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Sustentabilidade fraca e a regra de Hicks-Hartwick-Solow (HHS)

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 80-84)

1 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE EM REGIÕES RICAS EM RECURSOS NATURAIS, MAS POBRES NOS INDICADORES

4. rumo à maturidade após a decolagem, surge um longo intervalo de progresso sustentado Os investimentos se elevam de 10% para 20% do PIB, o que permite

1.5 AS PROPOSTAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

1.5.2 Sustentabilidade e suas derivações

1.5.2.1 Sustentabilidade fraca e a regra de Hicks-Hartwick-Solow (HHS)

O conceito de sustentabilidade fraca segue os preceitos teóricos da economia neoclássica e está associado ao conceito hicksiano de renda sustentável. Para Hicks (1946) apud Faucheux & Nöel (1995, p. 289), “o rendimento de uma pessoa não é outra coisa senão aquilo que ela pode consumir durante um período, contando sempre ser tão rica no fim como no início do período”.

Nesse sentido, o objetivo do desenvolvimento sustentável, no que se refere à eqüidade intertemporal, é o não-decréscimo do bem-estar per capita. O conjunto de recursos naturais e de serviços ambientais pode, dessa forma, ser agregados nos modelos neoclássicos de crescimento e estão sujeitos às mesmas regras que outros fatores de produção (capital e trabalho). Para essa abordagem, a preservação do capital natural não está associada aos imperativos éticos, mas sim à lógica da maximização. Os modelos da sustentabilidade são, portanto, extensões dos modelos de crescimento econômicos neoclássicos. Os mais representativos, de acordo com análise de Faucheux & Nöel (1995, p. 290 - 300), são:

• modelo de Stiglitz (1974), considerado o primeiro a integrar os recursos não- renováveis em um modelo de crescimento econômico. A introdução desse fator não é impeditivo para que a economia continue crescendo Os resultados deste modelo diferem, em parte, daqueles de crescimento equilibrado sem recursos esgotáveis. Na ausência de recursos não-renováveis, a taxa de crescimento se torna independente da taxa de poupança. No caso da inclusão destes, aumentos de poupança conduzem permanentemente a taxas de crescimento mais elevadas. O elemento comum é que taxas de poupanças mais altas resultam em consumo mais fraco no presente, porém mais elevado no futuro;

• o modelo de Hotelling (1931), ou regra de Hotelling, embora datado do início dos anos 1930, foi revitalizado como peça fundamental na discussão sobre sustentabilidade de recursos não-renováveis. Apresenta as condições para que os recursos exauríveis sejam esgotados a uma “taxa ótima”. A condição para isso é que a taxa de utilização do recurso seja igual à diferença entre a taxa de juro

social21 e a taxa de crescimento da população. Por exemplo, se a taxa de juros for 12% e a taxa de crescimento da população 2%, a taxa ótima de uso dos recursos exauríveis será de 10%. Assim, quanto mais elevada for a taxa de juros, mais rapidamente o recurso será esgotado;

• da junção do modelo de Stiglitz com a regra de Hotelling se deduz que é sempre possível manter um rendimento per capita constante, período a período, mesmo na presença de um recurso exaurível, desde que respeitada uma das seguintes condições quanto à elasticidade de substituição22 entre recursos naturais e capital e/ou trabalho:

1. elasticidade constante ou crescente (superior à unidade);

2. elasticidade constante e igual - a unidade é a parte do produto que remunera o capital, que é mais importante do que a que remunera o recurso exaurível;

3. elasticidade não-constante, mas há um progresso técnico positivo que permite restringir o uso do recurso, o que equivale a considerar que o estoque aumenta.

• Outra consideração importante é a de que esses modelos admitem apenas uma “trajetória convergente”, ou seja, a trajetória ótima é instável. Isso quer dizer que “qualquer desvio temporário para fora desta trajetória se traduz por um desvio definitivo; nenhuma força de mercado é capaz de recolocar a economia no rumo dessa trajetória. Isso pressupõe que desde a partida, quando se começa a utilizar o estoque dos recursos , há que se situar na trajetória correta”;

• no modelo de Hartwick (1977, 1978a, 1978b) o progresso técnico e, principalmente, os investimentos alternativos em bens de capital são os dois meios propostos para atenuar os efeitos do esgotamento e/ou da degradação do capital natural. Os meios financeiros para os investimentos devem vir da “renda de escassez” dos recursos não-renováveis. Este princípio ficou conhecido como “regra de Hartwick”. Para que essa regra seja satisfeita, é necessário haver uma política deliberada de incentivo ao investimento em bens de capital. Os bens de capital a serem investidos não precisam ser substitutos perfeitos23 do recurso

21 Taxa de juro média do mercado. Taxa de juros elevadas reapresentam forte preferência pelo

consumo presente, o contrário ocorre com taxas mais baixas, ou seja, preferência pelo futuro.

