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Criar bases no interior e dinamizar o exterior

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 179-182)

Capítulo III A LUAR – Três fôlegos

3. O terceiro fôlego: da fuga de Palma Inácio à agonia da LUAR 1 O impacto do marcelismo

3.3. Criar bases no interior e dinamizar o exterior

Como já vimos, com a chegada de Palma Inácio à organização, de que sempre fora líder, deram-se novas mudanças de orientação. No entanto, algumas das directrizes definidas pela anterior direcção continuaram a ser seguidas. Entre estas, destaca-se a “implantação” de células da LUAR no interior do país para preparar o aparelho logístico da organização, fazer treino militar e planear novas acções.

Em finais de 1971, sob o impulso de Joaquim Alberto Simões, foram enviados para Portugal alguns jovens militantes, para fazer a tropa, treinar, recolher informações e recrutar novos elementos. Era o retomar da ideia que deviam vir para o interior jovens que ainda não tivessem feito o serviço militar e, como tal, podiam entrar e movimentar-se livremente pelo país. Seria ainda uma forma de obter treino militar, indispensável aos militantes de uma organização armada. Ao mesmo tempo, deveriam recrutar novos elementos para a organização e estudar a possibilidade de futuras acções. Depois de feito o serviço militar, deveriam desertar antes de serem enviados para as colónias. Porém, a maioria destes militantes, sem grande preparação, enquadramento e apoio, acabaria por ser presa, antes de conseguir desertar e chegar ao estrangeiro, sendo enviados para a frente de guerra451.

A partir de 1972, houve uma nova tentativa de dar uma maior consistência organizativa e ideológica à organização, sobretudo com a chegada à LUAR de muitos jovens politizados, que tinham saído de Portugal para fugir à guerra colonial, que sentiam necessidade de maior consistência ideológica. Aos poucos voltou a haver uma separação entre a dimensão política e a militar452.

A nova orientação da LUAR iria passar pela intensificação dos contactos no interior do país, nomeadamente com o sector dos católicos progressistas, através de Luís Moita, ex-padre e professor no Seminário dos Olivais, onde tinha sido professor de Joaquim Alberto Lopes Simões e Nuno Teotónio Pereira, reconhecido católico oposicionista. Os católicos progressistas irão formar o núcleo logístico de apoio da LUAR no interior do país. Eram eles que acolhiam, escondiam a asseguravam a circulação dos militantes da organização que vinham do estrangeiro, do mesmo modo que transportavam e escondiam o armamento trazido do estrangeiro ou obtido no interior453.

No exterior, a LUAR começou também a orientar a sua acção junto da emigração

451Entrevista Joaquim Alberto Lopes Simões, Riachos, 15 de Julho de 2012

452Entrevista Joaquim Alberto Lopes Simões, Riachos, 15 de Julho de 2012

económica, procurando sensibilizar os emigrantes para a luta contra a ditadura em Portugal e em defesa dos seus direitos nos países de acolhimento. Para isto, muito contribuiu a fundação do jornal

Fronteira, em Julho de 1973. Inicialmente, dirigido por Joaquim Alberto Lopes Simões, era

redigido em Bruxelas, no entanto, a necessidade de estar mais próximo do local onde era impresso levou a que a redacção passasse para Paris, passando a ter como director Fernando Pereira Marques, estudante de sociologia na Sorbonne, que tinha sido preso durante a Operação Matias e condenado a três anos de prisão.Contudo, o director oficial era François Houtart, padre e sociólogo marxista belga que tinha participado como perito no Concílio do Vaticano II. Esta situação devia-se à necessidade de manter no desconhecimento da PIDE e do governo português a verdadeira direcção do jornal. Fernando Pereira Marques refere que, em Paris, o director oficial era Pierre Vidal-Naquet, historiador e intelectual francês de origem judaica que tinha participado na resistência francesa aos nazis454.

