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Ecodesenvolvimento e desenvolvimento includente, sustentado e sustentável em Sachs

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 75-79)

1 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE EM REGIÕES RICAS EM RECURSOS NATURAIS, MAS POBRES NOS INDICADORES

4. rumo à maturidade após a decolagem, surge um longo intervalo de progresso sustentado Os investimentos se elevam de 10% para 20% do PIB, o que permite

1.5 AS PROPOSTAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

1.5.1. Ecodesenvolvimento e desenvolvimento includente, sustentado e sustentável em Sachs

O tema desenvolvimento tem assumido diferentes denominações na obra de Sachs (1986, 2004), tais como: desenvolvimento endógeno, ecodesenvolvimento19, desenvolvimento sustentável e sustentado, desenvolvimento includente, entre outros. Apresentar alternativas de desenvolvimento “não-mimético”, voltado para a satisfação das reais necessidades da sociedade, e que seja realizado em harmonia com a natureza, é o elemento comum entre essas distintas designações.

Sachs (1986) parte da crítica aos modelos clássicos de crescimento, muito embora reconheça a importância estratégica das variáveis-chave componentes, como a poupança (investimento), por exemplo. Mas ele questiona a finalidade do seu uso, onde e por quem ela será investida e quais serão os seus beneficiários. Ou seja, ressalta a importância de se conhecer a “eficácia social do investimento”, e não simplesmente a crença cega de que seu aumento conduzirá automaticamente ao crescimento e ao desenvolvimento econômico.

Para Sachs, os modelos de crescimento neoclássicos,

[...] gozam de muito prestígio junto às autoridades que decidem sobre as grandes orientações, graças à sua simplicidade conceitual, mas, sobretudo em virtude da aparência de ‘objetividade’ que conferem às decisões eminentemente políticas relativas à distribuição dos encargos e dos benefícios do crescimento.(SACHS, 1986, p. 32).

Em trabalhos mais recentes, Sachs (2004) se dedica não apenas a criticar o modelo dominante de desenvolvimento, mas, acima de tudo, a propagar os princípios e os critérios para operacionalização de sua proposta de desenvolvimento includente e sustentável. Nesse sentido, o seu trabalho é muito mais normativo do que comprometido com o rigor teórico.

19 Termo adotado pela primeira vez por Maurice Strong, então primeiro Secretário das Nações

Unidas, na época da primeira conferência mundial das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em 1972.

É sobre esse caráter normativo que recaem as principais críticas aos seus trabalhos, como as de Altvater (1995), por exemplo. Para ele, ninguém discorda das boas intenções do desenvolvimento sustentável; no entanto, para equacioná-lo é preciso se distanciar do princípio do lucro e, no caso das economias dependentes, das restrições monetárias externas, o que é muito pouco provável. Altvater ressalta que:

[...] qualquer concretização da palavra mágica “sustentável” provoca, inevitavelmente, um recuo da análise teórica frente a considerações normativas: o desenvolvimento deve ser economicamente eficiente, ecologicamente suportável, politicamente democrático e socialmente justo. Posicionamentos normativos deste tipo são consensualmente sustentáveis inclusive no plano global, apesar das diferenças e contextos culturais, de posições política e de correntes acadêmicas – até o ponto, evidentemente, em que precisam ser explicitadas as implicações éticas dessa norma. (ALTVATER,1995, p. 283)

Sachs (2004, p. 23), por sua vez, rechaça veementemente aqueles que consideram que o desenvolvimento é “uma armadilha ideológica construída para perpetuar as relações assimétricas entre as minorias dominadoras e as maiorias dominadas, dentro de cada país e entre os países”. Essas críticas, segundo Sachs (2004), “tratam de verdades óbvias que não dizem muito sobre o que deveríamos fazer nas próximas décadas para superar os dois principais problemas herdados do século XX: o desemprego em massa e as desigualdades crescentes”. A essas propostas, afirma Sachs (2004) “falta conteúdo operacional concreto”.

Nesse sentido, as idéias de Sachs (1986; 2004) se distinguem pela recusa ao reducionismo e pela estreiteza do referencial analítico do desenvolvimento, tanto dos “otimistas tecnológicos sem raias”, como dos “pessimistas ecológicos”. No seu ponto de vista, ambos pecam pelo reducionismo e pela ignorância histórica, já que selecionam no passado certas tendências e as extrapolam para chegar a uma visão diametralmente oposta, mas igualmente falsa.

Sachs (1986) ressalta que não se pode falar em desenvolvimento de longo prazo desconectado de um “projeto coerente de civilização”, o que requer que as escolhas dos objetivos e dos meios sejam constantemente reavaliados à luz dos resultados concretos e dos novos conhecimentos. Um dos principais desafios para a promoção do “desenvolvimento includente, sustentável e sustentado”, segundo Sachs (1986, 2004), é estimular o “potencial de desenvolvimento endógeno”.

De acordo com Sachs (1986, p. 86) um dos primeiros documentos a usar a expressão “desenvolvimento endógeno” foi o Relatório Dag Hammarksjold (Que Faire?). Consoante o referido relatório, três condições devem ser associadas ao termo: 1) o primado da lógica das necessidades sociais sobre a do produtivismo estreito; 2) a procura de

estratégias socioeconômicas que permitam viver em harmonia com a natureza; e 3) uma ampla abertura à inovação social e às reformas institucionais.

