• Nenhum resultado encontrado

A causação circular e cumulativa de Myrdal

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 44-49)

1 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE EM REGIÕES RICAS EM RECURSOS NATURAIS, MAS POBRES NOS INDICADORES

4. rumo à maturidade após a decolagem, surge um longo intervalo de progresso sustentado Os investimentos se elevam de 10% para 20% do PIB, o que permite

1.2.4 A causação circular e cumulativa de Myrdal

Gunnar Myrdal, economista sueco, teve grande influência no debate sobre o subdesenvolvimento nos anos 1960-70. As idéias de Myrdal representam uma continuidade do pensamento econômico convencional, por causa de seu foco no PIB per capita como medida de desenvolvimento e da prescrição de aumento de poupança como meio para crescer. Entretanto, ele representa também uma ruptura com esse pensamento, na medida em que insiste que não há uma única causa explicativa do subdesenvolvimento e tampouco

uma garantia para sua superação, uma vez que os mecanismos automáticos de mercado tendem a reforçar tanto a condição de desenvolvimento quanto a de subdesenvolvimento.

Myrdal (1972) parte da constatação de que, ao longo do tempo,6 têm aumentado as desigualdades econômicas entre um pequeno grupo de países prósperos e um grande grupo de países extremamente pobres. Os países do primeiro grupo se encontram em processo de desenvolvimento econômico contínuo, enquanto os do segundo estão sob permanente ameaça da estagnação e de o progresso médio, quando exista, ser muito mais lento (MYRDAL,1972, p. 23).

Como hipótese metodológica ou teoria social7 para analisar os problemas do (sub)desenvolvimento, Myrdal propõe o que denominou de “causação circular e cumulativa”. Ela pode tanto promover “efeitos regressivos” - causação circular e cumulativa da pobreza – como gerar “efeitos propulsores centrífugos” – levando a um ciclo de causação circular e cumulativa do desenvolvimento. Segundo essa hipótese (teoria), para a explicação do processo de subdesenvolvimento:

[...] é inútil buscar um ‘fator predominante’, um ‘fator básico’, tal como ‘fator econômico’. Quando se estuda (...) um problema social partindo desta hipótese, é difícil perceber como pode ser entendido, precisamente, por ‘fator econômico’ isolado, e ainda menos compreender como pode ser básico, pois tudo é causa de tudo, de maneira circular e interdependente. (MYRDAL, 1972, p. 42).

Myrdal (1972) defende a idéia de que desenvolvimento é resultado de múltiplos fatores. Daí vem a sua crítica à fragilidade das explicações unilaterais e disciplinares para tratar de um assunto tão complexo. Para ele, o problema do subdesenvolvimento é social e econômico e as suas possíveis soluções são de natureza política. Portanto, as teorias econômicas convencionais não têm alcance para resolvê-lo. Assim, uma das vantagens da adoção do princípio da causação circular e cumulativa é alertar para a necessidade de se conhecer como se interrelacionam os diferentes fatores que geram e reforçam a situação de subdesenvolvimento.

Para Myrdal, a única alternativa para reverter a causação circular e cumulativa da pobreza (efeitos regressivos) e iniciar um novo ciclo de causação circular e cumulativa do desenvolvimento (efeitos propulsores centrífugos) é a ação planejada do setor público. Apenas o planejamento estatal “inteligente e eficaz”, que objetive abraçar a decisão de elevar os investimentos destinados a expandir a capacidade produtiva do país, pode reverter

6 O seu período de análise são os anos 1960. 7

os efeitos regressivos da causação circular da pobreza e gerar efeitos propulsores do desenvolvimento. Esse plano, no entanto, deve seguir os exemplos dos países industrializados.