22 Entende-se por elasticidade de substituição,a variação percentual dos fatores produtivos usados

como reação a uma variação percentual dos preços relativos.

23 Substitutos perfeitos são denominados backstop technologies (tecnologia de fundo), obtidas por

exaurível, por causa do progresso técnico que permite a substituição entre o capital técnico e o capital natural;

• o modelo de Solow (1986, 1992) não considera que haja incompatibilidade intrínseca entre o modelo de crescimento e o capital natural (Kn). Basta que este seja entendido como um componente do capital total (Kt). O Kt, por sua vez, é composto pelo capital manufaturado ou reproduzível (Km), pelo capital humano ou estoque de conhecimentos ou capacidades (Kh) e pelo Kn, ou pelos recursos renováveis, não-renováveis e pelos serviços ambientais. Em tese, esses capitais podem ser mensurados. De acordo com a teoria do capital e com a regra de Hartwick, a repartição dos capitais entre as gerações é regular e a sustentabilidade estará assegurada se o estoque inicial de capital (Kt) for constante, ou aumentar, de forma a garantir a manutenção de um potencial bem- estar ao longo do tempo. Esta regra traz implícita a hipótese de substituição quase ilimitada entre o Kn e Km e Kh. Isso significa que as rendas provenientes do uso do capital natural pela geração atual devem ser reinvestidas sob a forma de capital reprodutível que será transmitido às gerações futuras em proporções que permitam manter os reais níveis de consumo do recurso ao longo do tempo (FAUCHEUX e NÖEL 1996, p. 307).

A partir desses modelos clássicos, a abordagem da sustentabilidade fraca propõe indicadores que objetivam mensurar o crescimento sustentável. São eles: o preço de mercado (bem como a renda de escassez), a elasticidade de substituição entre o capital natural e o capital reprodutível e a taxa de progresso técnico.

No caso da elasticidade de substituição, o Quadro 4, abaixo, apresenta valores (calculados nos anos 1970) para alguns metais e para o papel. As elasticidades mais elevadas (elásticas) ocorrem entre os recursos naturais e o trabalho, e as menores (inelásticas) acontecem entre o capital técnico e trabalho. Uma elevada elasticidade significa que pequenas alterações nos preços relativos provocam substituições mais que proporcionais à taxa de variação do preço. Uma baixa elasticidade significa que grandes alterações nos preços relativos provocam substituições menos que proporcionais à taxa de variação do preço.

período de uso dos recursos esgotáveis é transitório, antes do advento de uma tecnologia que os substitua (por exemplo: madeira – carvão – petróleo –energia nuclear – outra fonte???)

elasticidade entre

ferro alumínio cobre papel

Kh e kn 4,5 3,0 15,1 1,9

Km e kn 3,0 3,4 9,4 6,0

Km e kh 1,0 1,4 0,6 0,8

Quadro 4: Valores das elasticidades de substituição para algumas commodities minerais

Kh : trabalho; kn: recursos naturais; km :capital técnico

Fonte: Brown e Field (1979, p. 24) apud Faucheux & Nöel (1995, p. 311).

Faucheux & Nöel (1995, p. 311) admitem que, na prática, se conhece muito pouco a respeito da substituição do capital natural pelo capital manufaturado e das suas implicações. Isso ocorre, em primeiro lugar, por causa da imprecisão das avaliações quanto ao preço dos recursos (a parte relativa ao capital sempre é mais fraca). Em segundo lugar, há riscos e injustiças intergeracionais. Esses riscos são provocados bem menos pela escassez dos recursos em si do que pela capacidade de absorção do meio ambiente natural (por exemplo, capacidade de absorção do carbono pela atmosfera) e das perdas da biodiversidade. Esses problemas são muito mais preocupantes, pois não há substitutos para certos ativos naturais que são “suporte da vida” e que têm função de “sobrevivencialidade”. Nesse sentido, as teses a respeito da escassez dos recursos (BOX 1) não podem ajudar na determinação do consumo sustentável, reconhecem os autores.

