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Desenvolvimento como liberdade, de Amartya Sen

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 94-98)

1 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE EM REGIÕES RICAS EM RECURSOS NATURAIS, MAS POBRES NOS INDICADORES

4. rumo à maturidade após a decolagem, surge um longo intervalo de progresso sustentado Os investimentos se elevam de 10% para 20% do PIB, o que permite

1.5 AS PROPOSTAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

1.6.1 Desenvolvimento como liberdade, de Amartya Sen

Uma perspectiva mais humanista do desenvolvimento tem sido atribuída a Dudley Seers, cuja obra teve grande influência nos anos 1960. Seers (1969) apud Nafzider (2005) teve o mérito de propor, de forma direta e simples, os três principais indicadores para mensurar o desenvolvimento: 1) pobreza, 2) iniqüidade e 3) desemprego. Isso representou um grande avanço nas tentativas de medir o desenvolvimento, além de uma agenda em prol do desenvolvimento. Nessa perspectiva, dentro de certos limites, o trabalho de Amartya Sen representa uma continuidade de Seers.

A obra de Amartya Sen, economista indiano, prêmio Nobel de 1988, é considerado uma das grandes contribuições para o restabelecimento da dimensão ética na discussão dos problemas econômicos (NAFZIGER, 2005). Como a maioria dos autores que trata do tema desenvolvimento, Sen (2000, p. 51) inicia a sua obra com críticas à visão precedente à sua. Ele distingue duas atitudes gerais a respeito do processo de desenvolvimento: 1) é um processo feroz, conquistado com muito “sangue, suor e lágrimas”, isto é, requer sacrifícios que comprometem redes de segurança sociais, fornecimento de serviços sociais para a

população, direitos democráticos etc.27, e 2) é um processo “amigável”, construído a partir de trocas mutuamente benéficas. Ele se identifica com esta última abordagem.

Sen (2000) compartilha da idéia, ressaltada por Furtado (1974), Hirschman (1977), Sachs (1986, 2004) e outros, de que uma concepção adequada de desenvolvimento deve significar muito mais do que a simples acumulação de riqueza e o crescimento do PIB e de variáveis associadas à renda. Ainda assim, tanto esses autores como Sen (2000) não desconsiderem a importância do crescimento econômico. Eles reforçam a idéia de que é necessário enxergar além dele.

Para Sen (2000), o principal propósito do desenvolvimento é reduzir as privações, ou ampliar as escolhas. O sentido do termo privação extrapola a idéia usual de pobreza, entendida apenas como baixo nível de renda per capita. A pobreza, enquanto privação, segundo Sen (2000), não significa um baixo nível de bem-estar, mas a incapacidade de perseguir o bem-estar. A privação é um conceito multidimensional que inclui: fome, analfabetismo, sujeição às doenças, saúde fraca, exclusão, ausência de poder, humilhação, insegurança, deficiência de acesso à infra-estrutura básica, barreiras para a ascensão econômica das mulheres, violação das liberdades políticas, ameaças ao meio ambiente, entre outros. É lógico que a elevação da renda per capita pode resolver grande parte dessas privações. No entanto, embora necessária, ela não é condição suficiente. Os exemplos disso abundam no livro Desenvolvimento como Liberdade que é considerado uma síntese das principais idéias de Sen.

Desenvolvimento para Sen (2000, p. 51 - 71), é um processo de expansão das liberdades reais de que as pessoas desfrutam. A liberdade é o fim, o objetivo e o meio para se alcançar o desenvolvimento. A liberdade, portanto, assume um duplo papel na obra de Sen: o papel constitutivo e o papel instrumental na determinação do desenvolvimento. O papel constitutivo relaciona-se à importância das “liberdades substantivas” para o enriquecimento da vida humana. As liberdades substantivas estão relacionadas às capacidades elementares tais como: ter condições de evitar fome, subnutrição, morbidez evitável, morte prematura, além de saber ler e fazer cálculos aritméticos, ter participação política e liberdade de expressão, entre outros.

O papel instrumental relaciona-se à contribuição das liberdades para o progresso econômico, ou seja, a liberdade é também um meio para se obter o desenvolvimento. Sen (2000, p. 54 - 71) destaca os cinco mais relevantes tipos de liberdades instrumentais:

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1. liberdades políticas – direitos civis e políticos associados á democracia; 2. facilidades econômicas – oportunidades para utilizar recursos econômicos

para consumo, produção ou troca. Sen (2000, p. 56) ressalta que o modo como as rendas são distribuídas faz uma profunda diferença;

3. oportunidades sociais – condições existentes nas áreas da educação, da saúde, da segurança etc. que influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo viver melhor;

4. garantias de transparências - referem-se às necessidades de sinceridade que as pessoas esperam. Elas são inibidoras da corrupção, da irresponsabilidade financeira e das transações ilícitas;

5. segurança protetora – proporciona uma rede de seguridade social, impedindo que a população excluída seja reduzida à miséria abjeta.

