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Os efeitos em cadeia de Hirschman

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 56-62)

1 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE EM REGIÕES RICAS EM RECURSOS NATURAIS, MAS POBRES NOS INDICADORES

4. rumo à maturidade após a decolagem, surge um longo intervalo de progresso sustentado Os investimentos se elevam de 10% para 20% do PIB, o que permite

1.3.4. Os efeitos em cadeia de Hirschman

Hirschman (1958, 1977) inaugurou uma perspectiva teórica que abriu um novo caminho metodológico para a análise empírica dos efeitos do investimento, bem como para a definição de critérios objetivos para embasar políticas de promoção do desenvolvimento. Ele considera que as recomendações para desenvolver um país devem ser analisadas caso a caso, pois impor um padrão uniforme, sem considerar as circunstâncias locais, repetir sempre a mesma receita e a mesma terapia para resolver diversos tipos de doenças, não admitir a complexidade e querer reduzí-la a todo o custo, quando o mundo real é um pouco mais complicado, é uma receita certeira para o desastre, afirma Hirschman.

Para Hirschman (1977), as decisões empresariais de investimento, tanto públicas quanto privadas, não são determinadas exclusivamente pela perspectiva dos rendimentos provenientes da demanda, mas por fatores provocados pelos efeitos em cadeia que ocorrem do lado da produção. A esses encadeamentos denominou “efeitos retrospectivos e efeitos prospectivos (para frente – ou a jusante – e para trás – ou a montante)”. Atividades econômicas, cujos bens ou serviços sirvam de insumo para outras atividades produtivas têm a capacidade de gerar fortes efeitos para frente. Por outro lado, atividades econômicas, que requerem bens ou serviços de outras atividade produtivas para a sua produção final11 têm a capacidade de gerar fortes efeitos para trás.

Uma cadeia produtiva existe sempre que uma atividade em andamento provoca pressões econômicas, ou de outra natureza, que levam ao surgimento de uma nova atividade. Dessa forma:

[...] efeitos em cadeia de uma dada linha de produto são definidos como forças geradoras de investimento que são postas em ação, por intermédio das relações insumo-produto, quando as facilidades produtivas que suprem os insumos necessários à mencionada linha de produto, ou que utilizam sua produção, são inadequadas ou inexistentes. Os efeitos em cadeia a montante levam a novos investimentos no setor de fornecimento de insumos (input-supplying) e os feitos em cadeia a jusante levarão a investimentos no setor da utilização da produção (output-using). (HIRSCHMAN, 1977, p. 12).

O conceito de efeitos em cadeia em Hirschman (1977), embora tenha a indústria como referência, pode também ser usado como método de análise da tese do produto primário de exportação12 (staple thesis). A tese do produto primário de exportação procura demonstrar como a experiência do crescimento econômico de um país “novo” é moldada, de forma concreta, por produtos primários exportados para os mercados internacionais. A aplicação da análise dos efeitos em cadeia é uma tentativa para descobrir, em seus pormenores, como o produto primário de exportação induz a criação de novas atividades econômicas, por meio de suas exigências, influências, facilidades de transporte e modelos de acordos, entre outros (HIRSCHMAN, 1977).

Conforme será visto na seção 2.1.3, é possível que esse tipo de abordagem tenha influenciado as análises setorialistas, pois há muitas semelhanças entre os enfoques.

11 O que determina se um bem ou serviço é final é a natureza do consumidor e a finalidade para o

qual será utilizado.

12 A tese do produto primário de exportação, originalmente desenvolvida por Harold Innis e

Hirschman (1977) identificou três tipos de efeitos em cadeia, ou encadeamentos: 1) os efeitos da produção, ou efeitos diretos, para frente (a jusante) e para trás (a montante) que podem ser fracos ou fortes; 2) efeitos de natureza fiscal e 3) efeitos do consumo.

Os encadeamentos da produção, ou efeitos físicos, decorrem diretamente do investimento, que é capaz de induzir as outras atividades produtivas. Baseado em Hirschman, Drummond (2002) classificou as conexões potenciais de acordo com o tipo de setor econômico, conforme com o Quadro 1.

tipos de setores econômicos potenciais de conexão

indústrias de produtos intermediários para trás – fortes

para frente – fortes

indústrias de produtos finais para trás – fortes

para frente – fracos produção primária de bens

intermediários

para trás – fracos para frente – fortes

produção primária de bens finais para trás – fracos

para frente - fortes

Quadro 1: Tipos de setores e os seus potenciais de conexões produtivas

Fonte: Drummond (2002)

A partir dessa perspectiva se abre a possibilidade de os países periféricos desencadearem processos de desenvolvimento industrial, se forem tomadas decisões corretas. Para acelerar o desenvolvimento, as decisões empresariais e as políticas públicas deveriam favorecer as atividades capazes de gerar os maiores números de conexões. Assim, uma economia desenvolvida seria aquela formada por uma rede complexa de empreendimentos especializados, distintos e interdependentes. (DRUMMOND, 2002).

