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Alemanha Baader-Meinhof

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 70-75)

Capítulo I O Mundo em Mudança

9. A violência política na Europa

9.3. Alemanha Baader-Meinhof

As origens do Baader-Meinhof, grupo alemão de luta armada que efectuou acções entre os anos 60 e os anos 90 do século passado, tem origem na contestação estudantil que percorre toda a Europa nos anos 60.

Em 1968, os estudantes alemães manifestavam-se nas ruas contra a instituição universitária que consideram conservadora mas, contrariamente ao que acontece na Itália ou na Espanha, os seus protestos centram-se sobretudo em questões internacionais, como a guerra do Vietname, a pobreza no Terceiro Mundo e a energia nuclear.

Ao mesmo tempo, criticavam aquilo que consideravam ser uma reticência da sociedade alemã em confrontar-se com o seu passado nazi. Para estes jovens, sobretudo os simpatizantes da esquerda radical, o Estado que vigorava na Republica Federal Alemã era uma continuação daquele que tinha sido constituído pelo III Reich. Este pressuposto aumentava o fosso existente entre as gerações mais velhas que tinham vivido o nazismo e a guerra e uma geração mais nova, nascida no pós-guerra, numa era de paz e prosperidade que lhe permitia olhar de forma crítica para o passado e o presente. Para esta geração, o processo de desnazificação não tinha sido completo e continuavam a ver-se na sociedade e na política alemã restos desse passado105.

O descontentamento dos jovens alemães foi-se radicalizando ao longo dos anos 60, começando as manifestações contra o apoio que a Alemanha dava às ditaduras africanas, contra a guerra do Vietname e a favor da independência dos países colonizados do Terceiro Mundo.

A 2 de Junho de 1967, o Xá do Irão, Mohammad Reza Pahlavi realizava uma visita a Berlim. O movimento estudantil que vinha encetando manifestações contra o sistema de ensino universitário, a sociedade de consumo e as leis autoritárias que o governo alemão vinha legislando, aproveita a ocasião para realizar uma acção de protesto contra as violações dos direitos humanos que se registavam no Irão. Nessa noite, após um dia inteiro de manifestações, os exilados iranianos na Alemanha, apoiados pelos estudantes, concentraram-se junto à Ópera de Berlim, onde o Xá e a

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SOMMIER, Isabelle, 2003, Les annés de plomb: un passé qui ne passe pas, Revue Mouvements nº 27/28, p. 200-201

105FINK, Carole; GASSERT, Philipp; JUNKER Detlef, 1998, 1968 The world transformed, Cambridge, Cambridge

sua mulher deveriam assistir a um espectáculo. Inicialmente, esta seria mais uma manifestação pacífica mas rapidamente se transformou em confrontos entre os manifestantes, os seguranças do Xá e a polícia alemã, acabando com a morte de um estudante alemão, o que provocou a indignação dos estudantes e de uma parte da sociedade. Entre os líderes estudantis presentes na manifestação encontrava-se Gudrun Esslin, uma estudante de literatura alemã e inglesa da Universidade Livre de Berlim, que discursou nessa noite, dizendo que a única forma de responder à violência seria com violência106.

No ano seguinte, Gudrun Esslin conhece Andreas Baader, um carismático militante de esquerda vindo de Munique, que se torna seu namorado. Juntos decidiriam alastrar a sua contestação contra o sistema e a sociedade de consumo a outras cidades alemãs e partiram para Frankfurt, acompanhados de Thorwald Proll e Horst Söhnlein. Aqui, atearam fogo a duas lojas, provocando um grande prejuízo material mas sem causar vítimas. Logo depois do incêndio, Esslin telefonou para a polícia a reivindicar a acção, dizendo que é um acto político. Foram presos dois dias depois.

Passada uma semana sobre estes acontecimentos, Rudi Dutschke, conhecido líder do movimento estudantil, foi vitima de uma tentativa de assassinato levada a cabo por um estudante de extrema-direita, Josef Bachmann. Os estudantes de esquerda colocaram a culpa nos jornais de direita que insuflavam, com as suas manchetes, os conservadores contra Dutschke. Decidiramm então manifestar-se e dirigiram-se para a sede da Springer AG, editora de jornais e revistas conotados com a direita, impedindo a entrada e saída de pessoas e camiões de distribuição da empresa. Foram usados carros para barricar a rua e deu-se confrontos entre os estudantes e a polícia que tentou dispersar a manifestação. Vários manifestantes foram presos, entre os quais Ulrike Meinhof que na sua coluna na revista Konkret escreveu: “Se alguém incendeia um carro, isso é crime. Se alguém incendeia centenas de carros, isso é protesto político”107.

Em Novembro de 1969, Baader, Ensslin e Thorwald Proll, que estavam em liberdade condicional, fugiram para Paris, onde durante algum tempo se esconderam no apartamento de Régis Debray, teórico do foquismo, amigo de Che Guevara e admirador da Revolução Cubana. Daqui, os três foram para Itália, onde se reúniram com o advogado Horst Mahler que os convenceu a regressar à Alemanha e a formar um grupo de guerrilha urbana.