O principal objectivo do jornal era “informar quanto se passa em Portugal, nos países em que trabalhamos, no mundo inteiro” para “que todos quantos lutam e trabalham por uma sociedade nova, onde seja possível viver feliz, possam dizer livremente o que pensam”. Através do jornal também pretendiam “colaborar na organização da luta do povo português.”455 Em todos os números do jornal até Abril de 1974, foram noticiados os principais acontecimentos políticos portugueses, sendo dada especial atenção ao movimento grevista. Era também denunciada a repressão no país, as sucessivas prisões pela PIDE/DGS e era manifestada solidariedade às lutas prisionais, designadamente à greve de fome dos presos políticos da esquerda radical na cadeia de Peniche. Foi prestado acompanhamento especial às eleições de 1973, tendo sido publicados os comunicados do PS e do PCP(m-l) sobre estas eleições, numa preocupação plural assinalável456. O tema da guerra colonial estava presente em todos os números, através de uma secção especial com notícias sobre a guerra e entrevistas aos líderes dos movimentos de libertação, designadamente a Agostinho Neto e Marcelino dos Santos, entre outros. À denúncia do massacre de Wiriyamu, perpetrado pelas tropas portuguesas, em Moçambique, foram dedicadas três páginas, com um artigo significativamente intitulado “Governo com mãos sujas de sangue”457. Os problemas da imigração reflectiram-se também nas páginas do jornal, sendo dedicada particular atenção aos problemas que os imigrantes enfrentavam nos países de acolhimento. Verifica-se a existência de notícias frequentes sobre as condições de vida nos bairros de lata, a dificuldade no acesso a cuidados de saúde e à segurança social, a subida do custo de vida e o racismo contra os imigrantes.

454Entrevista a Fernando Pereira Marques, Lisboa, 26 de Setembro de 2012.

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Editorial “Mãos à Obra”, Fronteira, nº 1, Julho de 1972, p. 1

456 Fronteira, nº 4, Outubro de 1973, p. 6 e 7

457

A LUAR pretendia que o jornal fosse um ponto de encontro de diferentes pessoas e correntes de opinião. A sua redacção integrava elementos que não pertenciam à organização. De acordo com Fernando Pereira Marques, escreviam no Fronteira militantes da ASP/PS, como Mário Barroso, ou independentes como Manuel Villaverde Cabral e Fernando Medeiros, que haviam animado os Cadernos de Circunstância.

A grande aceitação do jornal dento da comunidade emigrante portuguesa fez com que os elementos ligados ao PS começassem a querer publicar artigos políticos, marcadamente socialistas, que foram sempre rejeitados pelo Conselho de Redacção458 e que levou a uma clarificação sobre a sua linha editorial, no número quatro:

“Porque FRONTEIRA [maiúscula no original] quer ser, na realidade, um jornal ao serviço dos trabalhadores, não ao serviço dos partidos. E nele são benvindos todos os que estão dispostos a defender intransigentemente os interesses dos explorados. Mas nós não somos mais um jornal só “anti-fascista”. Nós não preconizamos a construção em Portugal de um governo de burgueses “democratas” que permita grandes discursos na Assembleia a partidos ditos “dos trabalhadores”, enquanto eles continuam a acumular lucros a reprimir e a matar sem hesitações quando se sentem em perigo. Nós defendemos a necessidade da conquista do poder pela classe trabalhadora organizada revolucionariamente, para que empreenda logo a construção do socialismo, não se deixando enganar pelos “democratas” que lho prometem trazer “um dia” numa bandeja feita de votos. Os trabalhadores só podem contar consigo mesmo, com a sua força, organização e decisão. Por tudo isto, não nos cansaremos de pedir a ajuda e a participação de um leitor que trabalha: escrevendo artigos, sem recear não saber escrever como um “doutor”, pois decerto que tem mais coisas a dizer do que muita gente carregada de diplomas; criticando-os sem hesitação; dando sugestões; discutindo com os companheiros da fábrica e da oficina o que escrevemos. Só assim conseguiremos fazer o jornal que ambicionamos.”459

Estava assim definido que o jornal não seria o órgão oficial ou oficioso de qualquer partido político. Ao mesmo tempo, esclarecia-se que a LUAR continuava a ser uma organização revolucionária que acreditava que o derrube da ditadura só podia ser conduzido pelas massas trabalhadoras “organizadas revolucionariamente” e nunca através de forma pacífica através de eleições.

Depois de impresso, o jornal era enviado para países onde havia significativas comunidades de emigrantes portugueses, como a França, Bélgica, Holanda, Inglaterra, Suécia e Argélia, onde eram distribuídos ou vendidos por militantes ou simpatizantes da organização.

A acção da LUAR nestes anos de 1972-1974 também passou pela dinamização cultural. Militantes seus procuraram manter-se activos nas várias cooperativas e centros culturais que se iam formando ou que já existiam em vários países europeus. A ideia era que estas cooperativas culturais se transformassem em locais de formação política dos emigrantes portugueses além da vertente

458 Entrevista Fernando Pereira Marques, Lisboa, 26 de Setembro de 2012

cultural que podia e devia estar-lhe associada460. Assim, acabariam por se transformar em centros de recrutamento e de divulgação das acções e ideias da LUAR e tornavam-se também pontos de logístico e operacional da organização. Havia cooperativas culturais dinamizadas por militantes da LUAR na França, Bélgica, Alemanha, Holanda e Suécia, países onde a LUAR tinha um grande apoio e um número significativo de militantes461.

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 179-182)