Os encadeamentos fiscais se referem à habilidade de o Estado regular o fluxo de rendimento entre os diferentes agentes econômicos, taxar esses rendimentos e canalizá-los para outros investimentos produtivos.

Os efeitos em cadeia do consumo, se drenarem recursos para fora do país, podem resultar em aumento das importações e transformarem-se em negativos e não apenas em efeitos fracos ou inexistentes (Figura 1).

Figura 1: Efeitos em cadeia do consumo

Fonte: baseado em Hirschman (1977)

Produto primário de exportação

Novos rendimentos Novas demandas

Positivos: substituição de importações pelas indústrias

{

Negativos: aumento das importações , devido ao consumo imitativo

A interação desses três efeitos - produção, de consumo e fiscais - gera uma estrutura que conduz os exportadores de produtos primários a trajetórias de desenvolvimento ou de subdesenvolvimento. Para Hirschman (1977), a combinação mais favorável seria aquela em que um produto primário de exportação produzisse fortes encadeamentos de todos os tipos. Porém, nem sempre ocorre essa combinação ideal e economias dependentes de um único produto de exportação ficam sujeitas à situação do tipo “enclave”.

Em Hirschman, assim como em outros autores já revisados, reaparece a idéia de enclave como uma ducha de água fria nas pretensões de desenvolvimento das regiões ricas em recursos naturais, mas pobres do ponto de vista socioeconômico. Hirschman (1977) define enclave como:

[...] a ausência de envolvimento com o restante da economia, isto é, pela ausência de outros tipos de elos em cadeia (...) O enclave é um corpo estranho, freqüentemente de propriedade de estrangeiros, com o fim exclusivo de tirar proveito, e poucos dentre eles tomarão a defesa de seus interesses uma vez que o Estado tenha adquirido a disposição e autoridade para apropriar-se de parte do fluxo de rendimentos, originário do enclave, para seus próprios projetos. (HIRSCHMAN, 1977, p. 74).

Nem tudo é negativo no enclave. Diversamente de outras atividades produtivas que têm muitos elos com o restante da economia, é muito mais fácil taxar o enclave, principalmente, se ele for de propriedade estrangeira. Hirschman (1977), todavia, chama atenção para o fato de que a capacidade de taxar o enclave dificilmente pode ser considerada condição suficiente para promover um intenso crescimento econômico. Para que os efeitos fiscais sejam mecanismos eficazes de desenvolvimento, a habilidade de taxar deve ser combinada com a capacidade de investir produtivamente. “E aqui se encontra precisamente o ponto fraco dos efeitos fiscais comparados aos efeitos mais diretos da produção e do consumo”, adverte Hirschman (1977, p. 74), pois a possibilidade de mal aplicação ou de desperdício dos recursos podem simplesmente levar a uma ampliação do aparato burocrático, ao invés de gerar desenvolvimento.

Para Hirschman isso acontece,

[...] não porque os fundos que acabam nas mãos do governo sejam ‘sistematicamente’ desperdiçados, mas porque os empreendimentos assumidos pelos governos através dos efeitos fiscais são intrinsecamente mais difíceis do que os usualmente assumidos pelo capital privado, em conjunto com os efeitos de produção e de consumo. (HIRSCHMAN,1977, p. 77).

Ou seja, Hirschman enfatiza que os efeitos de encadeamentos fiscais somente podem ser potencializados e se constituírem em mecanismos desenvolvimentistas eficazes,

se o Estado desenvolver, simultaneamente à capacidade de tributar, a competência para investir em atividades que gerem os mais numerosos e mais fortes encadeamentos possíveis. Ele conclui que a propensão a taxar o produto primário é um tipo de comportamento desenvolvimentista assumido pelo Estado. Contudo, o Estado apenas surge em cena como um autêntico ator do desenvolvimento quando passa a assistir os exportadores de produtos primários, ao invés de apenas taxá-los. As áreas típicas para a assistência são as dos bens públicos, em especial, na área de infra-estrutura (fornecimento de energia, transporte, irrigação, educação e saúde pública).

Hirschman (1977, p. 87- 88) faz duas importantes advertências quanto à questão de o tipo de produto primário (café, cana-de-açúcar, cacau, minérios etc.) para exportação condicionar o tipo de desenvolvimento experimentado pelos países que nele se especializam:

1. ao buscar propriedades gerais nos produtos primários, que tenham probabilidade de conferir características distintivas ao processo de desenvolvimento, o método mais adequado não é tomar emprestadas as propriedades de qualquer campo alheio, como o da botânica ou da climatologia, porém procurar as propriedades que surjam do próprio processo de desenvolvimento, e, em seguida, conduzir a análise, segundo essas propriedades;

2. é mais revelador saber se o produto primário de exportação de um país é ou não o centro de uma constelação de efeitos em cadeia, do que a informação de que o produto primário é um produto agrícola ou mineral, por exemplo.

