CLÁSSICAS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Conhecer a base concreta onde ocorrem os fenômenos físicos, econômicos, sociais, culturais, políticos e outros tantos decorrentes do processo civilizatório é um dos principais desafios da proposta do desenvolvimento sustentável, pois sem isso estratégias para promoção do desenvolvimento são falhas pela falta de aderência à realidade. Daí a importância fundamental do uso de indicadores, a fim de verificar a influência da mineração nessas dimensões “clássicas” do desenvolvimento sustentável. É nessa perspectiva que este capítulo objetiva apresentar um conjunto de indicadores econômicos, ambientais, sociais e de governança visando conhecer as associações existentes entre eles e a atividade de mineração.
Indicadores que revelem a trajetória do município minerador são importantes para verificar as transformações que sofreu ao longo do tempo. No entanto, como saber se essas mudanças se devem à existência de atividade mineral ou a outros fatores? Como uma alternativa para contornar essa dificuldade, recorreu-se à comparação dos mesmos indicadores para os municípios não-mineradores do entorno do município estudado. Por estarem estabelecidos na mesma região geográfica, é provável que esse conjunto de município minerador e entorno receba influências espaciais semelhantes. No entanto, por ter uma atividade de extração mineral, é admissível que municípios de base mineradora apresentem características próprias. Quais são essas peculiaridades? Como elas afetam as dimensões clássicas do desenvolvimento desses espaços?
Observada a partir da ótica da sustentabilidade forte, Manfred Nitsch (1995), assim como Cleveland & Ruth (1997) argumentam que a mineração é intrinsecamente insustentável. Portanto, não faz sentido falar de mineração e sustentabilidade e, dessa forma, esta tese não teria razão de existir. Mas se forem consideradas outras perspectivas, como a da Escola de Londres e da própria sustentabilidade fraca de Solow (1993), é possível estabelecer alguns indicadores que captem as transformações ambientais dos municípios mineradores e do seu entorno. Mas, será que é possível afirmar categoricamente que a mineração se associa com os danos ou com a melhora das condições ambientais? Essa pergunta aparentemente trivial é de difícil resposta, pois as informações secundárias disponíveis, que permitiriam formar esse quadro, são insuficientes e, em alguns casos, pouco consistentes quando confrontadas com a realidade. Contudo, a partir das
informações disponíveis e das pesquisas em campo, foi possível elaborar alguns indicadores que demonstraram coerência. Um desses indicadores foi o da criação institucionalização do meio ambiente, a partir das informações disponibilizadas pelo IBGE (Anexos 3 e 4). Esses e outros indicadores foram conferidos com os levantamentos feitos em campo para os municípios de base mineradora, com o propósito de verificar se o tipo de minério explotado ou se a região geográfica onde a mina está instalada estão, de alguma forma, associados aos indicadores ambientais municipais.
Para a dimensão econômica, a evolução no tempo do PIB, e do PIB per capita dos municípios mineradores vis-à-vis o seu entorno, e a média de seus Estados, permitirá saber se, em nível municipal, a mineração é um fator que contribui favoravelmente para o crescimento econômico, sendo um “trampolim para o desenvolvimento”, como atestam as teses clássicas de crescimento, respaldadas pelas políticas de organizações internacionais tais como o Banco Mundial. Ou, ao contrário, é uma maldição, e municípios mineradores apresentam atrasos em relação ao demais não-mineradores, como atestam as teses de Bunker (1988) e dos setorialistas (SHAFER, 1994), amparados pelas teorias de enclave dos dependencistas e outros.Os indicadores de dimensão econômica trazem importantes contribuição às teorias que tratam de mineração e desenvolvimento, pois a maioria delas é feita para nações e comunidades. Essa abordagem de examinar conjuntamente a cidade mineira e seu entorno, a partir de uma perspectiva nacional, é inovadora.
