51 SACHS, J D & WARNER, A M op cit
2.3.2 Reforçar e adicionar valor às comunidades mineiras, historicamente negligenciadas
2.3.2.2 Necessidade de adicionar valor às comunidades
Os benefícios que as comunidades podem ter com a mineração são vários: aumento das oportunidades de diversificação da economia, ampliação do valor do território, expansão dos benefícios tradicionais, tais como empregos diretos, apoio às atividades econômicas, oferta de água e de energia, de transporte, de outras infra-estruturas, além de educação, saúde e outras oportunidades. Entretanto, segundo Veiga et al (2001), as companhias mineradoras precisam pensar muito além desses benefícios tradicionais. Necessitam conhecer os benefícios biofísicos e socioeconômicos que o desenvolvimento de uma nova mina pode gerar para a região mineradora, no longo prazo, e se certificar de que eles sejam consistentes com os princípios da sustentabilidade. Isso significa que, para ser sustentável, a decisão de se implantar uma nova mina não deve resultar em um jogo de soma zero, principalmente porque existe um dramático trade-off entre as necessidades imediatas e a integridade ecológica, no longo prazo. Essa questão e as soluções exigidas são complexas. Ela requer atenção redobrada dos corpos dirigentes das companhias mineradoras, das organizações internacionais, das instituições financeiras, governamentais, não- governamentais e de associações mineiras, entre outras organizações.
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Os desafios para que uma economia mineira siga uma trajetória de desenvolvimento abrangem as escalas macro e micro. No plano macro, as rendas minerais aparecem como variável nevrálgica; a sua determinação, a sua apropriação e, principalmente, o seu uso são considerados por diversos autores e correntes (HARTWICH, 1975, BOMSELL, 1992; MIKESELL, 1994; BANCO MUNDIAL, 2004) como estratégicos para o sucesso ou o fracasso da tentativa de uma economia de base mineira promover o desenvolvimento econômico. No plano micro, está se formando um consenso de que há um evidente desequilíbrio entre os níveis nacional e local na partilha dos custos e dos benefícios gerados pela atividade mineradora, cabendo a este último a maioria do ônus (reestruturação social, cultural, política e ecológica, entre outras) e ao país como um todo o bônus (divisas, rendas dos tributos, desenvolvimento tecnológico). Assim, surge a necessidade de cuidar melhor dos impactos adversos e de potencializar os benefícios para as comunidades mineradoras, historicamente negligenciadas.
É claro que nem sempre é nítida a separação entre as escalas macro e micro. O uso das rendas, por exemplo, perpassa todas as escalas. Os impactos ecológicos e socioeconômicos, aparentemente pontuais, são na realidade sistêmicos. A sua esfera de abrangência extrapola o espaço local onde ocorrem. A tentativa de conciliar o desenvolvimento sustentável com a atividade mineral requer a superação desses e de outros desafios.
2.4 A CONSTRUÇÃO DA IDÉIA DE UMA MINERAÇÃO SUSTENTÁVEL
A expressão “desenvolvimento sustentável” revela uma preocupação ética com a geração atual e, principalmente, com as gerações futuras. Porém, como dar garantias às futuras gerações quando os recursos utilizados para promover o desenvolvimento são exauríveis? O conceito normativo e amplamente difundido de desenvolvimento sustentável (DS) aparentemente conflita com a atividade mineral, uma vez que os bens minerais, por definição, são recursos não-renováveis. Para Eggert (2000), é, teoricamente, simples pensar em sustentabilidade de recursos renováveis, porém isso fica mais complexo no caso de recursos que existem em quantidades fixas.
Para Mikesell (1994) a proposta de DS deve apresentar definições rigorosas, objetivos quantificáveis e indicadores de progresso ou de retrocesso em relação a esses
objetivos. Acrescenta que uma das mais difíceis áreas para um tratamento analítico é a dos recursos exauríveis, pela óbvia razão de que eles irão se esgotar.