Myrdal (1972, p. 62) afirma que quanto mais alto o nível de desenvolvimento que um país alcance, mais fortes tenderão a ser os seus efeitos propulsores. “O progresso rápido e contínuo se torna quase automático quando um país alcança rapidamente um alto nível de desenvolvimento”. Entretanto, o contrário também se verifica, ou seja, quanto mais baixo o nível de desenvolvimento de um país, maiores tenderão a ser os efeitos regressivos. Assim,

[...] o livre jogo das forças de mercado em um país pobre funcionará mais poderosamente no sentido de criar desigualdades regionais e de ampliar as existentes. O fato de um baixo nível de desenvolvimento econômico ser acompanhado, em geral por grandes desigualdades econômicas representa, por si mesmo, grande obstáculo ao progresso. Esta é uma das relações interdependentes, por meio das quais, no processo acumulativo ‘a pobreza se torna sua própria causa’. (MYRDAL, 1972, p. 63).

De acordo com Myrdal (1972, pp. 129-133) “a hipótese da causação circular, que pode levar ao desespero os países mais pobres, no caso de permitirem que os fatores sigam seu curso natural, proporciona magníficas recompensas à política de interferências deliberadas”. Myrdal, dessa forma, comunga da idéia comum de que,

[...] não há outra solução para o desenvolvimento econômico fora do aumento compulsório da parte da renda nacional que é retirada do consumo e consagrada ao investimento. Isso implica uma política de extrema austeridade, independentemente de saber se o acréscimo das poupanças resulta dos altos níveis de lucros, reaplicados na expansão industrial, ou decorre do aumento da tributação. (MYRDAL, 1972, p. 133).

Myrdal esclarece que a maior parte dos investimentos necessários para gerar os efeitos propulsores não é lucrativa do ponto de vista do mercado, pois o seu propósito é gerar economias externas para as indústrias ainda inexistentes, mas que estão programadas. Myrdal faz uma declaração que se choca totalmente com idéia apresentada cinqüenta anos depois por Amartya Sen (2000):

[...] assistir os incapazes – os doentes, os inválidos, os velhos e, o que é mais valioso, as crianças – será importante no esforço geral de fortalecimento dos investimentos racionais. Mas é necessário fazê-lo de maneira econômica. Um país pobre, subdesenvolvido não pode, nas etapas iniciais de seu desenvolvimento econômico, empenhar-se muito nesse tipo de medidas redistributivas, que, nos países adiantados, se conhecem sob o nome de ‘previdência social’. (MYRDAL, 1972, p. 129)

No entanto, Myrdal (1972) reconhece que existem problemas para um eficiente planejamento estatal nos países pobres. Em primeiro lugar, por causa da crescente

demanda social provocada pela grave situação de pobreza (“sem similar na história dos países ricos”). Em segundo lugar, pela ideologia disseminada de que o propósito do desenvolvimento é elevar a qualidade de vida da população. Em terceiro lugar, pelas restrições impostas pelo jogo democrático e pela necessidade de se fazer concessões às massas que elegem os governantes.

Myrdal também se refere a ocorrência de enclave nos países colonizados:

[...] o capital, a iniciativa e a mão-de-obra qualificada que um país colonizador enviava a um país dependente, tendiam, por motivos óbvios, a formar núcleos (enclaves) separados e isolados da economia circundante, e se mantinham ligados à economia da metrópole. Suas relações econômicas com a população nativa limitavam-se a empregá-la como mão- de-obra comum. As diferenças raciais e culturais e o nível muito baixo de salários e a maneira de viver tornavam a segregação rigorosa conseqüência natural até mesmo dentro dos próprios núcleos. (MYRDAL, 1972, p. 96).

Trata também do papel preponderante das instituições herdadas pelos países colonizados de suas metrópoles:

[...] o colonialismo tinha réplicas em certas estruturas institucionais do poder dentro de cada país: um sistema de castas, as dissensões raciais e religiosas, a dependência das regiões rurais ao centro urbano mais rico e, na ordem feudal e semi-feudal, a submissão dos camponeses ao senhor da terra, ao comerciante, ao agiota ou ao coletor de impostos. Essas inflexíveis instituições que mantêm desigualdades são inimigas do progresso econômico, em cada país subdesenvolvido. Se impedem os ‘efeitos propulsores’ dentro desses países, essas instituições, ao mesmo tempo criam dificuldades ao ritmo expansionista vindo do exterior dos países adiantados. (MYRDAL, 1972, p. 98).