Essa observação se choca com as análises setorialistas13 desenvolvidas 40 anos mais tarde. Hirschman deixa claro que não é a natureza do produto – minérios, matérias- primas agrícolas etc – que define as reais possibilidades de desenvolvimento de uma região, mas sim a capacidade de este produto gerar fortes efeitos em cadeia de todas as naturezas – de produção, de consumo e fiscais. Ele acrescenta que não existe nada intrinsecamente em uma dada mercadoria agindo como uma “conspiração multidimensional” a favor ou contra o desenvolvimento, dentro de certo quadro histórico e sócio-político.

Hirschman (1977) utiliza a abordagem dos efeitos em cadeia também como um quadro de referência para a discussão da tese do “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, sugerido por André Gunder Frank. Essa possibilidade se revela explicitamente por intermédio do mecanismo dos encadeamentos. O contexto social e

13

político em que ocorrem o investimento e a combinação de efeitos em cadeia são os fatores que determinarão a possibilidade de desenvolvimento ou, ao contrário, do “desenvolvimento do subdesenvolvimento”.

Ao contrastar o seu modelo analítico com a teoria clássica do comércio internacional, Hirschman (1977, p. 91) afirma que o seu modelo “não ignora a possibilidade de empobrecimento e, é nesse respeito, bastante diferente da teoria clássica do comércio internacional, a qual pode conceber, no pior dos casos, uma ausência de ganhos (um ganho zero) decorrente das relações comerciais para qualquer país que participa do comércio mundial”.

Para Hirschman (1977, p. 91), “um dos grandes méritos da tese do desenvolvimento do subdesenvolvimento foi a crítica devastadora e definitiva feita ao conceito de ‘sociedade tradicional’, um ‘construto’ a-histórico endêmico na maior parte da literatura anterior sobre desenvolvimento, a qual supostamente prevalecia onde quer não tivesse ocorrido uma forma de desenvolvimento dinâmico”.

Assim, nos dizeres do próprio Hirschman,

[...] consideradas minhas distâncias das teorias neomarxistas contemporâneas sobre os países periféricos, posso agora reivindicar certo grau de parentesco intelectual entre meu esquema de abordagem e o sistema marxista”. Acrescentar “‘micro-marxismo’ pode ser um bom modo de descrever a tentativa de mostrar como a forma que assume o desenvolvimento econômico, incluindo os seus componentes sociais e políticos, pode ser referida às atividades econômicas específicas de um país. (HIRSCHMAN, 1977, p. 92).

Há muita semelhança entre a metodologia proposta por Hirschman e as abordagens setorialistas dos anos 1980. As análises dos efeitos em cadeia realçam o poder das conexões fiscais para induzir desenvolvimento, mas também alertam que os efeitos podem ser nulos ou mesmo provocar influências adversas se os recursos fiscais forem mal empregados. A natureza e os requisitos tecnológicos do principal produto da economia podem induzir fortes efeitos de encadeamento e, dessa maneira, resultar em crescimento e desenvolvimento ou, ao contrário, contribuir para o aumento das importações, gerar fracos efeitos de encadeamento e até resultar em “desenvolvimento do subdesenvolvimento”.

Essas idéias, originalmente exploradas por Hirschman, estão presentes com algum grau de sofisticação nas interpretações setorialistas.

Quanto ao papel exercido pelo Estado, enquanto agente indutor de desenvolvimento, Hirschman revela uma dualidade na avaliação da eficiência dos gastos públicos. Em

determinado contexto sugere que o governo não tem competência para usar os recursos fiscais de forma eficiente. Em outro, afirma que o tipo de gasto público é mais complexo que o gasto privado. De qualquer forma, sua a idéia é de que apenas os encadeamentos fiscais são inadequados ou insuficientes, enquanto mecanismos indutores de desenvolvimento. Dessa forma, para maximizar a taxa de desenvolvimento, Hirschman sugere que os governos devem estimular investimentos nos ramos de produção que tenham potencial elevado de gerar encadeamentos para frente e/ou para trás.

Na tipologia dos efeitos em cadeia de Hirschman se percebe certa hierarquização, de acordo com o tipo de produto (final, intermediário ou commodity) e com o setor, no qual o setor industrial gera encadeamentos maiores e mais fortes que o setor agrícola, por exemplo. Com a maior integração dos mercados, resultado do fenômeno da globalização, essa divisão categórica ficou fragilizada. Não é possível dizer que os encadeamentos gerados na produção de flores da Holanda são mais fracos que os gerados pela obsoleta indústria siderúrgica dos EUA. O mesmo se pode dizer do cultivo de frutas do Chile. Para que esses tradicionais produtos primários cheguem com rapidez, eficiência, segurança e, acima de tudo, com qualidade aos exigentes mercados consumidores internacionais é necessária ampla gama de serviços just in time, de controle de qualidade, de logística de transportes eficiente, enfim, de uma série de serviços que subvertem a simples hierarquização de operações industriais e “operações não-industriais”, conforme Hirschman denomina os serviços de transporte, comércio e financiamento.

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 56-62)

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