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Operação Mondego: Obtenção de fundos

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 146-156)

Capítulo III A LUAR – Três fôlegos

1. O primeiro fôlego Das Origens à Covilhã

1.1. Operação Mondego: Obtenção de fundos

Entre Fevereiro e Maio de 1967, Palma Inácio, Camilo Mortágua, António Barracosa, Carlos Biló Pereira e Ângelo Cardoso estiveram clandestinamente em Portugal para escolher a agência bancária a assaltar, que tinha de reunir um conjunto de condições para a operação ser bem sucedida – deveria situar-se numa localidade pequena, mas ter bastante movimento e entrada de capital e proporcionar uma retirada fácil320. A escolha recaiu sobre a agência do Banco de Portugal da Figueira da Foz, que foi assaltada a 17 de Maio de 1967.

Os cerca de três meses passados em Portugal foram igualmente aproveitados para proceder a contactos políticos com vista ao alargamento da organização ou, pelo menos, para angariar apoio financeiro e logístico321. António Matias já tinha formado núcleos de apoio em Lisboa, Alhos Vedros e Algarve mas, muito doente, internado no Hospital do Rego, transmitiu esses contactos a António Barracosa e a Palma Inácio, pois era fundamental estabelecer uma ligação regular e discutir sobre os objectivos da nova organização em preparação322. Camilo Mortágua foi incumbido desta tarefa. Reuniu em Alhos Vedros, onde procurou explicar o que a organização pretendia - desencadear acções de sabotagem que provocassem danos no regime. Porém, a explicação não era pacífica e alguns elementos deste núcleo deslocaram-se por sua iniciativa a Paris para obter mais informações e procurar esclarecer dúvidas que persistiam sobre os objectivos e o programa político

318Entrevista a Camilo Mortágua, Alvito, 3 de Outubro de 2012

319SANTOS, José Hipólito, 2011, Felizmente houve a LUAR. Para a história da luta armada contra a ditadura, Lisboa,

Âncora Editora, pág. 49

320Entrevista a Camilo Mortágua, Alvito, 3 de Outubro de 2012

321Entrevista a Camilo Mortágua, Alvito, 3 de Outubro de 2012

da organização, inclusivamente sobre a Operação Mondego, que estava em andamento, tendo decidido afastarem-se da organização por considerarem que não dava garantias de fiabilidade. 323

O grupo ligado a Palma Inácio decidiu continuar com o seu plano de assalto à agência bancária. Depois de escolhida a agência bancária a assaltar foi estudado o plano de fuga. Palma Inácio e António Barracosa estudaram a possibilidade de utilizar o aeródromo de Cernache para tal efeito. Palma Inácio visitou, várias vezes, o local, apresentando-se como arqueólogo, para estudar a região. Munido assim de uma insuspeita câmara de filmar, foi-lhe possível sobrevoar a região e, ao mesmo tempo, ganhar a confiança do pessoal do aeródromo. O plano de retirada, depois do assalto, consistiria então em aceder ao aeródromo de carro, voar daí até ao Algarve em avioneta, onde seriam esperados, para serem conduzidos até à fronteira, que transportariam a pé. O plano do assalto implicava também o corte da ligação telefónica da Figueira da Foz ao resto do país. Além disso, alugaram carros para transporte dos operacionais e assaltaram um motorista de táxi, apropriando-se do seu bilhete de identidade e carta de condução.

Às 15h55m do dia 17 de Maio de 1967, um carro parou em frente da porta do banco, Palma Inácio tomou a dianteira, Luís Benvindo posicionou-se na porta, do lado de dentro, para não deixar entrar ou sair mais ninguém e Ângelo Cardoso ficou no carro324. Palma Inácio, já no interior do banco, anunciou a natureza da operação. Todos os funcionários e os poucos clientes foram colocados no WC e fechados à chave e um dos gerentes foi pressionado a abrir o cofre-forte. Porém, houve um contratempo inesperado, a abertura deste exigia duas chaves, uma das quais na posse de um segundo gerente que naquele momento não se encontrava no banco. Palma Inácio, calmamente, decidiu esperar pelo regresso deste, para surpresa de Camilo Mortágu325. Minutos depois, quando o segundo gerente chegou, foi então possível abrir o cofre-forte e encher com dinheiro os três sacos que tinham levado. Os dois gerentes foram fechados no cofre-forte e foi imposto o silêncio total a todos os reféns até às 18 horas, mesmo que conseguissem libertar-se. Foi- lhes dado a entender que sabiam as moradas das escolas dos filhos dos gerentes e que algo podia acontecer a estes, caso fosse dado o alarme mais cedo326. A operação que tinha sido concebida para demorar três minutos acabou por demorar meia hora. No percurso para Cernache esconderam um dos sacos com dinheiro num pinhal próximo de Alhadas de Cima, pois o peso do dinheiro dificultava a marcha do carro pelas ruas estreitas que ligavam a Figueira da Foz a Cernache.