De forma sintética, pode-se afirmar que as teorias de crescimento aqui analisadas exerceram e ainda exercem forte influência tanto no imaginário dos elaboradores de políticas, quanto no conteúdo das efetivas propostas de promoção ao desenvolvimento. Quase todas as teorias subseqüentes que serão revisadas, embora discordem total ou parcialmente dessa visão, não deixam de se referir à rota do crescimento econômico, enquanto caminho para o desenvolvimento e à necessidade de adoção de medidas austeras para alcançá-lo – retirar renda do consumo presente, reduzir benefícios sociais, ampliar a poupança e direcioná-la aos investimentos de capital etc.

Por essa ótica, o papel da indústria motriz (Perroux) poderia ser exercido pela indústria mineral. Os investimentos em mineração, quer estrangeiros ou nacionais, criariam a possibilidade de romper com a causação circular e cumulativa da pobreza (Myrdal), pela possibilidade de elevação do PIB per capita (Solow) e proporcionar as condições para a decolagem das ricas regiões pobres para estágios mais avançados do desenvolvimento, de

acordo com as etapas de Rostow. A partir dessa perspectiva, a rota para a superação do subdesenvolvimento seria a seguinte:

Aumento da poupança (igual a investimento) -> indústria líder ou motriz -> acumulação de capital -> aumento da produtividade -> crescimento -> desenvolvimento

O problema dessa visão é que é uma “meia-verdade”. A sua força está na proposição de ingredientes universais que, por si só, são difíceis de contestar, principalmente porque se verificaram empiricamente, em época e espaço historicamente determinados. No entanto, os próprios autores clássicos como Perroux e Myrdal reconhecem que essa possibilidade pode ser comprometida pela formação de economias de enclave, ou por filtrações dos efeitos positivos do crescimento. Mas, a despeito desse reconhecimento, eles não apresentam fórmulas para sair dessa situação.

Um outro aspecto dos autores referidos é que eles não fazem nenhuma alusão explícita à questão ambiental. Os recursos naturais são vistos apenas como fatores de produção e são considerados plenamente substituíveis por outros fatores de produção, como bem enfatiza Robert Solow.

1.3 TEORIAS DE INSPIRAÇÃO MARXISTAS OU NEO-MARXISTAS

A perspectiva desta escola conflita quase que radicalmente com as visões anteriores, tanto pela ênfase na questão histórica, pela rejeição de fórmulas “universais” e pela exposição do caráter político subjacente à idéia de desenvolvimento. Paul Baran apud Hirschman (1977, p. 69) argumentava que:

[...] sem revolução social seria impossível o crescimento nos países subdesenvolvidos. O capital estrangeiro privado era explorador, parasita; ou então as elites consumidoras locais eram incapazes, ou não desejavam fazer investimentos produtivos – nessas circunstâncias a ajuda estrangeira tinha o efeito exclusivo de reforçar a estrutura de poder existente, face a qual o crescimento seria impotente. (HIRSCHMAN,1977, p. 69).

Os autores aqui agrupados, além da crítica à visão precedente, têm em comum uma forte descrença na possibilidade de que sociedades que se integraram tardiamente à dinâmica global de acumulação possam superar os graves problemas do subdesenvolvimento, como é o caso das ricas regiões pobres.

Nesse bloco analisaremos as teses estruturalistas da Cepal, as interpretações dependentistas, as teses de Setephen Bunker e as interpretações de Elmar Altvater. Nesta corrente também se incluem as teses de Hirschman, por causa de seu “parentesco”, como ele mesmo afirma, com as idéias estruturalistas da CEPAL8.

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 44-49)

Outline

Documentos relacionados