Essas liberdades se complementam umas às outras. Portanto, apreender as interligações que existem entre elas é de fundamental importância para deliberar sobre políticas de desenvolvimento (SEN, 2000, p. 57). O Quadro 5, a seguir, ilustra algumas dessas interligações e os seus efeitos sobre o desenvolvimento.

liberdade instrumental interligação desenvolvimento efeito sobre o

oportunidades sociais

Ampliação da educação pública, da saúde pública e da imprensa livre e ativa → redução das taxas de natalidade e de mortalidade infantil.

Elevação do nível de emprego, elevação da renda per capita, redução da mortalidade infantil.

liberdades individuais

Garantia social das liberdades→ tolerância e possibilidade de troca e de transações econômicas.

Formação e aproveitamento das capacidades humanas.

transações econômicas

Crescimento do PNB per capita → elevação das rendas

privadas→financiamento dos programas sociais do

governo→ elevação das rendas dos pobres→gastos públicos com serviços de saúde em geral.

Elevação da expectativa de vida.

Quadro 5: Interligações entre as liberdades instrumentais e os seus efeitos sobre o desenvolvimento econômico

Fonte: Baseado em Sen (2000, p. 57 - 71)

As possibilidades de combinações entre as liberdades instrumentais são muito amplas. Um dos aspectos importantes para o qual Sen (2000) chama a atenção é o mecanismo da forte correlação entre aumento do PNB per capita e elevação da expectativa de vida. Essa relação, diz ele, não é automática, mas intermediada pelo gasto feito para

reduzir a pobreza e elevar dispêndios na área da saúde pública. É nesse sentido que Sen (2000, p. 61) alerta que “o impacto do crescimento econômico depende muito do modo como os seus frutos são aproveitados”.

O contraste entre China e Índia, ressaltado por Sen (2000, p. 59), ilustra o papel das oportunidades sociais como meio para se galgar o desenvolvimento. Desde que a China iniciou o seu processo de crescimento acelerado, no final dos 1970, ao contrário da Índia, ela já contava com a massificação do sistema de educação e de saúde, ou seja, havia uma população alfabetizada e em boas condições de saúde28. Ele também destaca as desvantagens reais da China, em relação à Índia, por causa da ausência de liberdades democráticas.

Sen (2000, p. 65 - 66), questiona o argumento geralmente usado da falta de recursos para realizar investimentos socialmente importantes como universalização da saúde e do ensino, entre outros. Para ele, o parâmetro para a determinação de quanto um país pode ou não gastar é a relação entre preços e custos relativos. Esses serviços relevantes, do ponto de vista socioeconômicos, são altamente trabalho-intensivos e, portanto, relativamente baratos nas economias pobres, onde os salários são baixos. De acordo com Sen (2000), o país - ou região - não precisa ficar rico para iniciar a tarefa de realizar os investimentos nas áreas–chave que permitam ampliar as interligações entre as liberdades instrumentais e, assim, potencializar os efeitos sobre o desenvolvimento. O papel do gasto público é de crucial importância para acionar os encadeamentos e, dessa forma, promover a expansão da liberdade humana, ou o desenvolvimento.

Os fins e os meios do desenvolvimento exigem que a perspectiva da liberdade seja colocada no centro do palco. Nessa perspectiva, as pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas – dada a oportunidade – na conformação de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias passivas dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento. (SEN, 2000, p. 71)

Sem diminuir a importância do gasto público, Sen (2000) reconhece que investimentos socialmente importantes, mediados pelo crescimento econômico, têm a vantagem de oferecer mais em relação ao exclusivo custeio destes investimentos por parte do setor público, uma vez que há muito mais privações diretamente vinculadas aos baixos níveis de renda. No entanto, ele mostra uma série de exemplos de casos em que não é preciso haver altas taxas de crescimento econômico para iniciar esse tipo de ação.

28Para Sen (2000, p. 60) o atraso social da Índia, com sua avconcentração elitista na educação

superior,a sua vasta negligência com relação à educação elementar e o descaso substancial para com os serviços básicos de saúde, deixou o país despreparado para uma expansão econômica amplamente compartilhada.

A questão do dispêndio público, enquanto meio para promoção do desenvolvimento, ressaltado com grande propriedade por Sen, tem sido abordada sob diferentes ângulos pelos teóricos do desenvolvimento, entre os quais Baran, Hirschman, Myrdal e outros. A qualidade deste gasto público é de fundamental importância para a argumentação desta tese. Até que ponto as rendas minerais repassadas para as administrações públicas são utilizadas em prol do desenvolvimento? Elas estão sendo usadas para a ampliação das liberdades constitutivas e instrumentais? As interligações entre gastos e essas liberdades estão sendo potencializadas?

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 94-98)

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