323IAN/TT - PIDE/DGS, pr. 2133/67 SC PC, U.I. 5982, 1º Vol, – Auto de Declaração de Norberto Cunha, 10 de Outubro

de 1967, fls. 57 a 63

324IAN/TT – PIDE/DGS, Pr. 9712 SC CI(2), U.I: 7572 – Relatório da PIDE sobre o assalto à agência do Banco de

Portugal na Figueira da Foz, 25 de Março de 1968, fls 319-320

325Entrevista a Camilo Mortágua, Alvito, 3 de outubro de 2012

326IAN/TT – PIDE/DGS, Pr. 9712 SC CI(2), U.I: 7572 – Relatório da PIDE sobre o assalto à agência do Banco de

Palma Inácio tinha dado indicações no aeródromo para prepararem uma avioneta Auster de quatro lugares, com o depósito cheio, pois ia proceder a mais uma das suas investigações. Isso permitiria cinco horas de voo, ou seja, se necessário alcançar o Norte de África. No aeródromo, o pessoal foi todo amarrado mas aconteceu um novo contratempo: a mulher do guarda tinha uma criança de colo e necessitava de aquecer o biberão para lhe dar leite. Palma Inácio, num gesto inesperado, deixa-a aquecer o biberão e alimentar a criança antes de os fechar, atrasando mais uma vez a missão327.

O voo para o Algarve demorou duas horas e aterraram em Vila do Bispo, uma pequena vila piscatória algarvia, longe da fronteira espanhola. A escolha de Vila do Bispo para local de aterragem corresponde ao propósito de iludir a polícia com pistas falsas. Ao aterrar aqui, davam a impressão que a fuga de Portugal seria por barco, com o objectivo de alcançar o Norte de África, possivelmente a Argélia, onde estava localizada a FPLN, insinuando à PIDE que a organização era um braço armado da FPLN328. Ao mesmo tempo, favorecia a ideia de que se o meio de saída do país fosse por via terrestre, aterrar em Vila do Bispo não conferia verosimilhança a esse hipótese, dadas as distâncias a percorrer e a existência de locais para esse fim mais perto da fronteira.

Aguardados por um automóvel em Vila do Bispo, seguiram daí para um local junto à praia da Luz, perto de Lagos, de onde saiam muitos barcos de pesca para águas marroquinas. Aqui, esperava-os António Barracosa que os transportou por estradas do interior do Algarve até à fronteira de Mértola, onde Carlos Biló Pereira os passou a pé para Espanha, onde eram esperados por dois carros vindos de Paris que os transportaram até aos Pirenéus, que passaram a pé, carregando os sacos com o dinheiro às costas329. A 20 de Maio chegaram a Paris. O êxito da primeira acção do que viria a ser a LUAR tinha sido total. Só então procederam à contagem do dinheiro roubado, que totalizava 29 274 contos, um valor muito elevado para a época e que ultrapassava as suas projecções330.

No seu primeiro comunicado, a LUAR menciona o objectivo da operação e onde seria gasto o dinheiro roubado: “Esta operação, preparada minuciosamente e realizada com uma coragem exemplar, teve como objectivo a recuperação de bens pertencentes ao Povo Português. Estes bens serão utilizados no financiamento da organização e preparação do movimento revolucionário que porá termo definitivamente ao despotismo Salazarista”331.

327Entrevista a Camilo Mortágua, Alvito, 3 de outubro de 2012

328IAN/TT – PIDE/DGS, Pr. 9712 SC CI(2), vol. 1, U.I: 7572 – Relatório da PIDE sobre o assalto à agência do Banco

de Portugal na Figueira da Foz, 25 de Março de 1968, fls 319-320

329SANTOS, José Hipólito, 2011, Felizmente houve a LUAR. Para a história da luta armada contra a ditadura, Lisboa,

Âncora Editora, p.151-152

330Este valor equivaleria a cerca de 7,8 milhões de euros.