De volta ao país viviam em clandestinidade em casa de Ulrike Meinhof até Andreas Baader ser novamente preso por pose de documentos falsos, tendo sido libertado, dias depois, por um

106MARCUSE, Harold, 2001, Legacies of Dachau: The uses and abuses of a concentration camp (1933-2001),

Cambridge University Press, pág. 314

107SMITH, Tom, “Ideology and Revolution”,in http://www. Culturewars.org.uk/index.php/site/article/ideology and

comando composto por Ulrike Meinhof, Astrid Proll, Ingrid Schubert, Irene Goergens e Peter Homman. No dia seguinte, as capas dos jornais traziam a notícia desta acção e começam a chamar o grupo de Baader-Meinhof, nome pelo qual ficariam popularmente conhecidos. A acção é reivindicada num manifesto publicado no jornal anarquista 833, que eles assinam com o nome oficial de Rote Armee Fraktion (Fracção do Exército Vermelho)108.

Durante o Verão de 1970, antes de começarem a empreender novas acções, Baader, Meinhoff, Esslin e outros militantes da organização foram para a Jordânia receber formação militar e de guerrilha urbana num campo da Frente Popular para a Libertação da Palestina, comandado por Ali Hassan Salameh, fundador do grupo palestiniano Setembro Negro.

De regresso à Alemanha começaram os assaltos a bancos para obter fundos para comprar armas e montar o apoio logístico da organização. Seguiram-se os ataques à bomba contra instalações militares dos Estados Unidos, instalações militares e policiais alemãs, edifícios governamentais e edifícios pertencentes ao império jornalístico de Axel Springer.

Em Setembro de 1970, Horst Mahler e outros membros do grupo foram surpreendidos pela polícia e presos. No início de 1971, Ulrike Meinhof publica clandestinamente o seu livro O

Conceito de Guerrilha Urbana, influênciado pelo Manual de um Guerrilheiro Urbano de Carlos

Marighella, que se tornou o manual de guerrilha das organizações armadas dos anos 60 e 70109. Durante o ano de 1971, a RAF continuou a fazer atentados apesar de ter vários elementos presos e de alguns terem morrido em confrontos com a polícia.

Em Maio de 1972, a RAF cometeu algumas das suas acções mais sangrentas. O Comando Petra Schelm colocou três bombas no edifício central do Quartel-General do Exército dos Estados Unidos na Alemanha, matando um militar americano. O grupo reivindicou a acção e exigiu que os Estados Unidos deixassem de colocar minas no Vietname. No dia seguinte, foram colocadas duas bombas no edifício central da polícia de Asburg, ferindo cinco policias e um carro-bomba foi deixado no parque de estacionamento do Departamento Nacional de Investigação Criminal de Munique, destruindo sessenta carros que lá estavam estacionados. Por sua vez, Ulrike Meinhof, acompanhada de três militantes, colocou seis bombas, escondidas em mochilas, nos escritórios da editora Springer em Hamburgo, ferindo dezassete funcionários110.

No dia 24 de Maio, deixaram vinte e cinco quilos de explosivos dentro de um carro estacionado no parque do Comando Europeu Supremo do Exército dos Estados Unidos da América,

108EAGER, Paige Whaley, 2008, From freedom fights to terrorists. Human and political violence, Ashgate Imprint, p.

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109Ulrike Meinhof Calls for a Move from Protest to Resistance (May 1968), in http://germanhistorydocs.ghi-dc.org,

acedido em 6/7/2012

110Three Bombs Rock Plant of German Publisher, Stars and Stripes, in http://www.baader-meinhof.com, acedido a

em Heidelberg, matando três militares. Três dias depois, a RAF distribui um comunicado assumindo a autoria do atentado e dizendo que ele é uma resposta dos ataques da aviação americana no Vietname111.

A polícia alemã começou uma autêntica caça ao homem e no mês seguinte foram presos muitos dos militantes da RAF, entre os quais os seus principais líderes. Inicialmente, foram colocados em prisões diferentes e quase todos em celas de isolamento. Só em 1974, é que foram todos colocados na prisão de segurança máxima de Stammhein, onde foi construída uma ala especial para os membros do grupo, directamente ligada às instalações do tribunal, para que não fosse preciso tirá-los da prisão durante o julgamento. As condições a que foram sujeitos na prisão levou a várias acções de protesto, inclusivamente da Amnistia Internacional. Os membros do Baader-Meinhof chegaram a entrar em greve de fome, tendo sido alimentados á força pela polícia. No entanto, isso não impediu a morte de Holder Meins, em consequência de uma destas greves, pesando apenas quarenta quilos.

Os protestos públicos perante as condições em que eram mantidos presos os membros da RAF levaram as autoridades policiais a afrouxar as condições prisionais, passando a permitir o contacto entre os presos. No entanto, mantivera-se em vigor as chamadas “Leis Baader-Meinhof” que impediriam a defesa dos membros da organização por advogados que tenham qualquer ligação a esta, e que permitu a continuação dos julgamentos independentemente da ausência de algum dos arguidos no tribunal112.