Tilton (1996) afirma que o DS requer que o padrão atual de consumo de recursos exauríveis não force as gerações futuras a reduzir o seu padrão de vida. Para ele, o debate em torno da exaustão de recursos naturais e da conseqüente ameaça ao bem-estar das futuras gerações está polarizado em dois “paradigmas”: o do estoque fixo e o do custo de oportunidade.
• O paradigma do estoque fixo, defendido por ecologistas, cientistas e engenheiros, vislumbra um futuro sombrio. Segundo essa perspectiva, o planeta Terra não tem como suportar por muito tempo o nível de demanda atual e previsto por combustíveis fósseis e outros recursos exauríveis. Mesmo que descobertos novas reservas desses recursos, as jazidas são esgotáveis, pois sua formação requer eras geológicas, com o agravante de os custos ambientais da extração serem crescentes.
• O paradigma dos custos de oportunidade é assumido principalmente por economistas e adota uma visão de futuro demasiadamente otimista. O fato de os recursos exauríveis terem ou não uma oferta fixa é totalmente irrelevante63 para essa abordagem, uma vez que será o custo de oportunidade64, subjacente à exploração e ao processamento dos minerais, que indicará o nível ótimo da extração e a sua possível substituição quando na fase do exaurimento. Segundo essa perspectiva, o Planeta, com auxílio dos incentivos de mercado, das políticas públicas adequadas e das novas tecnologias, pode ampliar indefinidamente a provisão das necessidades materiais dos seres humanos.
Um dos adeptos do primeiro paradigma é Herman Daly65 (1994) apud Kumah (2006), que alerta para a necessidade de que o uso dos recursos não supere a sua taxa de renovação ou de substituição. Autores como Mikesell (1994), Gibson66 (2000) e Auty (1998) apud Kumah (2006) parecem estar mais sintonizados com o segundo paradigma, embora explorem aspectos complementares do uso sustentável de recursos exauríveis. Conforme
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As estimativas de duração dos minerais podem oscilar muito, dependendo da variável calculada: sobre as reservas (medidas, estimadas, inferidas) ou sobre a base de recursos. As diferenças computadas podem ser de milhares de anos.
64 Também conhecido como “custo alternativo”. Significa que a decisão de usar um recurso do modo
“A” sacrifica os modos alternativos “B”, “C” e “D” de uso (ou não-uso).
65 DALY, Herman E. Farewell lecture to World Bank. 1994. Disponível em http://dieoff.org/page64.htm 66 GIBSON, R . Favouring the higher test: contribituion to sustainability as the central criterion for
reviews and decisions under the Canadians environmental assesssment act. Jounal of Environmental Law and Practice, 10 (1) :39-54, 2000
mencionado, Mikesel (1994), por exemplo, alerta para a necessidade da destinação de uma parte da renda mineral para a criação de alternativas produtivas sustentáveis, quando a mineração se esgotar. Gibson (2000) argumenta que os custos socioambientais de curto prazo suportados pelas comunidades mineradoras são amplamente recompensados pelos aportes que a mineração gera. Auty (1998), da mesma forma, argumenta que os transtornos causados às comunidades afetadas por empreendimentos mineradores são fortemente compensados pelas rendas mineiras.
Esses diferentes “paradigmas” conduzem a posições opostas quanto à política mineral. O paradigma do estoque fixo evoca o “princípio da precaução”, ou seja, havendo dúvida, é melhor evitar atividades que comprometam, de forma definitiva, os recursos naturais e ambientais. Embora reconheça que, em certa medida, é possível substituir recursos naturais e ambientais por outras formas de capital, o paradigma do estoque fixo questiona se tal substituição pode continuar indefinidamente, por causa dos limites físicos do planeta. A adoção do paradigma do custo de oportunidade, por sua vez, favorece uma política produtiva mais expansiva e, no limite, imprudente, pois desconsidera que o uso de recursos naturais e ambientais de forma irrestrita pode resultar em irreversibilidades ecossistêmicas. Os seus principais argumentos se resumem assim: mudanças tecnológicas, substituição de recursos, novas descobertas e outras atividades induzidas pelo mecanismo de preços de mercado podem auxiliar na manutenção do DS, mesmo com maior explotação de recursos exauríveis.