Quanto ao progresso técnico, é reconhecido que o desenvolvimento sustentável é impossível no mundo HHS se a taxa de progresso técnico for inferior à taxa de crescimento da população; esse ponto é admitido por Solow (1986, p. 145) apud Faucheux & Nöel (1995, p. 312). No entanto, inexiste meio simples de medir progresso técnico e, portanto, para avaliar a sua contribuição (histórica e futura) para a aceleração (ou para o abrandamento) do esgotamento do capital natural.

Outro indicador difícil de ser mensurado adequadamente é a renda de escassez, ou renda de raridade. A pergunta a ser respondida é “como proceder com os estoques de bens e serviços ambientais que não têm preços?”. Segundo a teoria neoclássica,

[...] há que se distinguir entre o capital natural mercantil, já criado pelo sistema de preços (recursos exauríveis e alguns recursos renováveis, como os recursos florestais madeireiros) e capital natural não mercantil (recursos renováveis tais como o ar e os serviços ambientais, ou seja, as amenidades, os serviços ambientais e as capacidades de assimilação da biosfera). (FAUCHEUX & NÖEL, 1995, p. 315).

Dessa forma, essa visão de sustentabilidade, além de parcial, revela muitas lacunas de difícil solução no âmbito estreito da visão econômica convencional que dá suporte às suas análises.

BOX 1 - A controvérsia sobre a raridade dos recursos exauríveis

Até os anos 1970, predominou a opinião de que os recursos naturais não podiam constituir um limite ao crescimento econômico, por causa do progresso técnico, da descoberta de novas jazidas e da substituição dos recursos mais raros pelos mais abundantes. No final dos anos 1970, foram feitos diversos estudos teóricos e empíricos sobre as vantagens e os inconvenientes dos diferentes indicadores econômicos passíveis de refletir a raridade de um recurso natural no longo prazo. Os principais trabalhos nesta linha se dividem em três correntes: 1) os índices que privilegiam os custos de extração, 2) os índices baseados nos preços dos recursos e 3) os índices sobre a renda de escassez (ou custo marginal da utilização).

1) índices de custos de extração: os trabalhos de Barnett e Morse (1963) são referência nessa área. Para eles o custo de extração unitário é definido como o custo em trabalho (pessoas-hora trabalhadas) e em capital (fixo e variável) necessários para produzir uma unidade de recurso natural. Estudos empíricos por eles realizados, para o período 1870-1957, sugerem que, à exceção da floresta (para a qual os resultados são às vezes ambíguos), os custos de extração unitários de numerosos recursos naturais – renováveis e não-renováveis – diminuíram. A partir desse resultado, os recursos exauríveis ficaram mais abundantes, e não mais raros. Os possíveis fatores explicativos são: a substituição de recursos de baixa qualidade, mas abundantes, por recursos de alta qualidade, mas de pouca quantidade; a descoberta de novas jazidas, as mudanças tecnológicas na exploração, na extração e no processo de produção dos recursos, permitindo uma produção acrescida a custos marginais decrescentes. No entanto, esses fatores foram mais tarde questionados. A mudança tecnológica pode tornar ambígua a interpretação do custo unitário, pois ele não é a única causa das suas alterações. Por exemplo, quando se aproxima o esgotamento físico de um recurso natural, é possível que os custos unitários aumentem à medida que as jazidas se tornem mais difíceis de encontrar, porém pode ser que o esforço para encontrar novas jazidas provoque mudanças tecnológicas que permitam reduzir os custos de exploração. A conclusão a que se chegou é de que nenhum sinal verdadeiramente claro sobre a raridade dos recursos pode ser deduzido a partir da medição do custo unitário.

2) índices baseados em preços dos recursos (de mercado e real) – o preço é considerado um bom indicador de escassez, por incluir o custo de extração e o custo de oportunidade da extração corrente. No entanto, os preços podem refletir uma série de alterações econômicas (grau de monopólio, intervenções governamentais, ação de sindicatos etc.), independentemente do grau de raridade dos recursos naturais, além do que a escolha do deflator (no caso dos preços reais) pode enviesar a análise.

3) índices que fazem intervir a renda de escassez (ou o custo marginal da utilização de um recurso) – eles são preferíveis aos preços, porque incorporam os efeitos das mudanças tecnológicas e as possibilidades de substituição. O método mais usual para encontrar a renda de raridade é calcular a diferença entre o preço de mercado e o custo marginal de extração. Entretanto, há objeções quanto a esse método, especialmente para o caso das rendas do petróleo, por causa de fortes influências da concentração da propriedade. Nesse caso, é melhor designar tal renda como “excedente energético” – composto pela renda de raridade acrescido da renda de monopólio.

Fonte: baseado em Faucheux & Nöel (1995, p. 143-145)

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 80-84)

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