331IANTT/PIDE-DGS – Pr.8259 SC CI(2). UI: 7519-7521, Pt.3 “Comunicados”, Comunicado Ao Povo Português, fls.

Mas, as autoridades portuguesas ordenaram que fosse retirada de circulação toda a série das notas a que pertenciam as que tinham sido desviadas através do assalto, o que significava impossibilitar a utilização directa da maior parte desse dinheiro. Ficavam apenas disponíveis para circulação 4774 contos de notas válidas332, o que, ainda assim, representava um valor muito acima das expectativas traçadas.

Emídio Guerreiro, em Paris, não tinha conhecimento do plano concreto, mas ao ouvir as notícias do assalto percebeu quem era os seus autores e quais as suas finalidades, por isso, decidiu ir falar com Marcel Nederlang, jornalista do Le Monde, contando-lhe o que sabia e conseguindo assim publicitar o assalto como uma acção política, revolucionária, contra o regime português. No entanto, era preciso dar um nome à organização. Emídio Guerreiro, num momento de inspiração poética, deu-lhe o nome de LUAR – Liga de União e Acção Revolucionária. Na edição de 20 de Maio, o Le Monde veiculava a informação da autoria do assalto333.

Nascia a LUAR e ficava definitivamente para trás a Acção Revolucionária Democrática. A nova organização ficaria para sempre indelevelmente ligada ao assalto ao Banco da Figueira da Foz.

Em Portugal, apesar da censura, os jornais noticiaram a acção, dando especial destaque ao facto de um grupo ter conseguido entrar num banco em plena luz do dia, conseguido retirar milhares de contos e pôr-se em fuga, primeiro num carro até ao aeródromo de Cernache, onde se apoderaram de um pequeno avião que os transportou até Vila do Bispo, onde se lhes perdeu o rasto. Os jornais deduziram que eles teriam saído do país de barco, uma vez que Vila do Bispo fica muito próximo do mar, e que teriam ido para Marrocos334.Mas, na realidade, de Vila do Bispo cruzaram o Algarve de carro e atravessaram a fronteira a pé, ajudados por Carlos Biló Pereira, que, apesar de viver em França, conhecia bem a zona como “passador” de emigrantes clandestinos335.

A notícia rapidamente se espalhou pelo país e pelas comunidades de portugueses exilados. Esta operação era semelhante, pela audácia e pela espectacularidade, ao desvio do avião da TAP. Instalava-se a convicção nestes meios de que se tratara efectivamente de uma acção política336. Mais, representava uma nova e distinta forma de combater o regime.

A PIDE foi apanhada de surpresa e só a 18 de Maio é que indagaria o seu informador nos meios oposicionistas exilados em Paris. “Arcos”, era esse o seu pseudónimo, atribuiria o assalto à FAP337. Foram precisos ainda mais alguns dias para que, a 22 de Maio, a polícia política recebesse

332Este valor equivaleria a cerca de 1264 milhões de euros.

333SANTOS, José Hipólito, 2011, Felizmente houve a LUAR. Para a história da luta armada contra a ditadura, Lisboa,

Âncora Editora, p.. 50, 51

334“Foi assaltada, à mão armada, na Figueira da Foz, a agência do Banco de Portugal”, Diário de Notícias, 10 de Maio de 1967, p. 5

335Entrevista a Camilo Mortágua, Alvito, 3 de outubro de 2012

336

IAN/TT – PIDE/DGS, Pr. 9712 SC CI(2), U.I: 7572 – Informação da PIDE sobre a actividade da LUAR em França, 13 de Dezembro de 1967, fls. 475 a 480

337

uma carta anónima, referindo que os assaltantes pertenciam a um grupo dirigido por Emídio Guerreiro e Moura Dinis338. Mas, nem aí a informação era toda correcta e, muito menos, detalhada.

A Polícia Judiciária ficou encarregue de conduzir o processo, solicitar a colaboração da Interpol e emitir pedidos de captura internacionais. Ao mesmo tempo, devido ao elevado montante em dinheiro desviado do banco, composto essencialmente por notas que ainda não se encontravam em circulação, comunicou a todos os bancos nacionais e internacionais para que essas notas fossem identificadas e retiradas de circulação339.

Na recém formada LUAR colocava-se o problema da guarda do dinheiro. Palma Inácio decidiu entregar grande parte, 3200 contos340, a Emídio Guerreiro, para este depositar num banco da Suíça, e, depois o cambiar em dólares americanos, uma moeda mais estável que o escudo português. Havia ainda, evidentemente, o problema do dinheiro marcado, que não podia ser colocado num banco, pois o Governo português tinha comunicado aos bancos estrangeiros o número de série das notas retiradas de circulação e pedido a apreensão e eventual prisão de todos os que se apresentassem com tais notas341.