Aliada à dimensão econômica, verificar o comportamento dos indicadores de crescimento populacional dos municípios mineradores vis-à-vis o seu entorno e à média de seus Estados ajuda a estabelecer associações entre a mineração e a dinâmica populacional. A variação populacional influencia o PIB per capita e, conseqüentemente, a dinâmica de crescimento econômico, com bem ressaltam as primeiras teses de Solow (1956). Ainda nessa perspectiva, é importante verificar o comportamento, ao longo do tempo, das informações sobre população ocupada. Será que as oportunidades de crescimento estão, de fato, se materializando em emprego? Conforme explorado na revisão teórica sobre o desenvolvimento, Hirschman (1977) e outros vêem com ceticismo a possibilidade de geração de emprego a partir de uma base mineradora, por causa dos fracos encadeamentos da produção para frente e para trás, da possibilidade de efeitos nulos sobre o consumo (se a renda for gasta em outras localidades) e da falta de competência de os governos gerirem adequadamente os encadeamentos fiscais. Será que eles estão certos?
Para a dimensão social, os indicadores de desenvolvimento humano municipal (IDHM) e sub-índices de educação, de longeividade e de renda, permitem verificar até que
ponto a mineração está positivamente associada à expansão do desenvolvimento humano nos municípios de base mineira e seus entornos. Essa criação de Amartya Sen representou um enorme avanço para mensuração da dimensão humana do desenvolvimento, mas, por ser um índice-síntese, não consegue captar detalhes que podem fazer muita diferença, em nível municipal. Nesse sentido, foram incluídos outros indicadores na análise da dimensão social (Anexos 3 e 4), objetivando apresentar um quadro mais consistente dessa esfera do desenvolvimento municipal. Indicadores de pobreza – percentual de pobres em relação ao total da população - e de concentração de renda – índice de Gini - dos municípios mineradores vis-à-vis o seu entorno e à média de seus Estados ajudam a conhecer até que ponto a mineração é um fator que contribui, ou não, para a redução da pobreza e para a maior eqüidade na distribuição de renda.
Para a dimensão da governança foram utilizados indicadores das finanças públicas municipais, em diferentes períodos, com o objetivo de conhecer a trajetória das receitas e das despesas públicas dos municípios mineradores vis-à-vis os municípios não- mineradores. A partir deles é possível saber até que ponto a mineração contribui favoravelmente para o equilíbrio financeiro das receitas públicas? Se é certo que a mineração incrementa, não somente a quantidade como a qualidade do gasto público? Será que o perfil da arrecadação e dos dispêndios dos municípios mineradores está associado ao desempenho dos indicadores de outras dimensões?
Antes de apresentar os indicadores será feita uma breve caracterização socieoeconômica do Brasil e dos seus mais expressivos estados de mineradores.
4.1 A MINERAÇÃO E A SOCIEOECONÔMIA DO BRASIL E DOS SEUS MAIS
EXPRESSIVOS ESTADOS DE MINERADORES
Com uma população de 187 milhões de habitantes (projeção do IBGE para 2006), a taxa de crescimento populacional brasileira, entre 1991-2000, foi 1,4% ao ano, com grandes variações interestaduais. No estado da Paraíba, por exemplo, essa taxa foi de apenas 0,7%, enquanto que no Amapá foi de 5,1%. Resultado de um longo histórico de exclusão social e concentração de renda, o Brasil exibe uma das piores distribuições de renda do mundo; muito embora o índice de Gini venha caindo nos últimos anos (de 0,614, em 1990, para 0,569, em 2005), em 2002, ocupou a quarta posição entre os paises com renda mais concentrada do mundo, perdendo apenas para Serra Leoa, República Centro Africana e
Suazilândia (BANCO MUNDIAL, 2005). Os indicadores sociais estão bem distantes dos padrões aceitáveis para os países considerados desenvolvidos. A taxa de analfabetismo da população de mais de 15 anos é de 11,5%, o número médio de anos de estudo é 6,5 e 31% da população brasileira estão abaixo da linha da pobreza (PNUD/IPEA, dados de 2005). Esses indicadores se agravam de acordo com a região geográfica, uma vez que são marcantes no Brasil as disparidades regionais. Em 2000, a renda média da região Sudeste foi quase duas vezes e meia maior do que a das regiões Norte e Nordeste (Mapa 3). Nesse mesmo ano, o Distrito Federal apresentou um IDH de 0,844, enquanto que no Maranhão esse mesmo indicador foi de 0,636. A média brasileira é de 0,757 (IPEA/PNUD).