O recente debate sobre sustentabilidade e mineração tem procurado superar essa visão dicotômica resumida por Tilton (1996). Nos anos 1990, na tentativa de melhor qualificar o termo “sustentabilidade”, pesquisas conduzidas, principalmente, pelo Banco Mundial (SERAGELDIN, 1995; WARHURST, 1999) acrescentaram ao conceito os adjetivos “forte”, “fraca” e “sensata ou prudente”. Esses adjetivos associam o conceito de desenvolvimento às diferentes dimensões representadas pelo capital natural (dimensão biofísica), capital manufaturado (dimensão econômica), capital social (dimensão política no sentido amplo) e capital humano (dimensão que abrange as condições de saúde, educação e renda)67, conforme descrito no Capítulo um.
Para a análise do desenvolvimento de regiões cuja base econômica está assentada na exploração e uso de recursos não-renováveis, só podem ser adotados os conceitos de
67 Sachs (1996) considera que o processo de desenvolvimento deve atentar para cinco dimensões:
social, econômica ecológica, espacial e cultural. Guimarães (1997), por sua vez, destaca a necessidade de se atentar para oito dimensões da sustentabilidade: planetária, ecológica, ambiental, demográfica, social, cultural, política e institucional.
sustentabilidade fraca ou de sustentabilidade sensata. Eles podem ser usados a partir de duas perspectivas: a da atual geração (intrageração), que pressupõe a minimização dos danos ambientais e o aumento do bem-estar social; e a da geração futura (intergeração), pela qual a atividade deve ser capaz de gerar um fluxo permanente de rendimentos, para garantir o nível de bem-estar.
Essas propostas estão de acordo com Auty & Warhurst (1993), para quem a mineração pode ser um vetor do desenvolvimento socioeconômico, mas que requer duas condições: a primeira é promover investimentos que gerem riqueza alternativa, para substituir o patrimônio mineral consumido; a segunda é a minimização dos danos ambientais provocados pela atividade de mineração e de beneficiamento.
Essas duas condições são fundamentais para evitar a Dutch disease. Esses autores apontam que o tema sustentabilidade e mineração tem sido enfocado erroneamente na idéia de compensação pelo esgotamento das reservas minerais. Para eles, o problema do esgotamento não é a questão-chave, uma vez que muitos exportadores de minerais têm reservas para mais de cem anos. A abrupta marginalização do setor mineiro é a ameaça mais imediata, dada a volatilidade dos preços, que não pode ser compensada por políticas macroeconômicas.
Segundo Auty & Warhurst (1993), as vantagens que a mineração permite às economias mineiras nos países subdesenvolvidos são: divisas e ampliação das receitas governamentais, além de uma rota adicional para industrialização baseada nos recursos (processamento de mineral, metalurgia e industrialização de produtos finais, conhecido como RBI68). No entanto, as RBI’s apenas se justificam se os recursos naturais renderem no processamento vantagens comparativas que compensem as outras deficiências, como a falta de capital e de tecnologia.
Os requisitos básicos das duas perspectivas – intrageracional e intergeracional - estão ilustrados na Figura 4.
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Figura 4: Critérios para sustentabilidade em mineração
Fonte: Elaboração própria, com base em Auty & Warhurst,1993
Muito embora não esteja explícito em seu texto, Mikesell (1994) admite a hipótese da sustentabilidade sensata, por causa do seu entendimento de que um caminho sustentável para uma economia requer níveis mínimos de investimento em capital físico, em conhecimento tecnológico e em capital humano, além da preservação da base ambiental. Esses objetivos devem ser perseguidos nas escalas macro e micro.