Todavia, como durante um certo tempo estas notas ainda continuariam a ter um curso legal, foi decidido que Palma Inácio e Camilo Mortágua partiriam para os Estados Unidos e Israel, respectivamente, para tentar trocar o máximo de notas marcadas. Porém, nenhum deles conseguiu estabelecer contactos nestes países que lhes permitisse efectuar tal operação342.

Quando regressava dos Estados Unidos, Palma Inácio foi preso no aeroporto de Orly. Sobre ele pendia um mandado de captura internacional e um pedido de extradição do governo português, o que originou uma grande campanha, levada a cabo pela oposição portuguesa no exílio, exigindo a sua libertação. Várias organizações organizam manifestações de apoio a Palma Inácio e recolhem assinaturas pela sua não extradição. O Governo português pedia a sua captura e extradição baseando-se no argumento que o assalto não era um crime político. Enquanto à defesa do réu cabia provar precisamente o contrário e que o assalto tinha de ser tratado como um acto político contra o regime ditatorial português343. Depois de várias manifestações de apoio a Palma Inácio, que envolveram figuras da oposição portuguesa no exílio e até personalidades internacionais344, a justiça

338

IANTT/PIDE-DGS – Pr. 9712 SC CI(2), U.I: 7572 – Carta anónima para a PIDE, Maio de 1967, fls. 487

339

IANTT/PIDE-DGS – Pr. 9712 SC CI(2), U.I: 7572 – Relatório sobre o assalto à agência do BP na Figueira da Foz, 25 de Março de 1968, fls. 319, 320

340Este valor equivaleria a cerca de 900 mil euros.

341

IANTT/PIDE-DGS – Pr. 9712 SC CI(2), U.I: 7572 – Relatório sobre o assalto à agência do BP na Figueira da Foz, 25 de Março de 1968, fls. 320

342Entrevista a Camilo Mortágua, Alvito, 3 de outubro de 2012

343

IANTT/PIDE-DGS – Pr. 9712 SC CI(2), U.I: 7572 – “ Jugement sur l'extradition Palma Inácio”, Le Monde, 27 de Setembro de 1967, fls. 647-650

344Entrevista a Camilo Mortágua, Alvito, 3 de Outubro de 2012; IANTT/PIDE-DGS – Pr. 9712 SC CI(2), U.I: 7572 – “

francesa decidiu que a acção tinha intenções políticas e absolveu Palma Inácio, recusando a sua extradição. Camilo Mortágua, entretanto, com a prisão de Palma Inácio, decidiu continuar por Israel e só regressou a França em meado de Outubro345.

António Moura Diniz, homem de confiança de Emídio Guerreiro, também ficou encarregue de uma troca do dinheiro em Nice, através de alguém ligado aos circuitos financeiros e de casinos que receberia uma comissão. Acabou por ser preso, na posse de 40 contos, sendo condenado a 13 meses de prisão e expulso de França, indo para a Bélgica. Por seu lado, Francisco Pereira Narciso (“Nunes”), professor em Bruxelas, tentou fazer uma troca de dinheiro, por sua própria iniciativa, sem dar conhecimento à organização. Acabaria por ser preso em Copenhaga e expulso da Dinamarca e da LUAR346.

Depois de libertado, Palma Inácio continuou com as tentativas de trocar o dinheiro marcado. O seu contacto continuava a ser a American Express, disponível para aceitar esta operação, obtendo uma comissão de 60%. O banco Ambrosiano, a que o Banco do Vaticano se tinha associado, também apresentou uma proposta para trocar dinheiro, exigindo uma comissão de 70% mas esta troca também acabou por não se efectuar347.

A tentativa mais consistente apareceu, porém, através de George Sigal, um homem de negócio belga, conhecido de Palma Inácio, que teria ligações à RDA, e do qual não temos mais informações. Hipólito dos Santos e Luís Benvindo partiram, então, para a Alemanha Oriental onde eram esperados por gente ligada ao sector estatal do comércio externo. Depois de vários dias a tentar fazer pagamentos e operações cambiais com as notas marcadas, conseguiram trocar os escudos por dólares e marcos. Parecia que estava aberta uma porta para futuras trocas de dinheiro348.