Mapa 3: Renda per capita dos estados brasileiros (R$1,00 de 2000)
Fonte: IPEA/PNUD (Atlas do Desenvolvimento Humano, 2000).
Por outro lado, em termos de PIB, a posição do Brasil tem oscilado entre a nona e a décima quarta economia mundial. Em 2006, o PIB brasileiro alcançou os US$ 900 bilhões. De acordo com o DNPM, o Brasil ocupa a primeira posição mundial em reserva de nióbio (96,9%) e tantalita (46,3%), a segunda de grafita natural (26,8), a terceira de bauxita metalúrgica (8,3) e vermiculita (5,7), a quarta de estanho (11,7%) e magnesita (8,9%) e a quinta de minério de ferro (7,2%) e manganês (2,5%) (SUMÁRIO MINERAL, 2005). A Tabela 7 apresenta os principais produtos minerais primários que compõem a pauta de exportações brasileiras e o destaque maior é para o minério de ferro (em suas diferentes formas), que isoladamente responde por 6,2% do total. (SUMÁRIO MINERAL, 2005).
Tabela 7: Brasil - exportações de minerais (2005) mineral valor US$ 1.000 Participação nas exportações minerais minério de ferro 7.296.631 6,167%
rocha ornamental, gesso, cimento, amianto. 829.076 0,701% cobre 334.986 0,283% manganês 139.625 0,118% caulim 224.887 0,190% bauxita metalúrgica 229.913 0,194% cromo 29.423 0,025% chumbo 14.346 0,012% nióbio 4.773 0,004% tungstênio 2.925 0,002% prata 2.370 0,002% ilmenita 1.301 0,001% zirconita 48 0,000% antimônio 23 0,000% outros 42 0,000% exportação de minerais 9.110.369 7,701% exportações brasileiras 118.308.270
Fonte: Sistema Alice (SECEX).
No entanto, o Brasil não é considerado uma economia de base mineradora, uma vez que a participação dos minerais no PIB nacional é pouco mais que 4%85 e nas exportações responde por apenas 7,7% (SUMÁRIO MINERAL, 2006). Contudo, alguns estados da federação são tipicamente mineradores, como o Pará, por exemplo, pois em torno de 50% das suas exportações provém da indústria extrativa mineral, percentual que passa para 81% incluindo-se os produtos minerais transformados (SECEX, 2006). Minas Gerais, embora já tenha diversificado bastante a sua economia, tem 24% das suas exportações oriundas da mineração, percentual que passa para 52% se incluídos os produtos minerais transformados. Os estados da Bahia e de Goiás estão também se assemelhando às características das economias de base mineira.
O Gráfico 9, a seguir, mostra a participação dos mais importantes Estados mineradores (não-petróleo) do Brasil no valor da produção mineral (VPM) nacional em dois momentos. Ao longo de quase uma década - 1996 e 2004 - percebe-se que houve significativas mudanças na posição relativa desses Estados. Em 1996, um terço do VPM era proveniente de Minas Gerais; uma parcela significava (17%) foi procedente São Paulo, com sua produção de não-metálicos; o Pará já começava a despontar no cenário nacional também com 17% do VPM. Em 2004, registrou-se uma queda relativa na posição dos maiores produtores e um aumento da participação de outros Estados. Os maiores
85
destaques foram para Goiás, que dobrou sua participação, e Pará que passou a responder por 24% do VPM nacional, superado apenas por Minas Gerais que, por sua vez, continua respondendo pela maior parcela do VPM nacional.
32% 17% 6% 5% 17% 23% 29% 24% 10% 5% 2% 30%
Minas Gerais Pará Goiás Bahia São Paulo Outros 2004
1996
Gráfico 9: Brasil: participação dos estados no valor da produção mineral brasileira – 1996- 2004
Fonte: DNPM (Anuário Mineral Brasileiro -1997 e 2005)
O VPM é um indicador importante, porém quanto ponderado por outros indicadores como mão-de-obra diretamente empregada no segmento mineral, número de minas existentes e o valor da CFEM recolhida, exibe um quadro nacional diferente que, de certa forma reflete as acentuadas disparidades regionais brasileiras (Gráfico 10).