Foi nesta altura que começou a surgir a segunda geração da RAF, resultante de uma reorganização da organização levada a cabo por Siegfried Haag, que contou com a colaboração de outros militantes que não tinham sido presos.

A 24 de Abril de 1975, um grupo de militantes da RAF, comandados por Siegfried Hausner invadiu a embaixada alemã em Estocolmo, fazendo onze reféns, entre os quais o embaixador alemão. Em troca dos reféns exigiram a libertação de todos os líderes do Baader-Meinhoff, pretensão que não foi atendida pelo governo alemão que se recusou a negociar com os sequestradores. Estes mataram dois reféns e a polícia invadiu a embaixada libertando os outros reféns e prendendo os membros da organização.

No dia 1 de Maio de 1976, começou o julgamento dos membros da RAF presos em Stammheim, naquele que foi o mais longo julgamento da história da Alemanha Ocidental.

No dia 9 de Maio de 1976, Ulrike Meinhof foi encontrada morta na sua cela, enforcada com uma toalha. A investigação oficial declarou que se tratou de suicídio, mas esta conclusão foi

111Bombs Kill 3 Hurts, Stars and Stripes, in http://www.baader-meinhof.com, acedido a 6/7/2012

contestada por acusações públicas de que havia sido assassinada. Ocorreram manifestações públicas por todo o país e foram colocadas bombas em Nice, Paris e Frankfurt113. Ulrike foi enterrada em Berlim, entre milhares de simpatizantes e discursos de intelectuais de esquerda alemães. Alguns anos após a sua morte foi tornado público que o seu cérebro tinha sido retirado por patologistas antes do enterro, sem conhecimento da família, e conservado em formol para estudos no hospital de Magdeburg. A sua filha, a jornalista Bettina Röhl, moveu uma acção contra o estado alemão, que acabou por devolver o cérebro, que foi enterrado na sepultura junto dos restos mortais de Ulrike em 2002114.

Em Fevereiro de 1977, foi libertada Brigitte Mohnhaupt, que passa a liderar a RAF durante o período conhecido como o Outono Alemão, quando foram efectuados sequestros e assassínios em série em troca da libertação dos militantes da RAF.

A 13 de Outubro de 1977, o Boeing 737 da Lufthansa que fazia o voo entre Palma de Maiorca e Frankfurt foi sequestrado por membros da Frente Popular para a Libertação da Palestina com a cooperação de militantes da RAF, exigindo, em troca da libertação das mais de 90 pessoas a bordo, a libertação de dois terroristas palestinianos presos na Turquia e dos presos do Baader- Meinhof. Durante quatro dias, o mundo acompanhou o desvio do avião, primeiro para Roma, depois para o Chipre, Bahrain, Dubai, Aden e Mogadíscio, capital da Somália. Na noite de 17 de Outubro, o comando antiterrorista GSG 9, grupo de elite da polícia alemã, levado secretamente para a Somália, invadiu o avião sequestrado e matou três dos quatro sequestrados palestinianos, libertando todos os reféns.

O que aconteceu nessa mesma noite na prisão de Stammheim continua envolto em mistério e controvérsia. Na manhã que se seguiu à noite da libertação do avião, os guardas da prisão abriram as celas onde se encontravam os líderes da RAF, em isolamento total, e encontram Andreas Baader morto com um tiro na cabeça Gudrun Ensslin enforcada,e Jean-Carl Raspe a agonizar com um tiro, acabaria por falecer no hospital; e Irmgard Moller seriamente ferida com quatro facadas no peito e no pescoço. A versão oficial do governo foi a de suicídio colectivo mas o comunicado suscitou uma série de controvérsia, protestos e acusações de assassinato por parte do Estado. Surgiram dúvidas quanto ao facto de Baader ter sido moto com um tiro na nuca e não haver impressões digitais na arma; Rasper não tinha vestígios de pólvora nas mãos; e Moller dificilmente teria conseguido dar quatro facadas a si própria antes de desmaiar.

Irmgard Moller, a única sobrevivente da “Noite da Morte” passou os anos seguintes a afirmar que todos tinham sido drogados e assassinados pela polícia em retaliação pelo desvio do

113http://www.dw.de/my-mother-the-terrorist/a-1933629-1, acedido a 6/7/2012 114http://www.dw.de/my-mother-the-terrorist/a-1933629-1, acedido a 6/7/2012

avião115.

A morte dos líderes históricos da organização pôs fim ao Outono Alemão mas uma terceira geração de militantes continuou a efectuar acções ao longo dos anos 80 e 90.

A 20 de Abril de 1998, já muito enfraquecida, e depois de cinco anos sem realizar nenhuma acção, a RAF envia uma carta à agência Reuters a colocar fim às acções armadas.

No documento Luta Armada em Portugal (1970-1974) (páginas 70-75)