Depois desta operação, George Sigal propôs novo negócio, de troca de dinheiro e compra de armas, desta vez a concretizar na Bélgica. Luís Benvindo deslocou-se à Bélgica, juntamente com dois novos operacionais da LUAR, Alberto Curado e Joaquim Palminha da Silva. Porém, a polícia belga estava à sua espera e foram todos presos349. Benvindo esteve quatro meses na cadeia mas as autoridades belgas não o extraditaram como pretendia o Governo português. Os outros dois apenas estiveram presos uma semana350.. A prisão de Benvindo provocou receios dentro da organização, pois tinham medo de ser detectados pela polícia portuguesa. Camilo Mortágua que tinha fixado

345 Entrevista a Camilo Mortágua, Alvito, 3 de Outubro de 2012

346SANTOS, José Hipólito, 2011, Felizmente Houve a LUAR: Para a História da Luta Armada Contra a Ditadura,

Âncora, Lisboa, p. 76

347

Entrevista a Hipólito dos Santos, Lisboa, 22 de Maio de 2012

348SANTOS, José Hipólito, 2011, Felizmente Houve a LUAR: Para a História da Luta Armada Contra a Ditadura,

Âncora, Lisboa, p. 75, 76

349IAN/TT – PIDE/DGS, Pr. 8259 SC CI(2), U.I. 7519-7521 - “Informação” de um informador, 20 de Setembro de

1968, fls. 21 a 28

350IAN/TT-PIDE/DGS, Pr. 8991 SC PC, UI: 7551 – Transcrição da emissão da Rádio Voz da Liberdade, 9 de Fevereiro

residência na Bélgica, depois da Prisão de Palma Inácio, decidiu voltar a mudar de país e radicou-se em França351.

Havia ainda o dinheiro que tinha ficado escondido no pinhal em Portugal, cerca de 10 mil contos. Ângelo Cardoso voltou ao local, recuperou o dinheiro e escondeu-o na casa de um familiar na Figueira da Foz. Em finais de Julho, Luís Benvindo e Júlio Alves regressaram clandestinamente a Portugal para recuperar parte desse dinheiro. Por questões de segurança, decidiram transferir 8500 contos para uma casa perto de Guimarães. A PIDE acabou por detectar estes militantes quando começou a investigar o assalto à Figueira da Foz, apreendendo o dinheiro e prendendo os envolvidos352.

A guarda e troca do dinheiro proveniente do assalto à Figueira da Foz constituíram assim um processo atribulado. Os esconderijos não eram seguros, a PIDE conseguiu recuperar parte do dinheiro e as trocas por dinheiro válido revestiam-se de inúmeras dificuldades que levaram à prisão de dois dirigentes da organização: Palma Inácio e Luís Benvindo. Para administrar os fundos financeiros da LUAR foi nomeada uma Comissão Financeira de que faziam parte Emídio Guerreiro, Palma Inácio e Hélder Veiga Pires. Esta Comissão estava encarregada de fazer a administração dos fundos, ordenar os pagamentos e sancionar os gastos. Ficou também estabelecido que cada um dos operacionais passaria a ter um vencimento mensal de 1200 francos353.

Ao mesmo tempo, começava a ser discutida a estruturação política e o funcionamento da LUAR. Deveria ser criado um Conselho Superior, dirigido por Emídio Guerreiro, responsável por todas as decisões políticas, relações internacionais e aprovação prévia das acções militares a desencadear. Subordinado a este órgão estaria um Comité Militar, dirigido por Palma Inácio e a Comissão Financeira. Para integrar estas estruturas, Emídio Guerreiro indicou os nomes de Hélder Veiga Pires, José Augusto Seabra, Fernando Echeverria, Zulmiro de Almeida e José Hipólito dos Santos, elementos que tinham tido ligações ao MAR, organização formada no exílio, com ligações e pequenos núcleos no interior, mas que nesta altura já se encontrava em desagregação.

A ida de Palma Inácio para os Estados Unidos, e a sua posterior prisão em França, deixou o controlo financeiro da organização nas mãos de Emídio Guerreiro, o que levou a um agravamento das tensões entre este e alguns membros da organização, mais ligados a Palma Inácio, que não se reviam na sua autoridade e que o acusavam de burocratizar os pedidos de apoios para deslocações, aluguer de casas e viaturas, e outros gastos diversos que iam surgindo, tornando bastante demorada

351Entrevista a Camilo Mortágua, Alvito, 3 de Outubro de 2012

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 146-156)