e outro relacionado com o sector operário. José Manuel Penafort Campos, era responsável pelo sector operário e fazia a ligação com Pedro Baptista, responsável pelo sector estudantil. A organização foi mantida clandestina, para não sofrer infiltrações e defender-se melhor da repressão policial

A primeira manifestação pública de O Grito do Povo é um manifesto a convocar uma manifestação no Porto para o 1º de Maio de 1971. No final desse ano foi realizada uma reunião em Barroselas, concelho de Viana do Castelo, destinada a constituir a primeira direcção, que ficou composta por Pedro Baptista, António Pedro Abecassis, Rui Loza, Francisco Morais e José Manuel Penafort Campos274. Em Dezembro desse ano, foi publicado o primeiro número de O Grito do

Povo, que se designava a si próprio como “jornal operário comunista” e distinguia-se pelo seu estilo

informal, pela atenção dada à luta anticolonial e às lutas económicas e por um certo ecletismo, saudando o aparecimento de outras organizações, de outros jornais e noticiando as acções armadas levadas a cabo pelas Brigadas Revolucionárias.

O Grito do Povo, procurou alargar a sua implantação operária, enviando militantes jovens, sobretudo estudantes, para trabalhar nas fábricas ou viver em zonas carenciadas com o intuito de fazer trabalho político. Houve também casos de operários politizados que fizeram trabalho de implantação noutras empresas. Estes quadros eram também alimentados por desertores e por militantes de O Comunista que vinham do exterior directamente para a implantação nas fábricas, ainda antes da união formal com O Grito do Povo. O objectivo político desta implantação era a formação de células da OCMLP, designadas por Comités Operários275. Esta ideia de implantação no proletariado esteve sempre presente na organização desde a sua formação

Os contactos de O Comunista com o que viria a ser O Grito do Povo, começaram ainda em 1969, mas apenas no ano seguinte é que começou a cooperação formal entre as duas organizações, que se fazia sobretudo ao nível da partilha de informações, difusão de propaganda e discussão ideológica. Esses contactos estabeleciam-se através de militantes do futuro O Grito do Povo que conheciam Hélder Costa e que se deslocam a Paris para aprofundar os contactos. Em 1971, alguns membros de O Grito do Povo vão para o exterior, o que permite estreitar as relações entre as duas organizações, que se vai traduzir também na decisão de O Comunista formar uma Comissão do Interior, consolidando esta parceria276.

Este processo levou a uma discussão centrada em torno do centralismo democrático. Os núcleos Maria Albertina e Revolução Popular, por exemplo, defendiam a autonomia política e

274CARDINA, Miguel, 2011, Margem de Certa Maneira: O Maoismo em Portugal (1964-1974), Lisboa, Tinta-da-china,

p. 210-215

275Sobre a questão da “implantação” cf: CARDINA, Miguel, 2011, Margem de Certa Maneira: O Maoismo em

Portugal (1964-1974), Lisboa, Tinta-da-china, p. 210-215

organizativa e a criação de uma comissão de delegados que deveria funcionar como elo de ligação entre os núcleos, devendo, quando necessário, tomar decisões, mas sempre por unanimidade. Porém, à medida que O Comunista foi avançado no sentido do centralismo, estes núcleos acabaram por ser expulsos277.

Em finais de 1971, inícios de 1972, O Comunista cria um conjunto de Comissões - de imprensa, de agitação, de propaganda, do exterior, do interior, de fundos e documentação, - que deveriam permitir centralizar a tomada de decisões.

Em finais de 1972, é formalmente criada a OCMLP, sendo em Janeiro seguinte eleito um Comité do Exterior de Apoio, identificando-se, a partir de Março de 1973, O Grito do Povo como órgão central da OCMLP. A nova organização prosseguiu o trabalho de implantação, sobretudo nas grandes fábricas, considerando que “é na luta de massas nas fábricas, na politização dos sectores mais avançados das massas que se forma hoje uma nova geração de quadros comunistas”278, e apoiou como pode várias greves, como por exemplo, a da Grundig de Braga, em Fevereiro de 1972, ou a dos pescadores de Matosinhos e da Afurada nos primeiros meses de 1973279.

A 16 de Abril de 1973, Pedro Baptista foi preso no posto da DGS de Vila Verde da Raia, quando regressava de uma estadia de 15 dias em Paris para ultimar a fusão de O Comunista com O Grito do Povo. Em finais de 1973, e estando Pedro Baptista preso, a estrutura da OCMLP sofre alterações, tendo sido cooptados para a direcção José Queirós, que fazia a ligação com o Comité Pró-Partido do Centro e José Oliveira, que fazia a ligação com o Comité Pró-Partido do Minho.

Nesta altura desenvolvem-se as lutas ideológicas dentro da organização, que passavam, essencialmente, por uma discussão sobre o que deveria ser a intervenção em meio sindical. Já tinha sido criada a Organização Sindical Vermelha, em Maio de 1973, uma estrutura clandestina dos Comités Operários e agora a discussão consistia em saber se deveria armar os Comités Operários e lançar acções de guerrilha ou organizar lutas nas fábricas e formar quadros comunistas. Era o confronto entre duas linhas: a luta de massas e a linha da guerrilha.

Este confronto passa também por uma luta pelo poder entre “Quim” (Rui Loza) e “Matos” (Francisco Morais), defendendo o primeiro uma linha mais “economicista” e o segundo o “guerrilheirismo”. Em torno de “Matos” e de “Viriato” (Nuno Morais), constituiu-se o chamado “grupo de revolução cultural” e apoiados no Comité pró-Partido do Centro, do qual os dois faziam parte, procuraram formar uma direcção provisória280. Esta luta entre as linhas “economicistas” e

277CARDINA, Miguel, 2011, Margem de Certa Maneira: O Maoismo em Portugal (1964-1974), Lisboa, Tinta-da

China, p. 210-215

278“Editorial”, O Grito do Povo nº 17, Setembro de 1973, p. 1

279“Solidariedade”, O Grito do Povo nº 14, Junho de 1973, p. 11

280CARDINA, Miguel, 2011, Margem de Certa Maneira: O Maoismo em Portugal (1964-1974), Lisboa, Tinta-da-china,

“guerrilheiristas” já vinha desde 1972 mas a prisão de Pedro Baptista, na prática o chefe da organização O Grito do Povo, potenciou o agravar dos conflitos internos e a disputa pelo poder.

Em Abril de 1974, a direcção executiva é chamada para um encontro e os elementos afectos à linha economicista são presos e neutralizados durante alguns dias, passando o grupo ligado a “Matos” e a “Viriato” a agir como a nova direcção. É o chamado golpe “Matos-Viriato”. Porém, após o 25 de Abril, na sequência da realização da I Conferência Nacional, estes são expulsos da organização, triunfando aparentemente a linha “economicista”.

3.3. A incapacidade do movimento marxista-leninista pós-FAP de lançar acções

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 129-134)