Para Warhurst (1999), os impactos da atividade mineradora são distribuídos desigualmente entre os diferentes stakeholders (grupos de interesse). As companhias mineradoras se preocupam, tradicionalmente, com os seus empregados, acionistas, governos e financiadores, porém muito pouca atenção é dada às questões relativas à pobreza e vulnerabilidade das comunidades mineradoras.
Hilson (2000) cita a Declaração do Rio, que diz que os seres humanos devem estar no centro das preocupações do DS. Portanto, um outro elemento crítico do DS é a responsabilidade social. No contexto da indústria, isso implica considerar as necessidades dos stakeholders mais vulneráveis. Hilson considera que as companhias mineradoras, mais do que a média das outras indústrias, estão constantemente em contato com um grande número de stakeholders. Desta forma, para estabelecer uma relação positiva com bancos, companhias de seguros e outras organizações, elas precisam ajudar a criar um ambiente harmônico nas comunidades em que operam. Este é um desafio para as mineradoras, cujas operações são tidas como ambiental e ecologicamente destrutivas. Assim, Hilson & Murck (2000) recomendam que as indústrias mineiras adotem as seguintes estratégias:
• captar a percepção das comunidades locais quanto ao desenvolvimento da mina;
Desenvolvimento Sustentável versus
Sustentabilidade Sensata
1o.critério intrageração 2o.critério intergeração
Minimização dos impactos negativos sobre o meio ambiente e aumento do bem-estar social
Investimentos em geração de riqueza alternativa
• determinar de antemão os prováveis efeitos do desenvolvimento dos processos evolutivos normais dentro da comunidade (modo de vida, relações sociais, comportamentos e resiliência social);
• identificar os possíveis impactos sobre elementos históricos ou religiosos; • prever a participação de pessoas locais na operação da mina;
• avaliar se há uma necessidade de realocação populacional como resultado do projeto de mina;
• examinar o potencial para conflitos com a comunidade;
• calcular os custos econômicos para a proteção de valores culturais locais; • identificar os prós e os contras do projeto sobre a comunidade.
Essas sugestões seguem as recomendações dos organismos internacionais que formulam as políticas globais para a mineração, tais como o Conselho Internacional de Metais e Meio Ambiente (ICME)69 e o Banco Mundial, conforme foi verificado Veiga et al. (2001).
Portanto, desenvolvimento sustentável, no contexto das corporações mineiras, requer a adoção das melhores práticas ambientais e socioeconômicas. Ambientalmente, para que uma mina contribua para o DS, ela deve abandonar práticas de gestão ambiental ad hoc e adotar uma posição preventiva e pró-ativa. Social, econômica e eticamente, a mina deve identificar todas as partes potencialmente impactadas pelas suas operações e lidar explicitamente com as necessidades de cada uma delas. Deve empregar residentes, prover trabalho e serviços de treinamento e ajudar financeiramente os principais projetos de desenvolvimento da comunidade (HILSON & MURCK, 2000).
A Figura 5 sintetiza as dimensões e implicações do DS para os diferentes stakeholders. Ele ilustra as quatro dimensões do DS e as trajetórias ambientais, bem como a perspectiva dos diferentes stakeholders, as oportunidades e os desafios criados a partir de um projeto de mineral, procurando relacioná-los aos princípios da sustentabilidade – ecossistemas saudáveis, justiça social e dinamismo econômico – por intermédio de indicadores de desempenho social e ambiental (WARHURST, 1999).
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Figura 5: Quadrado da sustentabilidade
Fonte: Warhurst, 1999
Como a mineração é considerada uma das atividades mais impactantes, tanto social quanto ambientalmente, a indústria mineira, em todo o mundo, é muito focalizada nos debates sobre responsabilidade social e ambiental. Daí a crescente busca de incorporação dos princípios do desenvolvimento sustentável nas práticas corporativas e das demais organizações que se relacionam com a indústria mineira.