A idéia de endogeneidade em Sachs (1986, p. 81),

[...] não deve, de forma nenhuma, ser compreendida como um convite à autarquia econômica, à recusa de intercâmbios culturais, científicos ou técnicos com o exterior, nem como retorno incondicional à tradição. Ela conduz essencialmente à autonomia do processo de definição do projeto nacional e de tomada de decisões (inclusive as que se referem ao grau de abertura da economia e da sociedade à escolha de parceiros) assim como à importância primordial da comunicação e da cultura na elaboração de estilos de desenvolvimento, isto é, de uma escolha coerente de objetivos e meios de acordo com uma escala de valores que, sem ser prisioneira do passado, representa um belo papel no sentido da identidade e da especificidade nacionais. (SACHS, 1986, p. 81).

Para operacionalizar o “potencial de desenvolvimento endógeno”, são necessários enfatiza três elementos: 1) a capacidade cultural de pensar-se a si mesmo e de inovar; 2) a capacidade político-administrativa de tomar decisões autônomas e de organizar a execução das mesmas e 3) a capacidade do aparelho de produção para assegurar a sua reprodução ampliada em conformidade com os objetivos sociais do desenvolvimento. (SACHS, 1986, p. 84)

Segundo Sachs (1986, p. 102), o desenvolvimento se apresenta cada vez mais como conceito “pluridimensional”, cujas diferentes facetas não são redutíveis a um denominador comum. Sachs (2004, p. 36) afirma que “desde os anos 70, a atenção dada à problemática ambiental levou a uma ampla reconceitualização do desenvolvimento, em termos de ecodesenvolvimento, recentemente renomeado de desenvolvimento sustentável”20.

Assim , o desenvolvimento sustentável deve obedecer ao duplo imperativo ético da solidariedade com as gerações presentes e futuras, e exigir a explicitação de critérios de sustentabilidade social e ambiental e de viabilidade econômica. O Quadro 3 sintetiza os critérios, conforme os impactos sociais e ambientais, que determinarão se o crescimento econômico é considerado sustentável, selvagem ou algo entre esses dois qualificativos.

tipo de crescimento impactos sociais impactos ambientais

1) desenvolvimento + +

2) selvagem - -

3) socialmente benigno + -

4)ambientalmente benigno - +

Quadro 3: Padrões de crescimento econômico e os seus impactos

Fonte: Sachs (2004, p. 36)

20 Não é consensual essa visão. Originalmente o ecodesenvolimento foi uma proposta feita para as

regiões periféricas dos países pobres, enquando que a proposta de desenvolvimento sustentável, de acordo com o Relatório “Nosso Futuro Comum”, é bem mais ampla, abrangendo regiões ricas e pobres.

As pesquisas sobre o desenvolvimento devem se revestir de caráter mais realista e superar três grandes limitações: 1) tendência a tomar a Europa como ponto exclusivo de referência; 2) noção demasiado estreita de desenvolvimento, a qual deve passar do crescimento, ao conceito de projeto de civilização; e 3) dificuldade de se pensar interdisciplinarmente. (SACHS, 1986, p. 31).

Nesse sentido, Sachs (1986, p. 34 - 35) chama atenção para a necessidade de se estabelecer algumas prioridades da pesquisa no campo das ciências sociais, quais sejam:

1. institucionalizar o processo de planejamento, enquanto mecanismo de decisão e baseado na participação;

2. inserir a dimensão política no modelo explicativo; mas para isso é preciso superar a tendência de incorporá-la apenas de maneira pró-forma e acessória e/ou reduzí-la a uma escolha ideológica;

3. preencher as condições necessárias para uma abordagem verdadeiramente interdisciplinar.

A noção de desenvolvimento sustentável, para Sachs (2004, p. 17), deve, portanto, estar assentada em cinco pilares – social, ambiental, territorial, econômico e político. Para alcançar adequadamente essas dimensões, é necessário passar por uma etapa de transição. Assim, a transição para o desenvolvimento sustentável requer uma mudança imediata de paradigma, “passando-se o crescimento financiado pelo influxo de recursos externos e pela acumulação de dívida externa para o do crescimento baseado na mobilização de recursos internos, pondo as pessoas para trabalhar em atividades com baixo conteúdo de importações e para aprender a ‘vivir com lo nuestro’”.

Da mesma forma que Myrdal (1972), Sachs (1986, 2004) considera que a ferramenta-chave para melhor preparar a transição para o desenvolvimento sustentável é o planejamento. Contudo, ele alerta para não confundi-lo com o fracassado planejamento autoritário do tipo soviético. O planejamento moderno é participativo e dialógico e exige uma negociação quadripartite entre os atores envolvidos, conduzindo a arranjos contratuais entre autoridades públicas, empresas, organizações de trabalhadores e sociedade civil organizada. O processo de planejamento deve compatibilizar três objetivos importantes SACHS, 2004, p. 88)

1. consolidar e modernizar o “núcleo modernizador” da economia, representado por empresas industriais, mineradoras, e, por vezes agrícolas, intensivas em conhecimento, de alta tecnologia e de alto valor agregado;

2. direcionar ações para a geração de emprego em todos os níveis, considerando- se que o “núcleo modernizador” normalmente é poupador de mão-de-obra, visando aumentar a elasticidade emprego/crescimento;

3. determinar maneiras e meios para a ação direta focalizada no bem-estar das pessoas – educação, saúde, saneamento e habitação, bem como apoiando-as na modernização de suas atividades de subsistência fora do mercado.

No documento Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez (páginas 75-79)

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